Foi publicada em Diário da República (DR) a Lei n.º 49-A/2017 de 10 de Julho que «cria a Comissão Técnica Independente para análise célere e apuramento dos factos relativos aos incêndios que ocorreram em Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Ansião, Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Arganil, Góis, Penela, Papilhosa da Serra, Oleiros e Sertã entre 17 e 24 de Junho de 2017».
Foi também publicada em DR a Resolução da Assembleia da República n.º 147-A/2017 de 11 de Julho que define a composição e funcionamento da referida Comissão.
Dos 12 elementos que integram a Comissão, seis foram indicados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (um destes preside) e os restantes seis indicados pelo Presidente da Assembleia da República, ouvidos os Grupos Parlamentares.
Nos termos da Lei anteriormente citada, para o desempenho da sua missão são conferidas à Comissão as seguintes atribuições:
- analisar e avaliar todas as origens, características e dinâmicas dos incêndios florestais, incluindo as que se prendem com o ordenamento florestal na área afetada e as respostas nos planos preventivos e do combate operacional, bem como emitir as conclusões e as recomendações entendidas como pertinentes para aplicação futura;
- analisar e avaliar a atuação de todas as entidades do sistema de proteção civil e do dispositivo de combate a incêndios, dos sistemas de comunicação e informações e de serviços públicos relevantes, nomeadamente de infraestruturas de transportes, de cuidados de saúde, de meteorologia, de forças de segurança e órgãos de polícia, incluindo ações e omissões e a coordenação entre elas, nos dias imediatamente anteriores e no período desde o início dos incêndios até à sua extinção.
«Talvez seja prudente que os agentes de proteção civil, os municípios (mesmo em período pré-eleitoral), as estruturas representativas dos bombeiros e todos aqueles que, por obrigação ou devoção, investigam e estudam o sistema de proteção de pessoas e bens em Portugal, não adormeçam à sombra da CTI»
O mandato da Comissão é de 60 dias a contar da data da sua constituição, prorrogáveis por mais 30 dias até à conclusão dos seus trabalhos. Isto significa que há a elevada probabilidade da Comissão só concluir a sua missão (com a apresentação do «relatório da sua atividade, o qual deve conter as conclusões do seu trabalho, bem como as recomendações que entenda pertinentes para prevenir situações futuras»), no final da segunda semana de Outubro.
Enquadrado o regime legal regulador da missão da Comissão Técnica Independente, adiante designada por CTI, importa refletir sobre o cruzamento da sua composição com as atribuições que lhe foram conferidas.
Dos 12 elementos que integram a CTI, conheço bem a qualidade técnica e cientifica de 7 deles: Professor Paulo Fernandes, Engenheiro António Salgueiro, Engenheiro Marc Ribau, Professor Joaquim Sande Silva, Professor Francisco Castro Rego, Engenheiro Paulo Mateus e Doutor José Manuel Moura. Quanto aos demais elementos, merecem-me igual respeito pelo que é publicamente conhecido sobre os seus currículos.
Dito isto deter-me-ei nas atribuições acima referidas, uma vez que são elas que me merecem interrogações.
A maioria da CTI possui sólidas competências técnicas e científicas no domínio das ciências florestais, ecologia, ordenamento do território, ambiente e sistemas tecnológicos. Deste modo e quanto à análise do comportamento do fogo e das suas variáveis ambientais, bem como no que concerne às causas estruturais dos incêndios florestais, não há dúvidas sobre a qualidade da sua composição.
Mas quando constatamos que a CTI tem como segunda atribuição avaliar o sistema de proteção civil e as entidades que dele fazem parte, no contexto das suas respetivas missões, não encontramos na sua composição o desejável equilíbrio, uma vez que em 12 elementos apenas um tem competências técnicas e científicas para proceder à referida avaliação, ou seja, o ex-Comandante Operacional Nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), José Manuel Moura.
A partir desta constatação surge-me uma interrogação que partilho de seguida:
Pretende-se que a CTI avalie o sistema de proteção civil, com que pressupostos técnicos e doutrinários? Com que matriz de competências? Com que objetivos?
O esclarecimento desta pergunta é essencial para sustentar a formulação de muitas outras. É que não estando em causa (repito!) a qualidade técnico-científica e os méritos dos elementos que integram a CTI, parte da sua missão pode sugerir uma ideia pré-concebida de falência do sistema de proteção civil em Portugal, tal como o conhecemos, o que é, no mínimo, um irresponsável equívoco.
Talvez seja prudente que os agentes de proteção civil, os municípios (mesmo em período pré-eleitoral), as estruturas representativas dos bombeiros e todos aqueles que, por obrigação ou devoção, investigam e estudam o sistema de proteção de pessoas e bens em Portugal, não adormeçam à sombra da CTI.
Proponho então que o debate não se feche nos meandros da CTI e desça ao domínio da cidadania e das estruturas de produção do conhecimento, fora da academia, alargando, deste modo, a base da análise e do conhecimento que venha a sustentar as mudanças que tiverem de ser feitas, com o adequado balanceamento entre a avaliação rigorosa do modelo existente e o seu aprofundamento futuro.
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