Estreia hoje o documentário «13th» da realizadora negra estadunidense Ava DuVernay, cujo filme «Selma» foi nomeado em 2015 para melhor filme. O título refere-se à décima terceira emenda à Constituição dos EUA no qual é abolida a escravatura e servitude involuntária, com uma excepção: enquanto punição por um crime.
Essa excepção foi desde cedo explorada, em particular nos estados do sul, para na prática re-instituir a escravatura com outro nome. O uso do trabalho prisional tem atingido, mais recentemente, uma enorme proporção nos EUA, constituindo uma enorme fonte de rendimento (cerca de 2 mil milhões de dólares anuais) e envolvendo quase 900 mil presos, que podem receber até 1,15 dólares por hora (salário mínimo é 7,25 dólares/hora), mas recebendo a maior parte entre 12 a 40 cêntimos/hora, enquanto outros nada recebem.
O filme surge enquanto ainda persiste uma das maiores greves prisionais na história do EUA. Iniciada a 9 de Setembro, no 45.º aniversário dos protestos na prisão de Attica, a greve ao trabalho prisional teve a participação de mais de 24 mil presos em 29 prisões de 12 estados.
A recusa de trabalhar tem sido acompanhada de outras formas de protesto, incluindo greves de fome, e também protestos da comunidade civil fora das prisões. Em muitas prisões foram tomadas medidas de repressão antecipando a jornada de luta, incluindo prisão solitária para os organizadores.
Os guardas prisionais, embora instrumentos de opressão dentro das prisões, são também eles muitas vezes vítimas de exploração. Na prisão de Holman, no estado de Alabama, uma das prisões activamente envolvida na organização da vaga de protestos, a greve ao trabalho pelos presos implicou trabalho adicional dos guardas prisionais, e estes fizeram também greve, protestando contra a superlotação e falta de condições: apenas 17 guardas têm de supervisionar cerca de mil presos.
Mas os presos não trabalham só para a prisão, realizando serviços essenciais como limpeza, lavandaria, ou manutenção. O seu trabalho é vendido a empresas externas, como serviço de reservas para a Avis, trabalho de costura para a Victoria's Secret, empacotamento para a Starbucks ou processar alimentos para a McDonald's.
A Federal Prison Industries (UNICOR), que usa trabalho penal fornecido pelas prisões federais, apresentou 472 milhões de dólares de lucros, em 2012, pelos produtos e serviços fornecidos à conta da exploração de presos.
«Os EUA têm a maior população prisional do mundo (mais de 2 milhões de adultos) e a segunda maior taxa de encarceramento do mundo (698 presos por cada cem mil habitantes, apenas atrás das Ilhas Seicheles).»
Esta força de trabalho é extensa. Os EUA têm a maior população prisional do mundo (mais de 2 milhões de adultos) e a segunda maior taxa de encarceramento do mundo (698 presos por cada cem mil habitantes, apenas atrás das Ilhas Seicheles).
Cerca de uma em cada 32 pessoas estão encarceradas, com pena suspensa, ou em liberdade condicional (dados de 2006 do Departamento de Justiça). As taxas de encarceramento são ainda mais chocantes quando repartidas por grupo étnico: entre negros é 5 a 6 vezes maior que entre brancos; em cinco estados, a desproporção é de 10 para 1. E estima-se que um terços dos negros nascidos em 2001 irá para a prisão.
O imenso aumento da população prisional nos últimos 40 anos foi acompanhado pela expansão das prisões privadas, onde se verificam todos os previsíveis cortes de custos que poderíamos esperar de instituições com fins lucrativos: prisões sobrelotadas, falta de cuidados médicos, guardas prisionais insuficientes, mal treinados e mal pagos, etc. Uma investigação clandestina de um repórter numa prisão privada relata na primeira pessoa o ridículo do processo de recrutamento e treino dos guardas, e as condições dentro da prisão, a violência, abuso e injustiça.
Mas os abusos vão ainda mais longe: mais presos significa mais lucros, logo as corporações que gerem as prisões privadas procuraram garantir taxas de ocupação elevadas, quer através dos acordos de parceria público-privada celebrados com os Estados (que lhe garantem taxas de ocupação de 90/100% em quatro Estados), quer subornando juízes para encaminharem presos para as suas prisões.
A indústria das prisões com fins lucrativos é um negócio de 70 mil milhões de dólares anuais e que gasta 45 milhões de dólares para fazer lobby. Não admira que entre 1990 e 2009 o número de presos em prisões privadas tenha aumentado 1600%! Mais de metade dos imigrantes ilegais detidos nos EUA encontram-se em prisões privadas, proporcionando um lucro de 5,1 mil milhões de dólares.
E como em tantos outros contextos de privatizações, também estas instituições privadas, que proporcionam enormes lucros aos seus gestores, não poupam dinheiro ao Estado. Em Agosto, o Departamento de Justiça dos EUA finalmente declarou este tipo de prisões uma experiência falhada, e vai terminar as prisões federais privadas, o que deixa porém as prisões estaduais.
A presente vaga de greve prisionais e protestos surge no seguimento de outros protestos este ano, e em anos recentes. É seguro que outros se seguirão.
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