Em debate na Assembleia da República no passado dia 3, o PCP como partido proponente apresentou sobre a contratação colectiva uma proposta de Lei. E o BE também o fez. Depois de um acalorado debate em que o PS defendeu que estas eram matérias para Concertação Social e não para a Assembleia da República, foram ambos os projectos derrotados comos votos contra do PS, PSD e CDS, os votos a favor do PCP, BE, PEV e a abstenção do PAN.
As palavras de António Costa escritas no DN, dois dias antes, no 1.º de Maio são importantes por serem um compromisso mas importa reconhecer que não é com atitudes destas que será possível melhorar as condições de vida e trabalho dos trabalhadores portugueses.
Atitudes que não rompem com a política do passado, indo além da importante reposição de rendimentos e direitos já realizada com este governo. Este caso da contratação colectiva é central e o governo não pode remeter tal decisão para a Concertação Social, esperando uma maioria que será contra os trabalhadores e retirando a questão das mãos de um órgão de poder, eleito democraticamente.
Portugal é um dos países com maiores desigualdades salariais em resultado de uma injusta distribuição da riqueza, que se acentuou ao longo da vigência da moeda única. Não é admissível que no espaço de 40 anos, a parte do rendimento que ia para os salários tenha caído de 66 para 33,6%. Hoje trabalhamos mais e recebemos menos, temos um ganho médio anual de apenas 51% da média europeia e somos o sétimo país da União Europeia onde mais se empobrece a trabalhar.
Apesar do desemprego estar a baixar, a precariedade não pára de aumentar. Portugal não se desenvolve económica e socialmente quando oito em cada dez empregos criados têm vínculos precários, com redução de rendimentos que variam entre os 30 e os 40% relativamente aos trabalhadores com vínculos efectivos e se obriga uma parte significativa dos nossos jovens a emigrar, levando consigo o investimento que fizemos na sua formação e que outros vão rentabilizar e impedindo-os de viver, trabalhar e serem felizes no país que os viu nascer.
Na sequência do Orçamento para 2017, ficou definido como prazo para a entrega de um «programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública» o primeiro trimestre de 2017. Este processo iniciou-se, estão previstas intervenções concretas dos sindicatos nos processos, mas ainda é cedo para tirar conclusões.
Mas o governo não previu ainda medidas com o mesmo objectivo para o sector privado. E não desbloqueou ainda a questão da progressão e o descongelamento das carreiras na Função Pública, em relação à qual o governo tem um anunciado acordo com a UGT…
Importa dar resposta à exigência da eliminação das normas gravosas da legislação laboral. De facto, a desregulação dos horários, a intensificação dos ritmos de trabalho, uma crescente penosidade do trabalho por turnos, as discriminações salariais entre homens e mulheres e um clima de medo e assédio que hoje se verifica em muitos locais de trabalho, para que os direitos individuais e colectivos não sejam exercidos.
É preciso pôr termo às normas que eliminaram ou restringiram direitos dos trabalhadores, reduziram os seus rendimentos, facilitaram os despedimentos, agravaram a precariedade dos vínculos laborais, favoreceram a chantagem e o arbítrio patronal, degradaram as condições de vida e de trabalho, e acentuaram a exploração e o empobrecimento dos trabalhadores.
Sobre a contratação colectiva
Através da contratação colectiva, uma das grandes conquistas do 25 de Abril, os trabalhadores asseguraram a fixação e actualização dos salários; a regulação dos horários e a sua duração máxima diária e semanal; o reconhecimento das qualificações e a definição das funções, categorias, enquadramentos e carreiras profissionais; a estabilidade dos vínculos contratuais e a proibição dos despedimentos sem justa causa; o direito a dias de descanso e a férias pagos; as condições de deslocação em serviço; o pagamento de trabalho suplementar, de trabalho nocturno e subsídio de turnos; o direito à formação profissional; as condições de prestação de trabalho em regime de turnos e as medidas de prevenção dos riscos profissionais; vários benefícios sociais, tais como cantinas e refeitórios, assistência médica, creches e infantários, e muitos outros direitos laborais e sociais.
Foi por força da luta, e não pela vontade do patronato, que foram conquistados estes direitos, foi também pela luta que muitas destas conquistas foram consagradas em lei e foi, ainda, com a continuação da luta, que os trabalhadores resistiram aos ataques para os destruir.
