Mensagem das guerreiras do Funk!

Março é o mês da Mulher, e, porque essa força não se esgota num dia de luta, assumimos o grito de tantas guerreiras que ao longo do tempo fazem da canção uma arma contra a opressão, em defesa da mudança da sociedade

Créditos / starsingers.net

Março é o mês da Mulher. O anúncio da Primavera e da sua «promessa de vida nos nossos corações» lembra-nos a força de todas as mães que perante as dificuldades afirmam a sua irrenunciável natureza e o seu direito à maternidade, ao trabalho e à paz.

O Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, que ainda hoje é objecto de grande incompreensão e de convenientes mal entendidos, traz-nos a memória das batalhas travadas e de todas ainda a travar para que a luta emancipadora pela igualdade das Mulheres possa prosseguir a sua marcha, até que não sobre pedra do edifício patriarcal construído para as explorar.

Março é o mês da Mulher, e porque essa força não se esgota num dia de luta, já que a realidade não muda por um dia que seja, assumimos o grito de tantas guerreiras que ao longo do tempo fazem da canção uma arma contra a opressão, em defesa da mudança da sociedade, por condições de vida dignas, pela igualdade, pelo direito ao trabalho e à família, contra a violência, o assédio e o sexismo. A mistura  de hoje é explosiva, e pede volume no máximo! Mergulhamos no imenso caldeirão da soul e do funk para ouvir os hinos que, das ruas aos palcos e em cada casa, levaram a bandeira da luta das mulheres como uma lição que se dança enquanto o corpo ganha forças,  porque a luta, essa, vai continuar!

Em nenhuma lista de músicas que fale da luta das mulheres, da igualdade ou da liberdade pode faltar a Nina Simone. A cantora nascida em 1933 com o nome de Eunice Kathleen Waymon, além de se ter tornado uma das grandes vozes, pianistas e compositoras do jazz, foi um verdadeiro símbolo do movimento pelos direitos civis dos negros na década de 1960 e da resistência dos artistas comprometidos com o seu meio e a sociedade. «Four Women», de 1966, é uma canção que retrata os arquétipos femininos na sociedade baseados na escravatura, no machismo, na prostituição e no racismo. Intenso e ainda hoje, infelizmente, tão actual.

Woman of the Ghetto é um clássico da canção de protesto do chamado «Sisters Funk» da década de 1970. Depois da revolução iniciada por James Brown ainda na década de 1960, a arma do funk usada para a consciência e emancipação  dos negros assume, com o virar da década, novos combates no feminino contra a desigualdade e as injustiças sociais. O original de Marlena Shaw, sobejamente samplado a partir da década de 1990 pelos produtores de hiphop e música de dança, ganha nesta versão de 1975, na voz gospel da cantora Doris Duke, a carga dramática que a letra exige. E, ainda assim, o apelo do ritmo é irresistível em mais uma mensagem clara,  transmitida com alma enquanto o corpo dança.

Marva Whitney, conhecida no mundo da música como a Soul Sister Nr1, é uma das maiores representantes do «Sisters Funk». A rudeza, a expressividade e o empenho dedicados a cada nota, a capacidade física de expressar musicalmente os sentimentos que da sua alma percorriam o seu corpo em cada actuação, fizeram de Marva uma das cantoras favoritas de James Brown. Depois de o acompanhar em tour, gravou produções do «Padrinho da Soul» e em seu nome próprio conquistou o seu merecido lugar como a cantora Soul número 1. Nesta gravação de 1969, Marva Whitney descarrega toda a revolta das mulheres já cansadas de salários desiguais, desemprego, racismo e injustiça. E por isso conclui: é urgente mudar de rumo antes que seja tarde demais!

Ervaella Tate, ficou conhecida para o mundo como Big Ella. Um nome provavelmente obscuro para o grande público, mas uma referência do melhor da soul, do funk e do rhythm n bules para os amantes da música negra. As suas raízes, como a própria canta no seu «It takes a whole lota lovin», vão directamente ao Sul dos Estados Unidos e à alma de Memphis. Este «The Queen», de 1968, é uma verdadeira canção de valorização da mulher e da necessidade de respeitar o seu amor próprio. Num mundo em que ainda muitas meninas são mimadas como princesas, numa fantasia de um mundo delirante afastado da realidade, Big Ella canta que ela vai dizer o que quer, fazer o que quer, andar como e para onde quer, e que não será nunca nenhum capacho de ninguém. Porque ela… é uma rainha!

Queen Latifah é uma mulher dos sete instrumentos no trabalho das artes e do espectáculo. Rapper, cantora, compositora, produtora de música, de televisão e apresentadora, Latifah é uma das pioneiras do hiphop e um simbolo do poder da música na luta pela emancipação das mulheres. Em 1993, o seu single «U.N.I.T.Y» vence um grammy e escala as tabelas com uma mensagem clara contra os maus-tratos às mulheres, a violência, o assédio sexual, os abusos e a misoginia em que o hiphop então já se começava tornar. Com o seu som clássico de 90, «U.N.I.T.Y» apela à unidade e consciência das mulheres numa luta que tomava de assalto o hiphop, numa altura em que este ainda era fiel ao seu princípio de informar a comunidade e de relatar a dureza da vida e injustiças dos jovens negros dos bairros desfavorecidos. Latifah, que em 2015 venceu um Emmy pela sua interpretação de Bessie Smith, outra mulher que mudou o mundo à sua volta para que o seu enorme talento pudesse caber na sua vida, foi pioneira desta luta e «U.N.I.T.Y» ainda é um hino que perdura.

Muitas outras guerreiras podiam e mereciam aqui ser cantadas, muitas mais virão ainda para cantar. Esta é uma banda sonora possível, para lançar o fogo à pista de dança enquanto as consciências se forjam na celebração da luta. Que os passos que agora dançam sejam firmes no longo caminho que ainda falta percorrer pela emancipação e igualdade das mulheres.

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