Grassam nesta prestigiada instituição policial acções de contestação de baixo para cima ou se se quiser, de cima para baixo. Quanto à primeira, pode referir-se à exigência dos profissionais ao respeito e cumprimento pela hierarquia do horário de referência de 40 horas legalmente previsto. Quanto à segunda, é a Ministra que está a ser criticada por se ter assumido frontalmente favorável à ascensão dos oficiais da Guarda aos postos de subcategorias de oficias generais, abrindo a «via verde» para, finalmente, esta força de segurança ser dirigida por seus oficiais, liberta do domínio militar através do Exército. E mais: assim se respeitaria, entre outros, o postulado legal de decorrente do Estatuto da GNR de 2009 em vigor (DL n.º 297/2009 de 14 de Outubro) na legítima expectativa dos oficiais (coronéis) da Guarda atingirem o «generalato» e, por via disso, o comando da GNR.
Nesta óptica, nada legitima por isso que, e para esse efeito, se distinga entre os oficiais que frequentaram o Curso de Formação de Oficiais (CFO) daqueles outros saídos da Academia Militar (AC), para priorizar estes na promoção ao generalato em detrimento daqueles. E as razões são claras. Desde logo, porque o curso da Academia Militar (AC) para o oficialato da GNR, ocorre em paridade com o CFO, sendo que quem optasse pela AC não podia concorrer para o CFO e vice-versa. Qual deles então o mais válido?
Ademais sublinhe-se que a formação na AC (mesmo admitindo que aí são ministrados conhecimentos de particularidade policial), não pode ser configurada como uma mais-valia, particularmente tratando-se de uma força policial como a GNR, cujas funções mais se adequam com a tarefa de segurança interna. São bem conhecidas as especificidades que uma força de segurança deve possuir, em tempo de paz e normalidade democrática, no contacto com o cidadão, no uso de arma, na capacitação de Grupos Especiais de Operações, na gestão de factos atentatórios da ordem pública democrática e de outras situações congéneres. Uma formação na AC tem o seu pendor valorativo sem dúvida, em pé de igualdade com outras formaturas académicas, mas incapazes de se sobrepor ao curso de formação de oficiais típica de uma instituição policial.
Finalmente, é bom não olvidar um embrião de elitismo quando se advoga a superioridade de um oficial da AC, face a um seu colega oficial da CFO. É de notar que uma tal pretensão nunca foi expressa nem evidenciada quando, ao arrepio da lei (cfr. EM/GNR de 2009), a Administração descriminou ostensiva e descaradamente os coronéis da GNR em favor dos coronéis do Exército, situação a que naturalmente a Ministra da Administração Interna pretende pôr cobro.
«O Ministério da Tutela terá que assumir o controlo e fiscalização de todo o processo promocional, sem qualquer delegação de poderes em instâncias internas da instituição policial»
Num certo sentido, o objectivo em ver privilegiados os oficiais da AC agora em detrimento dos oficiais oriundos da CFO, parece traduzir o sentido estritamente militarista (não confundir com militar) que não é o apanágio desta prestigiada instituição policial.
É, por isso, de prezar este anseio governativo na tentativa de revigorar a legalidade pondo termo definitivo a uma distinção de oficialato que nem sequer é prevista no Estatuto Militar da GNR em vigor. Este diploma, ao longo dos normativos do seu Título II limita-se a referir a «oficiais da Guarda» sem aludir à formatação oriunda da Academia Militar. Assim sendo, e tratando-se do curso de AC, lá reza o velho brocardo jurídico ubi lex non distinguat nec nos distinguere debemus.
Face ao que acima se refere, à míngua de razões axiológicas no sentido da distinção pretendida com vista à promoção ao «generalato», a que sempre acresce uma falta de suporte na lei, a insistência nesta pretensão poderá gerar desequilíbrios na instituição policial, sendo que o prestígio e eficácia da GNR, enquanto força de segurança constituem valores que é de interesse nacional e público preservar. É de confiar por isso que o bom senso reine e que a própria formação académica dos intervenientes contribua decididamente para ultrapassar o «pomo de discórdia».
Neste contexto, as declarações da Ministra ganham uma redobrada força, se tivermos em conta, que no passado, e apesar de a lei não autorizar qualquer descriminação para efeitos de promoção, esta descriminação se fazia entre os coronéis da GNR a favor dos coronéis do Exército. Não consta que os oficiais da AC tivessem reagido contrariados nessa altura. É de se crer que estes não pretenderão agora transferir essa descriminação em seu favor vitimando os seus colegas da CFO.
Do poder político se espera determinação para a solução desta matéria. Neste domínio, será determinante que a lei seja clara e expressa para afastar qualquer distinção ou descriminação entre os oficiais da GNR. Ocorre sublinhar que, pelo menos nesta fase inicial e para efeitos de promoção particularmente tratando-se do generalato – este que possibilita a direcção e o comando da instituição – o Ministério da Tutela terá que assumir o controlo e fiscalização de todo o processo promocional, sem qualquer delegação de poderes em instâncias internas da instituição policial, não porque estas sejam incapazes para o realizar, mas para evitar o apelo ao corporativismo e sobretudo para reflectir a transparência do processo, evitando o incumprimento da lei como no passado.
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