Agora a frio, deixar arder até quando?

Ganha actualidade o planeamento da utilização de espaços florestais, indispensável para a sua sustentação produtiva e para uma efectiva regulação ecológica do território. 

Lagoa das Braças, em Quiaios, Figueira da Foz
Créditos / mapio.net

A época «normal de incêndios» aproxima-se do seu fim, e pese embora o designado período crítico tenha sido prorrogado até 15 de Outubro, o tema vai deixando as primeiras páginas de jornais e noticiários, as discussões nas redes sociais vão amornando, e tudo parece voltar à «normalidade».

Permanecem algumas iniciativas que tentam desesperadamente salvar o assunto, seja ao nível político, como o Conselho de Ministros anunciado para o próximo dia 25 de Outubro, sejam outras de âmbito mais académico ou mais socioprofissional, mas já sem a visibilidade capaz de mobilizar (e impressionar?) a opinião pública.

O Governo não se fez esperar e numa tentativa de também arrefecer a questão, foi já anunciando várias Grandes Opções do Plano para 2017 a este respeito. Umas mais afinadas, como o aumento do número de equipas de sapadores florestais, o Programa Nacional de Fogo Controlado e o reforço da produção de energia renovável a partir de resíduos resultantes de limpezas, desbastes e desmatações. Outras bem mais ambíguas, seja pelo seu efeito a longo prazo, seja pela sua eficácia depender da orientação que lhes for dada: simplificação da legislação das ZIF - Zonas de Intervenção Florestal, regulamentação da lei dos Baldios, revisão do quadro jurídico vigente da plantação com espécies florestais de rápido crescimento, e novos modelos de gestão florestal mediante Sociedades de Gestão Florestal e Fundos de Investimento Imobiliário Florestal.

O Governo garante ainda que várias destas medidas estão prontas a entrar em vigor já no primeiro semestre de 2017. De facto, no caso das primeiras, o tempo conta e pode fazer a diferença no combate aos incêndios no próximo Verão. Já no caso das restantes, mais do que a sua prontidão e rapidez na sua implementação, importa a persistência na sua implementação e uma forte convicção nas orientações para modificar a composição da nossa floresta e para a reconfigurar de modo a cumprir em pleno as suas principais funções: regulação do funcionamento ecológico do território e sustentação da sua capacidade produtiva.

«Esta alteração  na composição e configuração da nossa floresta (...) vai requerer muito tempo (...) muito para além dos ciclos curtos de retorno financeiro de alta rentabilidade económica.»

Esta alteração na composição e configuração da nossa floresta vai requerer muito tempo, seja pela natureza das espécies arbóreas em causa, de crescimento mais lento, seja pela natureza das suas indispensáveis funções de protecção e regulação, de desenvolvimento prolongado no tempo, muito para além dos ciclos curtos de retorno financeiro de alta rentabilidade económica. Tal só é possível caso consigamos persistir numa estratégia para a nossa floresta que a entenda como entidade patrimonial incontornável, indispensável para a nossa identificação enquanto país independente e imune aos ciclos económico-financeiros sempre imprevisíveis das políticas neoliberais.

É por isso difícil de acreditar que Portugal tenha hoje uma verdadeira estratégia nacional para as suas florestas quando admite a sua revisão e a sua reorientação com apenas oito anos de vigência, justificadas pelas «modificações na envolvente económico-financeira» referidas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 6-B/2015, nomeadamente as relativas ao programa de agressão que a troika nacional (PS/PSD/CDS) e a troika internacional (BCE/UE/FMI) acordaram em 17 de Maio de 2011. De igual modo, também não podemos acreditar que temos verdadeiros Planos Regionais de Ordenamento Florestal quando, com menos de quatro anos de vigência (!), se admite também a sua revisão para reorientação das suas metas com base em «factos relevantes» tais como essas modificações da envolvente económico-financeira inerente ao pacto de agressão das troikas, mas também pela instalação em Portugal de novas unidades industriais de base florestal.

Os pequenos proprietários florestais, os mais afectados pelos grandes incêndios, são geralmente herdeiros de pais e avós agricultores que utilizavam as suas «bouças» de forma integrada nas suas explorações agrícolas. A destruição da pequena agricultura familiar pela Política Agrícola Comum (PAC) atirou para o abandono milhões destas pequenas parcelas florestais, hoje inviáveis em termos de escala de utilização individual. Pode este proprietário florestal, em tão curto espaço de tempo, rever a orientação produtiva das suas árvores quando estas requerem décadas para a sua maturidade, e cujos benefícios directos apenas só serão colhidos na segunda ou terceira geração seguinte? É claro que não. Ganha assim actualidade o planeamento da utilização colectiva destes espaços, indispensável para a sua sustentação produtiva e para uma efectiva regulação ecológica do território.

«É por isso difícil de acreditar que Portugal tenha hoje uma verdadeira estratégia nacional para as suas florestas»

Urge portanto, a sua integração em Zonas de Intervenção Florestal ou em espaços de utilização comunitária já existentes, os Baldios. Estes instrumentos de apoio à reconfiguração da nossa paisagem florestal – ZIFs e Baldios –, ou permitem às suas organizações libertarem-se da especulação e da oscilação dos mercados dos produtos florestais para poderem implementarem uma composição em espécies arbóreas e uma reconfiguração funcional que tornem os espaços florestais resilientes aos efeitos do fogo, ou a nossa floresta permanecerá à deriva, à mercê da desorientação das «modificações na envolvente económico-financeira» e consequente susceptibilidade aos grandes incêndios.

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