Em Portugal, o direito de contratação colectiva encontra-se consagrado no artigo 56.º da Constituição da Republica Portuguesa, como um direito fundamental integrado no capítulo «Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores», beneficiando do regime do artigo 18.º, da Lei fundamental. Segundo o dirigente da CGTP-IN, Joaquim Dionísio, o regime constitucional da contratação colectiva foi, assim, colocado no patamar mais elevado dos direitos fundamentais.
Na Lei, de acordo com o disposto no artigo 485.º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «promoção da contratação colectiva», diz-se que «o Estado deve promover a contratação colectiva, de modo que as convenções colectivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores.
Os governos deveriam, pois, agir em conformidade. Mas não o têm feito, antes têm procurado retirar os direitos dos trabalhadores, e retirar a sua discussão da Assembleia da República para a Concertação Social.
É claro porque o fazem: a contratação colectiva, sendo pouco aplicada, contribui muito para o agravamento da exploração e dos direitos dos trabalhadores, permitindo ao patronato grande discricionariedade, num relacionamento desigual ao nível da empresa e mesmo numa relação directa entre cada trabalhador e o patrão. Quando a contratação colectiva está pujante melhoram salários e outras regalias, os direitos são mais observados, e os trabalhadores estão mais defendidos dessa discricionariedade.
Até ao Código de Trabalho de 2003, a lei impunha que a convenção colectiva vigorasse até ser substituída por outra.
Em 2004 o governo de Durão Barroso, introduziu a cláusula da Caducidade, argumentando que isso dinamizaria a contratação colectiva e permitiria a renovação da contratação, com a celebração de muitos e mais actuais contratos colectivos de trabalho… Foi tudo treta, como seria de esperar.
A alteração do regime da contratação colectiva, ao passar na mesa da concertação social, abriria o caminho à redução do período de vigência das convenções colectivas.
Em 2009, o governo de José Sócrates aprovou um novo Código do Trabalho, congeminando um modelo de baixos salários e precariedade ao jeito da vontade do patronato mais retrógrado representado pela CIP, e nele introduziu, ainda, novas normas visando a fragilização dos sindicatos que permitissem a eliminação das convenções colectivas.
Entretanto, entre 2011 e 2014, foram mais de um milhão de trabalhadores que sofreram uma efectiva redução de direitos e rendimentos.
Em 2014 o governo de Passos Coelho e Paulo Portas deu sequência ao trabalho de Barroso e Sócrates. Com a Lei 23/2012, de 25 de Junho, suspendeu cláusulas de convenções colectivas, alterou e revogou outras, para reduzir direitos e retribuições, no que constituiu uma intromissão, intolerável, no direito de contratação colectiva, de que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão 603/2013 inviabilizou algumas das normas, não todas, claramente anticonstitucionais.
Depois disso, com a Lei 55/2014, de 8 de Maio, acelerou a caducidade das convenções, livremente negociadas, reduzindo o seu prazo, de cinco para três anos, e passando os prazos de sobrevigência para 18 meses, e prevendo uma segunda redução para dois anos, decorrido que fosse um ano da publicação desta Lei. O que estaria em vigor se o governo tivesse continuado depois das eleições de Outubro de 2015.
Em Julho de 2014, com os votos contra do PS, PCP, BE e PEV, a maioria do PSD/CDS alterou o Código de Trabalho em termos muito contestados pelo movimento sindical. Aprovou, por exemplo, o prolongamento do período para a redução do pagamento do trabalho extraordinário, enquanto reduziu os prazos de caducidade e de sobrevigência das convenções colectivas de trabalho. O diploma também estipulou que as alterações só devem acontecer após avaliação positiva pelos parceiros sociais, o que requer parecer favorável de metade das associações sindicais e patronais.
As novas regras que aceleraram a caducidade das convenções colectivas foram publicadas depois em Diário da República e entraram em vigor no dia 1 de Setembro de 2014, no governo do PSD/CDS. Os argumentos a favor por parte do governo e patronato eram que o trabalhador poderia querer maior rigidez ou exigências no seu regime de trabalho e que a realidade empresarial era dinâmica, exigia rapidez de adaptação, capacidade de responder a novos reptos… Enfim a lengalenga do costume.
Nestas alterações ao Código do Trabalho, o Governo acelerou os prazos que podem levar à caducidade das convenções colectivas. Estas convenções definem salários mínimos, regras de gestão de horários ou outras cláusulas relacionadas com direitos e deveres laborais acordadas entre sindicatos e empregadores, a nível sectorial ou de empresa.
