Vivemos a chamada «época dos incêndios» e, em muitos casos, conhecemos ou partilhámos a aflição de muitas pessoas e famílias que por esse país fora, em particular no interior, viram as suas casas, haveres e, em alguns casos, as próprias vidas postas em risco pela brutalidade das chamas. Assistimos à exploração desenfreada dessas imagens por parte das televisões, procurando, em muitas situações, mais do que informar, mexer com as emoções dos telespectadores e manipulá-las.
É também nestas situações que percebemos como os nossos governantes não fizeram os trabalhos de casa nem projectaram atempadamente as soluções para prevenir e minimizar catástrofes como as que temos vivido com os incêndios. Daí que surjam, com a naturalidade de quem tem as chamas à porta, o apelo das populações para a intervenção das Forças Armadas (FA) no combate a esta calamidade, o que de resto se insere no âmbito do cumprimento das suas missões de interesse público.
Mas essas situações excepcionais não nos poderão fazer esquecer que a missão das FA não é apagar fogos e que bons militares não serão, seguramente, bons bombeiros porque não é para isso que estão preparados e treinados. Isto, para além de se saber que sucessivos governos, sucumbindo a outros interesses, não só alienaram os meios militares que poderiam, por exemplo na Força Aérea, contribuir para esse esforço como, no caso do ministro Aguiar Branco, não se decidiram no sentido de repor, no todo ou em parte, esses meios.
Aliás, é nestes momentos que, quais sinais de fumo, os discursos, as opiniões e os palpites se cruzam num emaranhado em que parecendo estarem todos a dizer a mesma coisa, efectivamente não estão. Clarifiquemos: os militares nem são bombeiros nem são policias. Podem os militares colaborar no combate a fogos sob a direcção da Autoridade Nacional de Protecção Civil e podem colaborar com as forças de segurança no estrito respeito e limite do consagrado constitucionalmente? Podem! Mas, as Forças Armadas não podem exercer, de qualquer forma, missões de segurança pública, como a vigilância da floresta, que são atribuição das forças policiais.
Neste quadro, atendamos às recentes declarações do Chefe do Estado-Maior da Armada sobre a importância de Portugal «poder contar com uma capacidade acrescida para o exercício da soberania sobre as ilhas Selvagens», no momento da partida para as referidas ilhas de dois elementos da Polícia Marítima. Eis um exemplo acabado da tentativa de militarização de uma força policial tratada como se fossem militares da Armada.
A confirmar-se por estes dias a visita do Presidente da República às ilhas Selvagens, esperemos que o também constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa dê sinais de que não teremos militares a fazerem de polícias e polícias a fazerem de militares!
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