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Parlamento debate diploma para proteger a habitação

O Parlamento debate hoje um diploma do PCP que prevê a criação de um regime para proteger a habitação própria e evitar situações de incumprimento, missão impossível para muitas famílias.

A AIL defende a criação de um seguro de renda, da responsabilidade do senhorio, e de um seguro multi-riscos, da responsabilidade do arrendatário
Créditos / Awol

Em causa está a necessidade de responder a um «problema gravíssimo» gerado pelo aumento das taxas de juro. O debate, anunciado nas jornadas parlamentares dos comunistas, no final de Janeiro, decorre na véspera de uma reunião do Conselho de Ministros dedicada à habitação. 

Entre as medidas do diploma, o PCP propõe que a subida das taxas de juro não tenha como «primeiro impacto» a perda de rendimento das pessoas, devendo antes incidir na «redução das margens de lucro dos bancos».

O PCP quer também que os contratos de habitação possam ser renegociados «na perspectiva de um limite de 35% da taxa de esforço, estendendo o prazo para pagamento a crédito, sem aquelas listas negras e consequências que os bancos depois apontam às pessoas», disse à Lusa o deputado Bruno Dias.

Os comunistas sugerem que os bancos não se possam opôr a que as pessoas entreguem as casas para saldar a dívida. Nos casos em que o imóvel for posteriormente vendido pelo banco a «um preço superior ao considerado aquando da entrega», propõem que haja uma compensação para quem entregou o imóvel.

Em casos limite, para prevenir que as pessoas fiquem sem tecto, o PCP sugere que a lei preveja a possibilidade de manter a habitação a título de arrendamento, podendo depois ser retomado o crédito à habitação.

O objectivo é apresentar medidas concretas e, nalguns casos, retomar práticas e soluções que já existiam com o fim último de acabar com o problema de acesso e dificuldade de manutenção da habitação, que, não sendo de agora, toma proporções cada vez mais preocupantes e são já várias as famílias com filhos que perderam a casa onde viviam, apesar de manterem os seus empregos. A subida especulativa das rendas e das taxas de juro por parte do Banco Central Europeu, apesar dos lucros milionários arrecadados pela banca. 

Despejos e rendas incomportáveis

Maria Marques e Ana Silva são dois rostos de um problema identificado em sondagens recentes pela esmagadora maioria dos portugueses. Para se chegar à casa de Maria Marques há que furar as filas de turistas que se acumulam para entrar no Castelo de São Jorge.

Forçada a sair pelo senhorio da casa onde morava no bairro da Mouraria, a auxiliar de acção médica teve de recorrer ao apoio de associações para conseguir uma habitação camarária num valor comportado pelo seu salário mínimo.

Na Mouraria pagava de renda 220 euros, valor que continuou a pagar durante os dois anos em que a casa esteve em obras e que a obrigaram a ir viver com colegas. Quando voltou, recebeu uma carta de cessação de contrato: afinal, o senhorio «precisava da casa».

Recusou-se a sair, não tinha para onde ir. Mas o assédio foi mais forte. «Ameaçava mesmo, às vezes até da rua para a janela. "Ainda estás aí? Quando é que sais?" E coisas assim do género. Tinha mesmo medo daquele homem», confessa.

O impacto na sua saúde mental foi «muito grande», tendo mesmo prejudicado o seu emprego, porque não tinha condições para trabalhar.

«Acho que isto vai-me acompanhar o resto da vida», acredita esta mulher de 63 anos, viúva. «Quando surgem pessoas ainda a precisarem de casa – porque isto não acabou, eles a continuam a despejar pessoas –, fico triste, relembro o que passei», diz.

Mudou de bairro, mas a freguesia manteve-se: Santa Maria Maior, «o coração de Lisboa», que reúne os bairros do centro histórico, onde vivem perto de dez mil habitantes, que vêm diminuindo mais ou menos ao ritmo a que aumenta o turismo.

Nascida na Pampilhosa da Serra, Maria foi criada ali perto, onde ainda vive a sua mãe e uns «poucos» vizinhos.

«Esta zona hoje é uma aldeia para aqueles que cá vivem, porque são só dois ou três e, desses dois ou três, dois são idosos e o outro já está a caminho. Os jovens saíram, também foram forçados a sair, alguns já pagavam rendas de 700 e 800 euros, mas tiveram que sair e procurar noutro lado», relata.

«Mesmo assim, eles [os jovens] vêm sempre ensaiar na altura das marchas populares ao seu bairro e, se tivessem possibilidades de voltar, muitos voltavam. (…) Já não há crianças, já não há jovens nos bairros», lamenta.

Em 2018, Maria recebeu as chaves da nova casa junto ao parque infantil onde agora brincam crianças filhas de estrangeiros, alguns já residentes, outros apenas de visita.

Com vista sobre a cidade, Maria aponta um a um os prédios desocupados e inabitados, alguns dos 48 mil que fazem do município de Lisboa o líder dos alojamentos vagos (segundo o «Diagnóstico das Condições Habitacionais Indignas na Área Metropolitana de Lisboa», feito por uma equipa na Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa e apresentado recentemente).

Esta paisagem revolta-lhe «as miudezas», diz. À janela da porta com portada que dá para a Rua do Recolhimento, Maria atrai a curiosidade dos turistas. «Não estão à espera que viva aqui gente», comenta.

No concelho da Amadora, a professora do 1.º Ciclo Ana Silva confessa à Lusa que a sua situação habitacional não é «aquilo que mais idealizava» aos 35 anos. «Mas, dadas as circunstâncias, da minha profissão e o salário que tenho, não tenho outra oportunidade a não ser partilhar casa e viver apenas num quarto», lamenta.

Vive num «T2 transformado num T3» no Alto da Brandoa, perto da escola onde está colocada este ano. Solteira, paga 290 euros por um quarto, num apartamento que partilha com outras duas mulheres. 

«Mas, dadas as circunstâncias, da minha profissão e o salário que tenho, não tenho outra oportunidade a não ser partilhar casa e viver apenas num quarto.»

Ana silva

Ana recebe recibo de arrendamento e não tem queixas do senhorio, mas o aumento de renda anunciado para Julho já fez a professora natural de Braga tomar uma decisão quanto ao futuro: «Não vou cá continuar porque, com um salário de 1100 euros, pagar cerca de 350 euros de quarto, acho que já começa a ser lamentável e não suporto esta situação», frisa.

Mas Ana já viveu pior, quando ficou colocada no Algarve, onde teve de deixar a casa alugada nos meses de Verão «porque o preço aumentava cerca de 1500 euros por quinzena».

Chegou a procurar alternativa no parque de campismo, mas, mesmo aí, era «um valor completamente absurdo». Teve a sorte de encontrar uma família que praticou «um preço justo».


Com agência Lusa

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