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Médio Oriente: os Estados Unidos precisam da guerra

Já foi dito que os Estados Unidos não têm 50 estados, mas 51; o quinquagésimo primeiro é Israel, encravado no Médio Oriente.

Palestinianos procuram pessoas com vida debaixo dos escombros de casas bombardeadas pela aviação israelita em Khan Younis, no Sul da Faixa de Gaza, em Outubro de 2023 
Créditos / PressTV

Este país, criado em 1948 como compensação ao povo judeu na sequência do holocausto provocado pelo nazismo, com seis milhões de mortos nos patéticos campos de concentração, não desempenhou inicialmente o papel aterrorizador que apresenta hoje. Fruto das negociações franco-britânicas que procuravam gerir as reservas petrolíferas da região, surgiu o novo Estado, deslocando desde logo o povo palestiniano, mas sem apresentar o carácter belicista de hoje. Foi depois da Guerra do Sinai, em 1956, quando os Estados Unidos – já então uma potência global, em confronto com o seu principal rival, a União Soviética, na Guerra Fria – entraram no Médio Oriente, procurando dominar as fontes de ouro negro.

A partir de então, suplantando definitivamente a Grã-Bretanha como grande potência imperial, Washington começou a entronizar-se na região. Desde 1963, com a presidência de John Kennedy, a relação da Casa Branca com Telavive torna-se orgânica. Ali, e de forma progressivamente crescente, o Estado de Israel torna-se o posto avançado norte-americano numa área que considera vital para os seus interesses: uma reserva petrolífera, um ponto para bloquear a presença soviética de então, e, hoje, a possibilidade de entravar o desenvolvimento chinês gerindo os hidrocarbonetos.

«Israel, para lá dos sectores pacifistas que também existem, como Estado nacional cumpre na perfeição o seu mandato, aliás, não muito oculto, de defesa dos interesses extra-regionais: é o gendarme armado até aos dentes que a geoestratégia norte-americana destina à região»

Não é novidade nenhuma que Israel recebe grande ajuda militar norte-americana: quatro mil milhões de dólares por ano (17% da ajuda externa global fornecida por Washington). Através de complexos laços de interesses, o lobby judeu da superpotência – com grande poder de influência – conseguiu que tanto a administração federal como importantes sectores da iniciativa privada destinem enormes recursos ao país do Médio Oriente. O investimento não é gratuito. Israel, para lá dos sectores pacifistas que também existem, como Estado nacional cumpre na perfeição o seu mandato, aliás, não muito oculto, de defesa dos interesses extra-regionais: é o gendarme armado até aos dentes que a geoestratégia norte-americana destina à região, inclusive com armas nucleares, oficialmente não declaradas, mas de facto existentes (até 400 armas atómicas).

Desde a década de 1970, os Estados Unidos impuseram ao mundo a necessidade de adquirir dólares para, com eles, poder comprar petróleo. Ou seja, a maior parte do planeta, excepto a União Soviética, foi obrigada a depender da moeda norte-americana para ter acesso a um elemento tão vital no mundo moderno como esta energia, indispensável a tudo. Mas agora as coisas estão a mudar.

«Agora, o gás e o petróleo já não são negociados em petrodólares, mas sim noutras moedas. Isto significa o declínio final do imperialismo até agora dominante dos Estados Unidos. O mundo está a deixar de ser unipolar, e procura um equilíbrio multipolar.»

A China, com o seu modelo particular («socialismo de mercado»), começa a disputar a supremacia económica aos Estados Unidos numa base de igual para igual. Nesta perspectiva, anda de mãos dadas com a outra grande potência euro-asiática, a Rússia, uma potência militar incomensurável, que também fala cara a cara com Washington no campo da guerra. A aliança Pequim-Moscovo deu origem aos chamados BRICS, agora ampliados. Isto é: economias emergentes que, embora permaneçam capitalistas (com excepção da China), tentam distanciar-se da supremacia norte-americana. Agora, o gás e o petróleo já não são negociados em petrodólares, mas sim noutras moedas. Isto significa o declínio final do imperialismo até agora dominante dos Estados Unidos. O mundo está a deixar de ser unipolar, e procura um equilíbrio multipolar.

As petromonarquias do Médio Oriente, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, ou uma teocracia poderosa como o Irão, e também a Etiópia, um importante produtor de petróleo em África, ou a Rússia, outra importante fonte de hidrocarbonetos, começam todas a definir o preço do petróleo em moedas que não o dólar. Assim, está a constituir-se uma nova arquitectura global na qual o capitalismo ocidental (os Estados Unidos e o seu cortejo: a União Europeia, mais o braço armado da NATO) é confrontado por uma nova ordem internacional. O Médio Oriente, rico em petróleo, pode assim livrar-se de Washington.

«Para os países da região, os BRICS ampliados representam uma alternativa mais promissora e calma do que os belicistas Estados Unidos e a sua sucursal Israel, «um cão raivoso, demasiado perigoso para ser incomodado», como disse sem vergonha o general judeu Moshe Dayan.»

Nesta lógica, o hiper-militarizado Estado Israelita fica fora do jogo. Para os países da região, os BRICS ampliados representam uma alternativa mais promissora e calma do que os belicistas Estados Unidos e a sua sucursal Israel, «um cão raivoso, demasiado perigoso para ser incomodado», como disse sem vergonha o general judeu Moshe Dayan.

No contexto desta nova perspectiva que se abre com os BRICS, a guerra reaparece na região. O ataque do grupo Hamas em 7 de Outubro reabre o conflito regional. O Estado de Israel inicia uma ofensiva militar sem precedentes, massacrando a população palestiniana sob o pretexto de aniquilar o Hamas. O capitalismo ocidental, com o seu silêncio cúmplice, acaba por aprovar esta monstruosidade, e as Nações Unidas, mais uma vez, mostram-se ineficazes para travar o genocídio.

Os Estados Unidos precisam da guerra. Um Médio Oriente em chamas é funcional para eles, e é por isso que apoiam abertamente a injustificável e imoral intervenção militar israelita em curso na Palestina. Inclusive, prometem transferir milhares de milhões de dólares para apoiar esta aberração (mais de 10 mil palestinos mortos este mês). Israel volta a assumir o papel de «cão raivoso, demasiado perigoso para ser incomodado», como dizia o militar referido.

«É uma mensagem para a região: o genocídio do povo palestiniano em Gaza e na Cisjordânia mostra que Washington não procura de forma alguma a paz, mas antes justifica a guerra.»

É uma mensagem para a região: o genocídio do povo palestiniano em Gaza e na Cisjordânia mostra que Washington não procura de forma alguma a paz, mas antes justifica a guerra. A aniquilação dos grupos guerrilheiros (designados «terroristas») é a suposta razão das actuais acções de Telavive, com as quais todo o Médio Oriente arde, e a mensagem da Casa Branca se consuma: «afastem-se dos BRICS!».

A mensagem inclui também a Rússia e a China, que não poderão ficar indiferentes à forma como os seus parceiros e os seus investimentos na região são atacados, pelo que estamos no preâmbulo do que poderá ser uma nova guerra mundial. Um império em declínio como é hoje os Estados Unidos pode recorrer a tudo para evitar perder o seu ceptro. A guerra total é a sua saída?


Texto traduzido a partir de publicação originalmente em castelhano no portal da agência Prensa Latina, de que o autor é colaborador. Marcelo Colussi, professor universitário e investigador argentino, reside actualmente na Guatemala.

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