O diploma, que foi negociado na fase final do programa da troika, estabelece que as convenções com cláusulas de renovação sucessiva passam a caducar três anos após a última publicação integral da convenção, a denúncia da convenção (sempre que esta tenha sido feita após 31 de Maio de 2014) ou a apresentação de uma proposta de revisão. Anteriormente o prazo em vigor era de cinco anos.
No quadro do Orçamento de Estado para 2017 foi reintroduzido, por proposta do PCP, o direito à contratação colectiva dos trabalhadores do sector empresarial do Estado.
Em Fevereiro deste ano, o PCP agendou, com carácter de urgência, a questão da contratação colectiva que, além do restante valor próprio, como sublinhou então a deputada Rita Rato, consagra direitos que não estão consagrados em nenhuma outra disposição legal. A deputada defendeu ainda que «nenhum contrato colectivo pode caducar sem ser substituído por outro». Os comunistas avançaram então que deve ser reintroduzido no Código do Trabalho o princípio do tratamento mais favorável, ou seja, que não seja possível negociar condições de trabalho com menos direitos do que está previsto na legislação laboral.
O Ministro do Trabalho apresentou um relatório recente do Centro de Relações Laborais (CRL), no passado dia 2, não por acaso dois dias antes do debate parlamentar suscitado, com carácter de urgência, pelo PCP sobre a contratação colectiva. Este relatório sublinha que enquanto em 2008 eram 1,8 milhões os trabalhadores que estavam abrangidos pelos contratos colectivos, acordos colectivos e acordos de empresa publicados, entre 2013 e 2014 já rondavam apenas os 300 mil.
De acordo com o relatório, apresentado ontem por Vieira da Silva, em 2016 já foram cerca de 700 mil os trabalhadores abrangidos. Continua-se, assim, muito longe do número médio de trabalhadores cobertos registado entre 2005 e 2011. A cobertura de trabalhadores abrangidos por convenções entre 2005 e 2011, rondava os 85%. Desde então, diminuiu até aos 80,1% em 2016. Nos últimos dois anos registou-se uma tímida recuperação. Nem mesmo no governo de Durão Barroso, cuja política laboral foi alvo de forte contestação pelos trabalhadores, o número de convenções colectivas atingiu níveis tão baixos como os actuais – cerca de 150 instrumentos em vigor.
Segundo o relatório, em 2016 foram emitidas 35 portarias de extensão (menos uma do que em 2015), e o tempo entre a publicação de uma convenção e a emissão da respetiva portaria também subiu face ao ano anterior, situando-se para a maioria das portarias entre os cinco e os sete meses, quando no ano passado se situou no intervalo entre os quatro e cinco meses. E a distribuição por sectores de actividade «indica uma concentração nos três sectores que já haviam sido identificados em 2015: indústrias transformadoras, comércio e reparação de veículos e transporte e armazenagem», com as convenções destes sectores a representarem cerca de 77% do total.
Mas a matéria sobre a qual o relatório é mais revelador prende-se com os salários. Nos últimos anos, o número de convenções publicadas diminuiu, o que incluiu as revisões parciais. Ora, é precisamente através das revisões parciais que são negociados aumentos salariais – em 146 instrumentos publicados no último ano, apenas quatro revisões de acordos de empresa não abordaram a questão.
Os dados mostram que desde 2011 que a variação salarial média, em termos reais, não ultrapassa 1%. E se entre 2005 e 2011 abrangia constantemente mais de 1 milhão de trabalhadores, a partir de 2012 houve uma redução brutal no número de trabalhadores que conseguiram aumentos salariais através da contratação colectiva.
Logo em 2012, foram cerca de 300 mil (um terço do registado no ano anterior). Mas os dois anos seguintes, em plena aplicação do programa da troika, foram ainda mais penalizadores: apenas 200 mil trabalhadores abrangidos e uma diminuição do poder de compra que se estendeu ainda a 2015. No último ano, o aumento médio dos salários reais saiu do vermelho, mas tocou a apenas 600 mil trabalhadores – bem menos de metade dos 1,7 milhões registados em 2008.
Quanto à derrota das propostas no dia 3 na Assembleia da República, é caso para dizer que não foi em vão que Passos Coelho se atirou ao ar no 1.º de Maio para que tudo ficasse na mesma em matéria das «reformas» que introduziu na legislação laboral. …
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