No passado domingo, dezenas de milhares de Iemenitas participaram numa enorme manifestação na capital do Iémen, Sana'a, exigindo o fim de um conflito que já dura dois anos e que, segundo o Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas, já reclamou a vida de quase cinco mil civis (incluindo mais de 1400 crianças), feriu mais de oito mil, desalojou três milhões de pessoas, colocou 21 milhões de Iemenitas (82% da população) sob necessidade urgente de assistência humanitária.
O actual conflito no Iémen opõe as forças Houthi e as forças leais ao Presidente Hadi, sendo estas apoiadas por uma coligação militar estrangeira composta de nove países árabes e liderada pela Arábia Saudita. A coligação e os EUA alegam que as forças Houthis são uma frente avançada do Irão, algo negado pelo Irão e não apoiado pelas evidências. O Irão tem prestado ajuda militar e logística aos Houthis, mas estes não são instrumento do Irão como os EUA alegam, e como ilustrado pela comunicação interceptada pelas agências de Inteligência dos EUA, na qual o Irão apelava a que os Houthis não ocupassem a capital Iemenita.
A coligação pró-Hadi, por outro lado, recebe o apoio logístico e de inteligência dos EUA, que entre 2010 e 2015 venderam mais de 100 mil milhões de dólares em armas à Arábia Saudita, tendo desde então reforçado os arsenais explicitamente para uso no Iémen. Só no primeiro ano da guerra, os EUA venderam 20 mil milhões de dólares de armas à Arábia Saudita. Juntamente com o conflito Houthi-hadi, acresce a actividade do movimento islamita Ansar al-Sharia (ou, Al-Qaeda do Iémen). Os EUA alegam que a sua actividade no país se destina a combater o Ansar al-Sharia, mas a coligação por si apoiada incide sobre os Houthis.
O Iémen importa cerca de 90% da sua comida. Uma em cada três crianças com menos de cinco anos sofre de malnutrição. A guerra tem limitado a importação de comida e ajuda humanitária, sendo que no Iémen sete milhões de pessoas enfrentam a fome. O importante porto de Al-Hudaydah, no Mar Vermelho, onde se localizam todos os grandes silos, recebe apenas alguns navios por semana, face às dezenas antes da guerra.
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O Iémen importa cerca de 90% da sua comida
Muitas das gruas foram inutilizadas após bombardeamentos em 2015. Em Agosto do ano passado, a Arábia Saudita bombardeou a principal ponte que une Al-Hudaydah a Sana'a, dificultando a distribuição de géneros. O raid aéreo, que durou quatro dias, também atingiu um hospital apoiado pelos Médicos Sem Fronteiras, matando 19 pessoas, e uma escola, matando dez crianças. O bloqueio naval saudita tem redirecionado navios para o porto mais pequeno de Aden, a sul do país, actualmente controlado por forças pró-Hadi.
As agências humanitárias temem que um ataque ao porto de Al-Hudaydah irá agravar a actual situação humanitária. Mesmo uma tomada bem sucedida do porto significaria uma perturbação ao fluxo de comida e apoio humanitário: em 2015, quando o porto de Aden foi retomado pelas forças pró-Hadi, o fluxo portuário foi interrompido durante quatro meses.
É pois preocupante que o Secretário de Defesa dos EUA, James «Cão Danado» Mattis, tenha pedido à Casa Branca para levantar restrições ao apoio militar dos EUA à coligação liderada pela Arábia Saudita contra «uma ameaça comum».
A questão mais imediata é o apoio a uma operação dos Emirados Árabes Unidos contra o porto de Al-Hudaydah, plano que havia sido rejeitado por Obama. O levantamento das restrições daria maior autonomia às forças militares dos EUA para prestar apoio às forças pró-Hadi. Ainda que responsável pelo apoio dos EUA à Arábia Saudita e sua campanha no Iémen, no final de mandato e no seguimento de em Outubro um raid da Arábia Saudita a Sana'a ter atingido um funeral matando quase 150 civis e ferindo 600, o presidente Obama suspendeu a venda de munições guiadas à Arábia Saudita.
Pouco tempo depois de assumir o cargo, o Departamento de Estado de Trump informou o Congresso que ia levantar a suspensão. A primeira operação militar colocando tropas em combate e autorizada pelo Presidente Trump ocorreu em finais de Janeiro: um raid das forças de Operações Especiais em Al-Bayda, região controlada pela Ansar al-Sharia. A operação, com tropas no terreno, diferiu da preferência de Obama por ataques de drones e pode assinalar, juntamente com o apelo de Mattis referido acima, uma nova fase da intervenção dos EUA no Iémen.
Neste contexto, terá relevância que o genro de Trump e seu conselheiro para questões do Médio Oriente, Jared Kushner, tenha recebido formação sobre a região por parte do Embaixador dos Emirados Unidos nos EUA, Yousef al Otaiba. Ironicamente, o governo de Hadi e os Houthi estão unidos na condenação das restrições às entradas nos EUA impostas por Trump.
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