Trump regressou aos EUA após a sua primeira viagem ao estrangeiro, que incluiu a Arábia Saudita, Israel e Vaticano, e participação na cimeira da NATO e G7. Seria fácil distrairmo-nos com as fotos e vídeos dos apertos de mão, a «palmada» de Melania, as «trombas» do papa, e outros desacertos cómicos. O que fica claro é a inaptidão e desinteresse de Trump em conduzir genuína diplomacia.
Após a cimeira da NATO e a reunião dos G7, na semana passada, Angela Merkel, chanceler alemã, falando num evento de campanha na Bavaria, resumiu assim o resultado dos encontros: «O tempo em que podemos contar inteiramente com os outros acabou de certo modo, como vimos nos passados dias. Assim, tudo o que posso dizer é que os europeus devem tomar o seu destinos nas suas próprias mãos. (...) Claro que temos necessidade de ter relações amistosas com os EUA, e com a Grã-Bretanha, e com outros vizinhos, incluindo a Rússia.»
Trump reagiu no Twitter: «Temos um déficit comercial MASSIVO com a Alemanha, e eles pagam MUITO MENOS do que deviam para a NATO & forças armadas. Muito mau para os EUA. Isto irá mudar.»
A troca de palavras não será um sinal de qualquer verdadeira fractura na aliança atlântica, e muito menos uma renúncia Europeia pela opção militar. Mas assinalam uma incapacidade de entendimento de Trump com os aliados tradicionais dos EUA (e poderão servir de pano de fundo para a União Europeia aprofundar o seu pilar militar autónomo).
O entendimento não é fácil, pois as posições de política externa de Trump são erráticas, provocadoras e superficiais, geralmente consistindo numas palavras de ordem ou uns tweets. Na sua viagem, Trump sentiu-se em casa na Arábia Saudita – onde celebrou um acordo de venda de material militar na ordem dos 110 mil milhões de euros –, mas notoriamente desconfortável nas cimeiras multilaterais. Isto apesar do esforço de adaptação à ignorância, narcisismo e baixa capacidade de concentração do Trump, por exemplo através da redução dos tempos de intervenção para 2-4 minutos.
«O tempo em que podemos contar inteiramente com os outros acabou de certo modo»
ANGELA MERKEL
Uma fonte anónima, que esteve na preparação da cimeira da NATO, disse: «É ridículo como estão a preparar-se para lidar com o Trump. É como se estivessem a preparar para uma criança – alguém com défice de atenção e humor, que não tem conhecimento sobre a NATO, qualquer interesse em questões políticas de fundo, nada». Mais substancial foi a decisão da cimeira da NATO não ter uma declaração final, dado o receio de Trump não gostar dela.
O desinteresse de Trump pela diplomacia reflecte-se na sua estratégia face ao seu Departamento de Estado (DdE), dirigido por Rex Tillerson, o ex-chefe da Exxon. Passado mais de meio ano desde a tomada de posse, estão ainda por preencher mais de 200 posições críticas dentro do DdE, incluindo o adjunto de Tillerson, não havendo indícios de avanços no processo. 1
A falta de pressa prende-se, em parte, com a anunciada redução em 37% do orçamento operacional do DdE, incluindo uma redução de 10% em pessoal (cerca de 2300 postos de trabalho). Os lugares estão ainda ocupados pelas pessoas nomeadas por Obama, mas não há clima de comunicação e trabalho conjunto entre essa equipa e Tillerson, o nomeado de Trump.
Aliás, este alterou também a forma de comunicação externa do DdE, diminuindo radicalmente as conferências de imprensa. Previstos estão também cortes nos contributos a missões das Nações Unidas, uma redução de 60% em programas de assistência económica, de 36% em assistência humanitária, de 20% para programas de saúde mundial e, provavelmente, o corte total para acções em torno das questões climáticas.
A redução do DdE faz parte da estratégia geral de Trump de, juntamente com desregulamentação generalizada, desconstruir a administração do Estado. Mas enquanto o orçamento do DdE (que em 2016 era de 54,6 mil milhões de dólares) sofre cortes, o orçamento militar irá crescer cerca de 54 mil milhões de dólares. (Como referência, este valor representa 80% do orçamento militar russo.) Estas tendências inversas de orçamento correspondem também à absorção por parte do Pentágono de funções tradicionalmente assumidas pela diplomacia civil do DdE.
A redução de orçamento do DdE vem de longe. Em 2009, no início da administração Obama, um relatório do Congresso revelava que o Gabinete de Controlo de Armamento e Não-proliferação (do DdE), responsável, por exemplo, por prevenir a difusão de armas de destruição massiva, tinha apenas 11 pessoas, e desmoralizadas pela falta de meios e recursos
O mesmo se registou no bureau de África. Vários embaixadores (por exemplo, do Paquistão, Egipto, Iémen) se têm queixado que a relações com os chefes de estado e forças militares são determinadas por oficiais militares do EUA, incluindo vendas de armas e operações na «Guerra ao Terrorismo».
O Pentágono têm um orçamento mais elevado que o DdE, mesmo para relações diplomáticas: em 2008, para a Somália, o DdE recebeu 30 mil dólares para diplomacia pública, enquanto para a mesma rubrica o Pentágono recebeu 600 mil dólares. O Pentágono gasta milhões numa massiva operação de relações públicas: entre 2006 e 2015, quase dois terços de todo o orçamento do governo foi para relações públicas.
Se esta efectiva transferência de competências para o Pentágono vem já de administrações prévias, ela assume maior gravidade com esta Administração Trump. Enquanto Tillerson e Nikki Haley, a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, procuram entender o que Trump quer, os «diplomatas» militares vão definindo a política externa na prática.
- 1. A pessoa indigitada para fazer a reorganização do DdE foi Willing Inglee, um ex-executivo da Lockheed Martin, um dos maiores fornecedores de armas do mundo
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