À revelia da enxurrada de doutas opiniões e anafadas informações sobre as diatribes do «ditador» Maduro e suas gentes, herdeiras do diabólico «chavismo», que teve o desplante de ganhar todas as consultas populares democráticas do último quarto de século – menos duas – venho dar-vos uma dica sobre um facto esquecido que explica a agressão em curso contra a Venezuela: sigam a pista do petróleo.
Esta via de análise é de tal maneira larga e determinante que parece impossível omiti-la. No entanto, é o que acontece, do mesmo modo que se ignora uma manada de elefantes banhando-se numa pequena praia em pleno domingo de Agosto. Só fechando os olhos ou não querendo ver.
Esconder a coincidência possível entre o permanente golpe contra as instituições democráticas na Venezuela e o facto de este país albergar as maiores reservas de petróleo mundiais, superando as da ditadura saudita, quase triplicando as da Rússia e valendo, por si só, as do Iraque e do Irão somadas, é um caso de censura.
Os manipuladores sabem que ao admitir a interligação destas duas realidades levantam suspeitas sobre a genuinidade das inquietações de tantas boas e generosas almas, de Washington a Bruxelas, de Brasília a Lisboa, com as supostas malfeitorias do regime venezuelano.
Estará a prática política na Venezuela, inspirada nos princípios e objectivos populares proclamados por Hugo Chavez, acima de qualquer crítica? É evidente que não. A profunda e exagerada interdependência entre as transformações sociais e os enormes recursos petrolíferos deixou o regime, sem dúvida democrático, à mercê das constantes manipulações dos mercados internacionais de hidrocarbonetos, tão livres como livres são, por exemplo, os regimes da Arábia Saudita, do Koweit, dos Emirados Árabes Unidos, do próprio Irão.
A riqueza energética nacional venezuelana suscitou comportamentos de facilitismo económico e orçamental do regime, debilitando-o, deixando-o à mercê dos manobradores que representam a cobiça estrangeira, provocando problemas sociais que têm sido explorados, até à exaustão, pelos gananciosos internos e externos, amparados numa orquestra mediática universal – a mesma que esconde o papel do factor petrolífero na crise. Mas daí às acusações de «ditadura» no país mais escrutinado eleitoralmente na América Latina, provavelmente no mundo, vai a distância da manipulação reles, da propaganda terrorista.
Nenhuma das cerca de 20 consultas populares realizadas desde 1994 foi credivelmente contestada. De tal modo que, em 2012, a fundação do antigo presidente dos Estados Unidos James Carter e a própria Organização dos Estados Americanos, esta metendo agora os pés pelas mãos, consideraram o sistema de votação na Venezuela como «o melhor do mundo».
Muito recentemente, o chefe da CIA às ordens de Donald Trump, Mike Pompeo, declarou o seguinte: «Quando se trata de um país com a dimensão e as capacidades económicas da Venezuela, a América tem profundo interesse em torná-lo seguro, estável e tão democrático quanto possível. E estamos a trabalhar duramente para isso».
Com esse objectivo, têm sido canalizados dezenas de milhões de dólares para a «oposição democrática», tão democrática que algumas das suas mais representativas figuras, como Corina Machado e Leopoldo Lopez, já estiveram envolvidas no golpe de Estado de 2002, que analistas de meios de comunicação como os próprios Le Monde e BBC consideram exemplo de uma intentona trabalhada através da comunicação social, método que continua a ser aplicado, como se percebe sempre que ligamos TV’s, rádios e folheamos jornais de consumo comum – «de referência» ou tablóides.
Diz-se e repete-se ao mundo que a democracia está em causa na Venezuela; e que melhor arauto da validade dessa inquietação do que Donald Trump? «Como o presidente Trump tornou claro», declarou o secretário das Finanças deste magnata que chegou à casa Branca com uma minoria de votos, «os Estados Unidos não irão ignorar os continuados esforços do regime de Maduro para minar a democracia, a liberdade e o primado da lei».
«São assim, humanos e solidários, os que se dizem inquietos com a "ditadura" de Maduro.»
Trump é, como sabemos, uma autoridade inquestionável em democracia. Tal como são exemplos de transparência democrática os governos de alguns países que logo puxaram as orelhas de Maduro por causa da legitimidade do referendo constitucional recentemente realizado: o Brasil de Temer, o Paraguai e as Honduras, nações onde os Estados Unidos promoveram a mais recente onda de golpes na sua longa história de subversão na América Latina; sem esquecer a formidável Colômbia, que além de muito democrática – a afluência média às urnas eleitorais é inferior a 40 por cento – exportou esquadrões da morte para o interior da Venezuela, de maneira a contribuir para «a liberdade e o primado da lei».
Golpes e acções que tiveram como padrinho e madrinha os reconhecidos democratas Barack Obama e Hillary Clinton – e ainda há que insista em diferenciá-los de Trump, como se o fundamental fossem os meios, as poses e o linguajar e não os fins pretendidos e atingidos.
