Incêndios florestais, mais vale prevenir que remediar...

No calor do drama provocado pelos incêndios florestais, aproveitando o clima social e o espectáculo proporcionado pela grande comunicação social, sempre aparecem os teóricos da criminalização dos pequenos e médios produtores florestais. Tais «teorias» são cortinas de fumo sopradas sobre os nossos olhos para que não vejamos as causas mais profundas deste flagelo sazonal.

O eucalipto é, hoje, a espécie dominante na floresta portuguesa, à frente de espécies autóctones como o pinheiro bravo e do sobreiro
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Todos reconhecem, pudera, os ruinosos prejuízos económicos e ambientais, os dramas e as tragédias, provocados pelos Incêndios Florestais que ocorreram em Agosto – como ocorreram, aliás, em outros períodos em circunstâncias semelhantes.

Nos primeiros 15 dias de Agosto arderam mais de 100 mil hectares de floresta e matos mas duplicou a área média queimada por cada Incêndio Florestal, ou seja, em média, os Incêndios «duplicaram» de extensão e de violência! Um récorde!

É certo que as condições climatéricas se conjugaram – ventos, calor, secura do ar – por forma a potenciar, ao máximo, a propagação do fogo e a dificultar as acções de combate.

«A extensão e a violência destes Incêndios de Agosto também demonstram o erro estratégico, já crónico, da falta de um correcto Ordenamento Florestal»

Mas a extensão e a violência destes Incêndios de Agosto também demonstram o erro estratégico, já crónico, da falta de um correcto Ordenamento Florestal, com: adequada escolha das espécies arbóreas mais resistentes ao fogo; espaços ocupados e a ocupar com as várias espécies de povoamentos; espaços «nus»; natureza e aptidão dos terrenos; perspectivas de negócio com as madeiras (zonas de produção e/ou zonas mistas, com Floresta de uso múltiplo); etc.

E, porque esse Ordenamento Florestal (ou mais propriamente a falta dele) tem seguido «à balda» ou ao sabor dos maiores interesses economicistas da Fileira Florestal, temos, no terreno, mais ou menos envoltos em matagais, milhares e milhares de hectares com plantações contínuas de Eucalipto e (ainda) de Pinheiro, árvores altamente comburentes. O Eucalipto é uma «tocha» carregada de óleo – o Pinheiro é uma «tocha» carregada de resina…

Ou seja, planta-se milhares e milhares de hectares contínuos de árvores altamente comburentes com as copas pegadas umas às outras… Neste contexto «incendiário», para acontecer um grande e violento Incêndio «só» é preciso o fogo com vento e calor… e por mais meios aéreos, «espectaculares», que lhe venham dar combate…

Em última análise, a monocultura industrial e intensiva desumaniza a Floresta enquanto delapida os recursos naturais (solos e águas). Humanizar a Floresta (quanto é que isso valerá?!...) é promover incessantemente a Floresta de «uso múltiplo», em que prevaleçam objectivos sociais e ambientais.

Os Incêndios Florestais demonstram também, e mais uma vez, que a ruína da Agricultura Familiar – em 30 anos, a PAC promoveu a «destruição» de 400 mil Explorações Agrícolas Familiares e muito contribuiu para o êxodo massivo das Populações Rurais – está na base da sua extensão e violência, pois deixou de haver os terrenos cultivados a separar, umas das outras, as áreas Florestadas e deixou de haver pessoas nos meios rurais.

«Os Incêndios Florestais demonstram também, e mais uma vez, que a ruína da Agricultura Familiar (...) está na base da sua extensão e violência»

Os baixos Preços da Madeira na Produção, que a grande Indústria da Fileira tem imposto anos seguidos, trouxe consigo a falta de interesse económico pela Floresta em minifúndio. Preços baixos à Produção que constituem, assim, um elemento (des)estruturante básico.

Salienta-se que, mais uma vez, arderam Floresta e Reservas Naturais públicas; que arderam milhares de hectares de Eucaliptais – inclusive das Celuloses – e também ardeu Pinhal.

Portanto, daí também se prova que o problema-base dos extensos e violentos Incêndios Florestais não é, por si só, a pequena/média dimensão da propriedade Florestal dominante no Centro e Norte do Pais. Até porque se pode promover «fórmulas» mais eficazes de associativismo florestal, e que assim melhorem os Preços à Produção de Madeira...

Prevenir os grandes Incêndios Florestais também passa por garantir melhores preços da Madeira, à Produção

O actual Governo pretende desbloquear a execução dos Planos Regionais de Ordenamento Florestal (PROF), que têm estado parados nos últimos 15 anos (pelo menos).

Os PROF podem ser um elemento fundamental para se conseguir um Ordenamento Florestal mais correcto. Porém, receia-se que «actualizar», hoje, os PROF acabe por vir legitimar aquilo que já está – mal – plantado no terreno e que – mal – se vai continuar a fazer neste âmbito das espécies Florestais dominantes, pegadas umas às outras, por milhares de hectares contínuos.

