|Palestina

Desejos para o ano que virá

Só nos resta aprender com uma menina, esta menina com seus seios em botão, que chega dos confins da memória e crava uma bandeira rubra e preta, branca e verde num montículo de pedras e poeira.

Desenho de Ana Biscaia
Créditos / Ana Biscaia

«Forças israelitas mataram ontem um palestino com deficiência mental durante uma manifestação da Grande Marcha do Retorno na Faixa de Gaza, já na 40.ª semana consecutiva.
O Ministério da Saúde de Gaza identificou o morto como Karam Mohammed Fayyad, de 26 anos. Observadores no local do Palestinian Center for Human Rights (PCHR) informaram que Fayyad foi atingido com uma bala na cabeça quando se encontrava a cerca de 150 metros da vedação com que Israel isola a Faixa de Gaza.
Segundo o Centro Al Mezan de Direitos Humanos, as forças israelitas feriram outros 46 manifestantes, incluindo quatro crianças, duas mulheres, um jornalista e dois paramédicos».

Uma menina

Quereríamos talvez 
falar dos peixes e das redes,
de um veleiro ao largo de Gaza,
falar de trigo, de figos e pistácios
e até dos cardos sábios.

Quereríamos talvez 
falar de alperces, de azeitonas,
de palmeiras e folhas de oliveira,
falar de pomares de laranjeiras,
do fino e peregrino império da água. 

Quereríamos talvez
falar da escola, do mercado, 
do hospital, da oficina,
falar de praças, de templos, de jardins,
de um porto de mar.

Mas só nos resta aprender com uma menina,
esta menina com seus seios em botão,
que chega dos confins da memória
e crava uma bandeira rubra e preta, branca e verde
num montículo de pedras e poeira.

João Pedro Mésseder, in A quem pertence a linha do horizonte, caderno inédito, 2000/2018

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