Corina Machado, Leopoldo Lopez e outros dirigentes da «oposição» que cilindra as verdadeiras oposições na Venezuela pertencem à espécie de mercenários políticos que buscam o caminho da democracia através do fascismo, irmanando-se a Trump nesse ideal. Para isso não precisam de usar suásticas e respectivas estilizações, como fazem os seus correligionários ucranianos: bastam-lhes uns fatinhos de griffe, casual para usar nos comícios, manifestações e arruaças, ou de cerimónia quando são recebidos na Casa Branca, intimidades que começaram com George W. Bush, outro empenhado democrata e grande pacifista.
Num mundo onde o império petrolífero autocrata da Arábia Saudita exerce o cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU – o que muito honra a organização e seus dirigentes – são ínvios os caminhos da democracia.
Um dos que está mais em voga, porém, é o da caça sem lei aos que se desviam das formatações de democracia e dos comportamentos político-militares estabelecidos por Washington e aliados. «Hoje é difícil tomar o controlo, mas é fácil matar um milhão», frase lapidar proferida pelo famoso estratego Zbigniew Brzezinsky, teórico do terrorismo de Estado, conselheiro de segurança de sucessivos presidentes norte-americanos e que nas reuniões com Obama, por exemplo, se sentava ao lado de uma figura muito querida dos portugueses, Frank Carlucci, também ele um senhor com reconhecida experiência em golpes de Estado.
Não se pense que uma frase tão sanguinária, de fazer um serial killer corar de inveja, sugere soluções a adoptar pelos Estados Unidos em situações limite. Desde que se iniciou a primeira guerra para destruição do Iraque, em 1990, as tropas às ordens de Washington, dos seus aliados dentro da NATO e respectivos ramos regionais são responsáveis por um número de pessoas assassinadas que excede, em muito, o tal milhão citado pelo famoso sociopata. Deverá ultrapassar até os quatro milhões de vítimas, segundo cálculos efectuados a propósito das guerras do Iraque, do Afeganistão – que Trump vai reanimar – da Líbia, da Síria, do Iémen, sem contar com as chacinas na ex-Jugoslávia e não entrando em futurologias com o que aí vem, seja na Península da Coreia, às portas da Rússia ou pelo «controlo» – citando Brzezinsky – da Eurásia.
Seguindo a pista do petróleo, fonte energética estratégica e que parece sê-lo cada vez mais, explica-se o essencial do que está a acontecer na Venezuela. Esqueçam a democracia, as liberdades, os direitos humanos, tão manipulados gratuitamente pelo circo mediático.
O «ditador» Maduro, por exemplo, foi acusado de uma grande tropelia quando vetou uma lei do anterior Parlamento, por sinal controlado pela oposição, que previa a privatização, «a preços de mercado», de um milhão e setecentas mil habitações sociais distribuídas pelos mais necessitados durante o «chavismo». Confrontados com a possibilidade de existirem despejos em massa de famílias pobres devido ao processo resultante da aplicação lei, os idolatrados oposicionistas responderam: «azar o delas».
São assim, humanos e solidários, os que se dizem inquietos com a «ditadura» de Maduro.
Ainda temos presente, por exemplo, o que a NATO fez na Líbia contra o «temível» Khaddafi. Seguindo a pista do petróleo, verificamos que estavam em causa as maiores reservas de África, um pouco menos de 50 mil milhões de barris, segundo dados de 2014 apurados pela organização canadiana Energy BC.
Conhecemos bem a envergadura do cerco militar à Rússia, país com reservas de 80 mil milhões de barris. O potencial de conflito excede em muito, neste caso, a questão petrolífera, mas ela está sempre presente, tanto na capacidade produtiva como no jogo estratégico dos circuitos e rotas comerciais.
Depois, ainda no Top 9 das reservas petrolíferas mundiais, encontramos amigos e aliados dos Estados Unidos e da NATO como são o Canadá e brilhantes faróis da democracia: Emirados Árabes Unidos e Koweit, além da Arábia Saudita.
No Iraque, com um pouco menos de metade da capacidade petrolífera da Venezuela, 144 mil milhões de barris, sabemos o que de trágico e sangrento vem acontecendo durante os últimos 27 anos; os 158 mil milhões de reservas de petróleo do Irão, um pouco mais de metade da Venezuela, ajudam a explicar a sanha contra Teerão, justificada também com a «falta de democracia», o «apoio ao terrorismo», os supostos esforços do país para se dotar com armas nucleares.
Já os 266 mil milhões de barris de reservas da Arábia Saudita estão do lado correcto de quem decide sobre a legitimidade da democracia. Não é necessário relembrar como se comporta a Arábia Saudita quanto a instituições democráticas, direitos humanos, liberdades, agressões regionais, apoio ao terrorismo e até em matéria de armas nucleares, num quadro de cooperação operacional com Israel. Comparemos a «ditadura» de Maduro com este cenário sem lei e tiremos conclusões.
Sobretudo depois de sabermos que, segundo os dados dos peritos canadianos da Energy BC, as reservas de petróleo da Venezuela são as mais volumosas à escala mundial e rondam os 300 mil milhões de barris – precisamente 298 400 milhões, mais 11 por cento que a Arábia Saudita.
Os conglomerados censórios omitem o potencial golpista da pista do petróleo na Venezuela. Mas não conseguem apagá-la.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui