Fazer frente às transnacionais e pagar com a vida nas Honduras

Berta Cáceres, líder da comunidade indígena Lenca, defensora do meio ambiente e dirigente associativa hondurenha, foi assassinada há um ano. Sucedem-se os escritos de homenagem e há quem lembre que, desde então, «já houve muitos e muitas outras Bertas».

Créditos / goldmanprize.org

A um ano do assassinato de Berta Cáceres, líder da comunidade indígena Lenca, activista ambiental e dirigente do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas das Honduras (Copinh), sucedem-se, em vários quadrantes do planeta, os escritos de homenagem e evocativos da sua figura.

Alguns, como o da ALBA Movimientos, reivindicam a sua condição de lutadora, de mulher, de defensora dos povos, suas culturas e meio (ambiente) face a um capitalismo por natureza agressivo, mas cujo carácter depredador e destrutivo se intensifica. E não esquecem que, no cerne da questão, está a política de um regime golpista – o que derrubou o presidente Manuel Zelaya, em 2009 – que despreza o povo e a terra hondurenhos, colocando-os «à mercê do grande capital transnacional».

É por isso que, desde o assassinato de Berta – faz hoje precisamente um ano –, «já houve muitos e muitas outras Bertas». É também por isso que o Copinh, no comunicado que emitiu esta quinta-feira, exige o fim «da perseguição» ao organismo fundado por Berta Cáceres, bem como «a outros movimentos populares das Honduras que continuam a ser alvo de ameaças e criminalização», e cujos membros continuam a ser assassinados.

As Honduras não são, obviamente, «a» terra onde o capitalismo fez dos homens monstros que atentam contra os direitos das mulheres, dos povos, do povo. O princípio da depredação capitalista terratenente, agro-industrial, mineira alastra a diversos países da América Latina, sendo do domínio público os casos de ameaças, agressões e perseguições – e também assassinatos! – a dirigentes sindicais e associativos, indígenas, defensores do meio ambiente e da reforma agrária, no Brasil, na Colômbia, no Peru, no Chile, na Argentina, na Guatemala ou no México.

No entanto, no quadrante latino-americano, as Honduras têm sido apontadas, por diversos organismos, como o país onde, nos últimos anos, mais facilmente se paga com a vida a defesa da terra e do meio ambiente. Dados do Copinh, citados pela TeleSur, indicam que cerca de 120 pessoas foram assassinadas entre 2010 e 2016, com a violência a aumentar de modo exponencial após o golpe de Estado (com mão gringa) contra Manuel Zelaya.

Ali, as organizações indígenas e de agricultores hondurenhas têm enfrentado ofensivas de empresas da agro-indústria e, como referem as Nações Unidas, dos paramilitares que estas contratam – colombianos, segundo algumas vozes –, enquanto outras têm procurado travar projectos hidroeléctricos e mineiros de multinacionais que lhes ameaçam o território, num contexto de forte militarização do país.

Berta Cárceres opôs-se, com firmeza, ao projecto hidroeléctrico Agua Zarca, da empresa Desa, pelas graves consequências que traria para o povo Lenca. Destacada dirigente do Copinh, figura pública premiada pela sua tenacidade, tanto ela como a sua família foram alvo de inúmeras ameaças, a tal ponto que os seus quatro filhos tiveram de sair do país. Ela acabaria por ser assassinada na madrugada de 3 de Março de 2016, em sua casa, em La Esperanza, no departamento ocidental de Intibucá.

Tornou-se um símbolo. Da luta das mulheres, dos indígenas, dos povos contra o capitalismo, mas também contra a impunidade do crime a que o seu nome surge indelevelmente associado. Oito pessoas foram entretanto presas, mas o processo judicial é lento e o mandante continua a monte. Uma investigação do jornal The Guardian aponta como provável a responsabilidade do Estado e, tendo por base um testemunho anónimo, refere a possibilidade de o assassinato de Berta Cáceres ter sido uma execução extrajudicial.

Dados concretos: dos oito detidos, três são militares hondurenhos ligados aos serviços secretos; a empresa responsável pelo projecto contra o qual Berta Cáceres batalhava (Desa) era presidida por um ex-agente dos serviços secretos militares; todos estiveram na terra de Berta Cáceres em diversas ocasiões; todos receberam formação especializada nos EUA.

A nível internacional, são muitas as organizações que exigem o fim da impunidade para este crime, sublinhando os escassos resultados alcançados sobre os seus autores morais e a falta de clareza que envolve todo o processo. Nisso se juntam ao apelo reiterado da família de Berta e do Copinh, que vêem a investigação obscurecida por uma densa teia de interesses políticos e económicos, com a conivência dos côndores que pairam sobre a Nossa América.

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