Exige-se, portanto, que o MAFDR promova uma (re)definição dos PROF com a maior sabedoria (e com os meios necessários…), o que, entre outras condições, também implica a participação dos pequenos e médios Produtores Florestais e das suas Organizações.

O combate à prática da política dos baixos preços da Madeira à Produção – prática continuada que é uma verdadeira «ditadura» imposta pela grande Indústria da Fileira Florestal – deve ser um combate permanente, sem o qual não se altera significativamente a actual situação.

Também deve ser salvaguardado o direito à propriedade dos Pequenos e Médios Proprietários/Produtores Florestais, que são vítimas e não culpados dos Incêndios Florestais. Noutro plano, de igual forma importa respeitar a propriedade comunitárias das vastas áreas de terrenos Baldios e respeitar os direitos dos Povos e Compartes dos Baldios.

Estimular os Produtores Florestais com benefícios e não com a repressão e as coimas…

No «calor» do drama provocado pelos Incêndios Florestais, aproveitando o «clima» social e o «espectáculo» proporcionado pela grande comunicação social, sempre aparecem os «teóricos» da criminalização dos pequenos e médios Produtores Florestais, do abandono dos campos, para concluírem que será necessário concentrar – coercivamente – a propriedade, alterar a estrutura dominante do minifúndio, para se ter Floresta passível de uma «gestão activa» e avessa a Incêndios Florestais.

Tais «teorias» são outras tantas cortinas de fumo «sopradas» sobre os nossos olhos para que não vejamos as causas mais profundas deste flagelo sazonal e que temos estado a enunciar.

«O combate à prática da política dos baixos preços da Madeira à Produção – prática continuada que é uma verdadeira "ditadura" imposta pela grande Indústria da Fileira Florestal – deve ser um combate permanente»

Por «curiosidade», nenhum desses prolixos «teóricos» é capaz de ver, pelo seu lado, que têm ardido dezenas de milhar de hectares de Floresta explorados, directa e indirectamente, pela grande Indústria da Fileira; que têm ardido dezenas e dezenas de hectares seguidos em grandes propriedades; que os maiores proprietários (absentistas) podem receber da PAC milhões de Euros sem serem obrigados a produzir o que quer que seja em terrenos que, por isso, se assemelham muito a terrenos «abandonados»!... Ou, dito de outro modo, para esses «teóricos» oportunistas, a sacrossanta «propriedade privada», afinal, não é assim tão sacrossanta e intocável…desde que aqueles a espoliar sejam pequenos ou médios proprietários/produtores e desde que aqueles a beneficiar com isso sejam grandes interesses económicos! Da nossa parte, conhecemos bem tais métodos e tais desígnios que é necessário contrariar.

De entre o «arsenal» de instrumentos que uns e outros advogam, sobressaem os instrumentos coercivos e repressivos, e nem sequer quero falar do agravamento brutal das penas a aplicar aos eventuais incendiários. Falo das ameaças de multas e coimas, do agravamento fiscal a recair sobre as parcelas alegadamente abandonadas ou por limpar com frequência; falo das ameaças de espoliação directa («emparcelamentos» à força), do direito de propriedade aos pequenos e médios proprietários… São, pois, instrumentos eminentemente repressivos, aliás, inconstitucionais, pois a nossa Constituição advoga intervenções públicas pela positiva como, por exemplo, «benefícios fiscais e financeiros» aos agricultores e não agravamentos fiscais...

A Repressão é também má conselheira na medida em que as pessoas mais afectadas se vão sentir injustiçadas e podem reagir mal… até pela calada… com as consequências previsíveis, sobretudo se se estiver a mexer na Floresta…

Cadastro Florestal, sim, mas primeiro…

O debate também ressurge à volta da necessidade de se fazer o Cadastro Florestal. Tenhamos a noção que esta é uma obra «faraónica» no nosso País, embora também não seja impossível.

Sim, no Centro e Norte do País temos o minifúndio rústico… com centenas de milhar de parcelas em que a maior parte tem o respectivo Cadastro por fazer. Aliás, a recente experiência da realização do Cadastro Rústico em cinco ou seis concelhos-piloto provou todas as dificuldades inerentes à tarefa e ainda não resultou no Cadastro definitivo, pois continuam, agora, as contestações práticas, à medida que os proprietários vão tendo melhor conhecimento daquilo que os seus vizinhos (ou eles próprios) fizeram no acto «técnico-informatizado», que já transcorreu no terreno, nos «GPS» e nos computadores.

Num desses concelhos-piloto, o Cadastro Rústico apenas veio a cobrir 60% da área, o que nem sequer significa que tenha coberto 60% das parcelas existentes, principalmente na área com alguma Floresta. Portanto, ficou por cadastrar uma área muito significativa onde, note-se, todo o trabalho «técnico» foi grátis para os proprietários.

Nesta matéria dos Cadastros da Propriedade Rústica – inclui a propriedade florestal – subsiste e persiste uma situação determinante para o «resto»: há poucas «escrituras públicas» (notariais) das parcelas e muitas das que há estão em nome de ex-proprietários, nomeadamente de familiares já mortos.

