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Sarita e o cinema como militância

Sara Gómez é uma das mais importantes realizadoras da história do cinema cubano, mas o seu nome permanece relativamente desconhecido quando comparado com o de Tomás Gutiérrez Alea, por exemplo, ou mesmo Manuel Herrera. A importância da sua obra não tem tido correspondência no estudo e na divulgação dos seus filmes. Trabalhemos para alterar esta situação e dar a conhecer a sua obra.

Sarita foi assistente de realização de Varda durante a rodagem de «Salut les cubains!»
Sarita foi assistente de realização de Varda durante a rodagem de «Salut les cubains!»Créditos

Sobre ela, disse a escritora cubana Nancy Morejón, que «acreditou na cultura popular de Cuba e da América. Afirmou o seu ser no meio de um processo social vertiginoso, e traduziu-o com um espírito limpo, franco e tenaz; acreditou nas mudanças substanciais que toda a revolução engendra, assumiu a sua condição essencial de ser humano através de três componentes inescapáveis: raça, sexo e nacionalidade».

Gómez, ou «Sarita», diminutivo com o qual assinava as suas obras, deixou uma marca forte na arte e cultura cubanas. Daí a mediateca das mulheres - realizadoras cubanas em Havana ter recebido o seu nome, assim como um prémio atribuído todos os anos pelo Conselho Nacional das Casas da Cultura.

Esta marca torna-se ainda mais impressiva se tivermos em conta a brevidade da sua vida. Nasceu a 8 de Novembro de 1942, durante a primeira presidência de Fulgêncio Batista, em Guanabacoa, vila fundada pela colonização espanhola perto de Havana, casa de negros e judeus. Faleceu a 2 de Junho de 1974, com 31 anos, vítima de uma paragem respiratória provocada por um dos seus frequentes e intensos ataques de asma, 15 anos depois do triunfo da revolução socialista.

Deixou por terminar um extraordinário projecto cinematográfico de ficção que estava a desenvolver no Instituto Cubano da Arte e Indústria Cinematográficos (ICAIC). Intitulava-se De cierta manera (1974) e narrava uma relação amorosa entre uma professora e um operário, dissecando a estratificação em classes sociais e o preconceito racista e sexista no início do processo revolucionário cubano. Foi finalizado por Gutiérrez Alea e Julio García Espinosa, co-argumentistas, e pelo cineasta Rigoberto López.

Fotograma do filme «Y... tenemos sabor»

Sarita nunca abdicou de uma postura crítica, não aceitando um discurso idealizado da Cuba revolucionária. Por essa razão, os seus filmes documentais são registos preciosos do tempo em que viveu e da complexa transformação da sociedade cubana.

O seu olhar criativo e penetrante é singular sobretudo porque não constrói para si um lugar distanciado ou exterior à realidade que documenta e representa. Ela assume-se como parte daquilo que retrata, narrando com a sua voz muitos dos documentários que realizou. Mulher, negra, evitou de modo militante as armadilhas da política da identidade, contingente e difusa. Pelo contrário, no seu trabalho cinematográfico encontramos uma consciência da natureza histórica e sistémica das relações económicas e sociais que urgia transformar colectivamente.

É através da dialéctica entre desejo e realidade, mudança e tradição, palavras de ordem e vida quotidiana, que ela perspectiva a identidade como questão política. Dessa forma, aborda e cruza diversos assuntos: a comunidade afro-cubana, o rico e diverso património cultural do arquipélago, os sectores socialmente marginalizados, a emancipação das mulheres, as estruturas familiares, e os direitos dos trabalhadores.

«Sarita nunca abdicou de uma postura crítica, não aceitando um discurso idealizado da Cuba revolucionária»

Em Iré a Santiago (1964), a cineasta foca-se na história e nos costumes da gente mulata de Santiago de Cuba. A esta cidade chegaram os primeiros negros. Por ela entraram as armas usadas para a guerra da independência. Perto dela ocorreu a batalha decisiva desse conflito armado hispano-americano. As marcas do passado de navios e de escravos permanecem através de inscrições nas paredes e de nomes de grupos, como os negros que se chamam «franceses». Os habitantes reagem, protegendo-se do olhar da câmara ou posando para ela. O filme capta um «estado de ânimo», dando um revelo particular às mulheres. «Cuba trabalha e diverte-se», lê-se num arco festivo. O povo está em festa, nesta cidade onde há uma universidade e se celebra o Carnaval em Julho.

Em Y... tenemos sabor (1967), a realizadora centra-se nos instrumentos musicais mais utilizados na música cubana. O filme deixa os músicos e os instrumentos falarem. A voz de Sarita, que estudou piano durante seis anos no Conservatório de Música de Havana, serve apenas como ponte sonora entre partes dedicadas a diferentes géneros musicais.

Como expressão popular, a música festiva de Cuba integra diversos elementos, resultantes da conturbada e multifacetada história do país, conseguindo conjugar instrumentos da música tradicional como a conga com instrumentos da música erudita como o violino. A atenção dada à música tocada e cantada faz destacar a predominância de uma composição rítmica cuja vivacidade convida à dança e o facto de esta ser uma música de conjunto, produzida por mais do que uma pessoa em todas as ocasiões.

Iré a Santiago e Y... tenemos sabor serão mostrados pela primeira vez na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema a 22 de Outubro, às 15h30, na Sala M. Félix Ribeiro.

A sessão integra o ciclo «Por Um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba», em colaboração com o DocLisboa, e inclui mais dois filmes: Salut les cubains! (1963), realizado por Agnès Varda, e Ella (1964), realizado por Theodor Christensen.

A sessão será apresentada por Michael Chanan, especialista em cinema cubano da Universidade de Roehampton. Sarita foi assistente de realização de Varda durante a rodagem de Salut les cubains!

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