As explicações necessárias

Enquanto a direita se aproveita dos inquéritos parlamentares para atacar a Caixa, não será mais importante apurar o que se passou com os 10 mil milhões de euros que PSD e CDS-PP deixaram fugir para offshore?

Paulo Núncio foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sob a tutela de Vítor Gaspar e, a partir de 2013, de Maria Luís Albuquerque
CréditosJosé Sena Goulão / Agência LUSA

Soubemos ontem que, durante a governação de Passos e Cristas, voaram mais 10 mil milhões de euros para destinos exóticos, para paraísos fiscais. Uma realidade que começámos a conhecer no ano passado, quando, pela primeira vez desde 2010, os dados relativos a transferências para offshore foram divulgadas.

Mas estes 10 mil milhões de euros são muito diferentes em relação aos restantes 18 mil milhões que fugiram de Portugal no mesmo período: as Finanças conheciam esses movimentos (foram transmitidos por instituições financeiras) mas ficaram perdidos numa gaveta qualquer, real ou figurativa, material ou digital.

No entanto, as diferenças não param por aqui. O valor representa apenas 20 transferências, com um valor médio de cerca de 500 milhões de euros. Um maço gordo de notas para ficar esquecido numa gaveta, que a Autoridade Tributária deixou passar sem verificar a origem e o destino, se os impostos sobre os muitos milhões tinham sido pagos ou, mesmo, se havia indícios de criminalidade económica.

E quem tutelava a gaveta esquecida até à posse da actual equipa do Ministério das Finanças? Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais entre 2011 e 2015, ex-dirigente do CDS-PP e advogado de negócios.

O mesmo governante que concretizou o «enorme aumento de impostos» anunciado por Vítor Gaspar, que conduziu as «reformas» do IRS, reduzindo a sua progressividade, e do IRC, baixando os impostos para as empresas. Esta última, a do IRC, foi entregue a António Lobo Xavier, o advogado, político e banqueiro que foi buscar Paulo Núncio para o seu escritório de advogados, poucos dias depois do seu governo ter caído na Assembleia da República.

A responsabilidade política sobre o fechar de olhos perante a fuga massiva de capitais de Portugal para sítios onde se abre conta bancária para fugir ao fisco recai sobre o anterior governo e sobre o PSD e o CDS-PP.

Uma actuação condizente com a assumida estratégia de trabalhar com os «grandes contribuintes» na sua «planificação fiscal», de baixar os impostos sobre as empresas enquanto se cortavam salários, reformas, pensões, prestações sociais e outros direitos – feriados, dias de férias, horas extraordinárias, indemnização por despedimento; a lista é extensa e ainda hoje sentimos alguns dos efeitos.

Quando a direita se prepara para aprofundar o aproveitamento dos inquéritos parlamentares para desestabilizar o processo de recapitalização pública da Caixa Geral de Depósitos, vale a pena perguntar se não será mais importante apurar o que se passou com os 10 mil milhões de euros ignorados pelas Finanças, com a complacência ou cumplicidade de destacados dirigentes do PSD e do CDS-PP.

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