Actualizar as «escrituras públicas» é uma trabalheira burocrática, em que cada escritura completa – e independentemente da área da parcela – custa cerca de 500 euros ao proprietário, muitas vezes mais do que hoje vale a parcela a escriturar.

Sendo assim e enquanto assim for, não há estímulo «estimulante» (e antes pelo contrário) para a realização dessas escrituras das parcelas, pelo que, à partida, ficará inviabilizada a realização eficaz do Cadastro Rústico/Florestal.

Por isso, no momento, é indispensável baixar – muito – o mencionado custo das escrituras das parcelas, preferencialmente de forma «modulada», consoante a área e o valor matricial de cada parcela, o que será mesmo o maior estímulo, realmente «estimulante», para a realização «voluntária» do Cadastro Rústico/Florestal.

«Tenhamos também a noção apriorística de que a intervenção, integrada, com sabedoria e a sério, na Floresta Nacional e na utilização dos terrenos alegadamente abandonados será das mais difíceis e sensíveis tarefas públicas.»

Enfim, sempre se poderá ir fazendo-concluindo, entretanto, o Inventário Florestal com registo das áreas florestadas (por PROF) e das respectivas espécies arbóreas.

Tenhamos também a noção apriorística de que a intervenção, integrada, com sabedoria e a sério, na Floresta Nacional e na utilização dos terrenos alegadamente abandonados será das mais difíceis e sensíveis tarefas públicas. Uma tremenda tarefa a que «alguém», um dia destes, ainda terá (pelo menos) que experimentar fazer.

De qualquer forma, haverá que respeitar objectivos e processos diferenciados e distintos, consoante os interesses que estiveram em presença e a posição (sim, posição de classe ou de grupo social) que esse «alguém» assuma perante esses mesmos interesses, que, no mínimo, são contraditórios na prática e por natureza.

Por exemplo, há alguns Autarcas – Presidentes de Câmara – que falam em tomar para si, essa tarefa. Pois, para além de ser um erro até técnico – afinal, quantas Florestas iríamos ter, concelho a concelho? –, depressa eles se darão conta de que nem sabiam no que se iam meter ao assumir tamanha responsabilidade.

Há terrenos «abandonados» que, se alguém lhes tocar – «sem prévia autorização» – nem que seja num só metro quadrado, vão logo aparecer os proprietários a reclamar… É como mexer em vespeiro… e, podem crer, lá vêm as chatices… e a perda de votos… senhores Presidentes de Câmara «voluntaristas»… Não aceitem, portanto, o «presente envenenado» e por mais Eólicas que já estejam a ver nos cumes dos montes «abandonados»…

Prevenir certos «negócios-negociatas» para prevenir Incêndios Florestais

Fala-se muito – vide as declarações ainda recentes do secretário de Estado da Administração Interna – do negócio com a «indústria do fogo», onde sobretudo situam os meios aéreos de combate que de facto custam «milhões» ao erário público.

Aliás, é sabido também, sucessivos governos gastaram vinte vezes mais dinheiro público no combate aos Incêndios Florestais do que em acções organizadas de prevenção, o que, convenhamos, resulta num mau «negócio» – globalmente considerado – para o País. Vamos lá, a proporção de gastos deveria ser ao contrário: vinte vezes mais dinheiro público gasto com prevenção do que com o combate aos Incêndios.

O anterior governo aplicou cortes orçamentais de cerca de 200 milhões de euros no PRODER (2007-2013), com o investimento público destinado à Floresta, e até cortou verbas de início destinadas à Prevenção de Incêndios. Um péssimo «negócio», está visto!

Para finalizar (por agora…), aqui deixo uma chamada de atenção para outros negócios. Como escoar – a que Preços, para onde e para quê – os «salvados» destes Incêndios Florestais?

Estamos a falar de centenas de milhar de Toneladas de Madeira (eucalipto-pinho) queimadas ou chamuscadas. E ou são aproveitadas ou não…

As Celuloses juram a pés juntos que não compram madeira queimada… Pois, juram mas…

Hoje, há máquinas que descascam – quem as tem descasca, até na mata – os troncos chamuscados, que, assim, ficam como «novos», apenas mais leves, que o calor do fogo «enxugou-os»…

Mas, voltamos a perguntar, a que Preço é paga essa Madeira ao Produtor? Depende dos madeireiros, das zonas e dos terrenos onde passou o Incêndio… e depende da falta ou do excesso que haja de madeira «prá fábrica», como se diz. Mas o Produtor é que acaba por pagar a factura, «abandonado» pelo Estado à mercê dos negociantes (ou da falta destes). A Madeira «salvada» desvaloriza ainda mais e até fica sem escoamento!

O Produtor – pequeno e médio – é o que mais perde com o «negócio»… Eis, pois, a maior vítima – objectiva e subjectiva – dos Incêndios Florestais!

Para salvar a floresta nacional de uso múltiplo é necessário acabar com as políticas agro-florestais «incendiárias»!
É necessária outra PAC – política agrícola comum!

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