Como sempre acontece, com a apresentação do Orçamento do Estado a questão do peso da receita fiscal no seu financiamento, pelo impacto que tem no bolso dos portugueses, é sempre um dos temas que mais desperta a atenção da opinião pública.
A comunicação social conhecedora dessa avidez de informação enfatiza o tema, mas infelizmente quase nunca trata a questão com o rigor necessário, sendo mesmo frequente assistirmos a descaradas simplificações, manipulações e a até mesmo mentiras.
Nos últimos dias, todos nós já lemos e ouvimos afirmações do tipo: «A carga fiscal vai continuar a aumentar no próximo ano», entre muitas outras afirmações sobre esta matéria.
Afinal em que é que ficamos? A carga fiscal vai ou não aumentar?
Por muito que custe a alguns, a verdade é que a carga fiscal, ou seja, o peso dos impostos no PIB, caiu em 2016 e vai cair em 2017, depois de ter registado com o governo PSD/CDS, entre 2011 e 2015, um enorme aumento de impostos, como o então Ministro das Finanças Victor Gaspar reconheceu.
Os dados divulgados pelo INE são bem elucidativos de que a receita fiscal em percentagem do PIB subiu de 23,4% do PIB, em 2011, para 25,4%, em 2015, muito tendo contribuído para isso, o enorme aumento do IRS em 2013, um acréscimo de 3 329 milhões de euros, mais 34%, e o aumento do IVA da restauração de 13% para 23%, bem como a subida da eletricidade e gás de 6% para 23%.
Já em 2016 com o novo governo PS e com o fim da sobretaxa do IRS para os primeiros escalões do IRS e a redução do IVA na restauração a partir do segundo semestre do ano, o peso da receita fiscal no PIB caiu para 25%, enquanto para 2017 a previsão do Orçamento de Estado é de que esse peso volte a cair agora para 24,8% do PIB, com o fim da sobretaxa de IRS.
Mas é claro que muito mais importante do que discutirmos se a carga fiscal é hoje de 23, 24 ou 25% do PIB é assegurarmos, por um lado, que os recursos financeiros daí resultantes são suficientes para que o Estado desempenhe integralmente as suas funções de redistribuição do rendimento entre quem mais pode e mais precisa, e garanta cuidados de saúde, educação e apoio social a todos os portugueses. E, por outro lado, que essa carga fiscal se distribui equitativamente entre todos – trabalhadores, empresas (micro, pequenas, médias e grandes), famílias e respectivo património –, de acordo com o princípio de que cada um deve contribuir para a receita fiscal de acordo com as suas capacidades contributivas.
«(...) a esta redução do IRS não tem correspondido uma maior equidade fiscal.»
Ora é aqui que reside o principal problema do nosso sistema fiscal, o que o torna profundamente injusto. Mais de dois terços da actual receita fiscal é proveniente das receitas de impostos indirectos e do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) que, sendo um imposto directo, as suas receitas resultam na sua quase totalidade de rendimentos de trabalhadores por conta de outrem e pensões.
Ou seja, são indiscriminadamente todas as famílias portuguesas e em particular as famílias com rendimentos mais baixos, e como tal com uma propensão marginal ao consumo mais elevada, conjuntamente com os trabalhadores por conta de outrem e pensionistas, que suportam a quase totalidade da carga fiscal.
E se é verdade que, como atrás provámos, a carga fiscal com o novo governo PS não tem vindo a subir, registando-se até uma ligeira melhoria no desagravamento fiscal sobre os rendimentos do trabalho através do fim da sobretaxa de IRS, também é verdade que a esta redução do IRS não tem correspondido uma maior equidade fiscal.
Aquilo a que temos vindo a assistir ao longo de 2016, e que se perspectiva para 2017, através do Orçamento do Estado que agora deu entrada na Assembleia da República, mostra que não existe por parte do actual governo PS vontade de construir um sistema fiscal mais justo, aumentando a base de tributação fiscal e levando a que empresas e famílias detentoras de elevados rendimentos empresariais e elevado património mobiliário e imobiliário sejam efectivamente tributadas e contribuam para a receita fiscal de acordo com a sua capacidade contributiva.
Não, aquilo a que assistimos em 2016, e se irá verificar em 2017, é o aumento de impostos indirectos, que sendo impostos cegos atingem todos os portugueses, sejam eles o imposto sobre produtos petrolíferos (ISP), o imposto sobre bebidas alcoólicas, imposto sobre veículos, imposto sobre o tabaco e o imposto especial sobre o consumo como forma de compensação pela redução do IVA na restauração e pelo fim da sobretaxa de IRS.
Este é um caminho errado que a curto prazo pode ter ainda alguns resultados mas a médio prazo se esgotará não resolvendo, antes agravando, o problema fundamental da equidade do nosso sistema fiscal, onde quem menos pode, cada vez mais paga.
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