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Acção Externa da Defesa Nacional

O Ministro da Defesa vai introduzindo concepções que, não sendo novas, justificam a crescente participação externa e a ideia de que Portugal defende os seus interesses «lá», onde a NATO e/ou a União Europeia considerem estar.

Elementos da 2.ª Força Nacional Destacada na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro-Africana, à chegada ao Aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa. 5 de Março de 2018
CréditosJosé Sena Goulão / Agência LUSA

Em artigo publicado no jornal Observador de 12 de Maio, o Ministro da Defesa Nacional (MDN) desenvolve uma reflexão sobre a necessidade de ser produzida nova legislação que actualize e aglutine tudo o que envolve as múltiplas dimensões da denominada «acção externa da Defesa Nacional». 

Refere o MDN que: «(...) De modo bem diverso, aquilo que logo resulta da observação é uma série de regimes jurídicos algo desgarrados que regulam aquelas matérias, quase sempre surgidos num contexto histórico bastante marcado. A legislação relativa ao regime dos Adidos de Defesa remonta ao tempo do Conselho da Revolução, no início dos anos oitenta do século passado. E, tanto no que se refere à cooperação técnico-militar  (hoje, melhor se dirá cooperação no domínio da Defesa) como às regras aplicáveis às forças nacionais destacadas, trata-se, sempre, de diplomas antigos, nenhum deles com menos de duas décadas, é certo que com modificações mais recentes, mas sempre de natureza não substantiva.»

Dito assim, nada mais haveria a dizer a não ser: já peca por atraso. Contudo, no desenvolvimento do seu texto, o MDN, como se estivesse a subir uma escada em caracol, vai introduzindo concepções que, não sendo novas, justificam a crescente participação externa e a ideia de que Portugal defende os seus interesses «lá» onde a NATO e/ou a União Europeia considerem estar, e toma o Conceito Estratégico de Defesa Nacional como pilar referencial e não a Constituição da República.

Neste enquadramento, não se trata só de compilar e actualizar os dispositivos legais existentes. Trata-se de, aproveitando esse pretexto para ir mais longe, consolidar conceitos, incluindo no plano dos equipamentos a adquirir (LPM). Quando o MDN afirma que uma das questões mais fundamentais com que nos deparamos é a da necessidade de reforço da capacidade de exercício efectivo de jurisdição sobre os nossos espaços marítimos, é claro que a Marinha e a Força Aérea devem ter os meios que (...) permitam realizar esse desígnio.

Ora, importa não esquecer que os navios que percorrem as nossas águas possuem a nacionalidade do Estado cuja bandeira estejam autorizados a arvorar, devendo existir um vínculo substancial (genuine link) entre esse Estado e o navio. Este conceito de genuine link, consubstanciado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM art.º 94.º), traduz-se no princípio de que o Estado onde é efectuado o registo do navio deve exercer efectivamente a sua jurisdição e o seu controlo em matérias administrativas, técnicas e sociais, ou seja, a lei que lá vigora é a desse Estado.

Por exemplo, no plano de uma visita a bordo a CNUDM (art.º 110.º) estabelece as condições para que um navio de guerra possa exercer esse direito sobre um navio estrangeiro – prática de pirataria, tráfico de escravos, transmissões não autorizadas, navio sem nacionalidade, etc. Esta permissão de visita só é válida se os navios de guerra estiverem autorizados para o fazer, através de legislação nacional que não existe.

Ou seja, há várias situações onde é possível a intervenção de navios de guerra, mas isso tem de estar claramente tipificado em lei. O mesmo se coloca no que à fiscalização da pesca diz respeito, porque uma coisa é o flagrante delito e outra a fiscalização entendida como verificação.

Neste contexto, a vigilância dos espaços é uma tarefa de observação e recolha de informação, mas a fiscalização/inspecção não é permitida à Marinha enquanto ramo das Forças Armadas. Daqui decorre que aquilo que para o MDN é irreflectidamente adquirido, pode não o ser.

Na verdade, o modelo NAFO (Northwest Atlantic Fisheries Organization) é um bom exemplo a ter em conta: o navio é a plataforma utilizada para o efeito, sendo a responsabilidade das inspecções dos inspectores respectivos nele embarcados. Isto não retira ao comandante do navio nenhuma das suas responsabilidades sobre a condução, controlo e seguança do navio, nem o direito de vetar qualquer acção de fiscalização por razões de segurança ou outras, nem ao Comando Naval de exercer o seu papel de Comando e Controlo.

O que é certo e claro é que aquilo que se passar dentro da embarcação de pesca, em termos de inspecção, não é da responsabilidade destes dois comandantes.

Aliás, os Governos nacionais são sempre tão lestos em aplicar as regras e normas da UE, mas parece que aqui a regra faz excepção e, no entanto, não parece oferecer grande complexidade.

Como a competência da fiscalização no mar reside na AMN e a Marinha disponibiliza recursos humanos e materiais à AMN, a questão das unidades navais como plataforma está resolvido, sobra os agentes de fiscalização: embarque de inspectores da DGRM? Embarque de Policias Marítimos?

O mesmo princípio deve ser seguido nas restantes situações que se prendem com fiscalização em ambiente contra-ordenacional. E isto seguindo um racional que julgamos correcto, para se fiscalizar uma actividade, de conjugação de dois princípios: competência em função da matéria e do território; os Agentes da Fiscalização têm que estar, formalmente, em lei habilitante, investidos do poder de autoridade que os habilite a dar ordens aos cidadãos.

Reequipamento Militar

A lógica adiantada pelo MDN no que respeita ao reequipamento é linear: Portugal pode nesse âmbito desempenhar missões com as características X e Z logo, para essas missões, é necessário os equipamentos e armas H e K. Uma lógica que assumidamente secundarizará os meios e a sua sustentação para aquilo que são as missões fundamentais plasmadas na Constituição da República.

É o senhor ministro que no referido artigo afirma que: «Não serve de argumento, neste caso, alegar-se a recusa de um qualquer princípio de especialização, ou a defesa de capacidades tão transversais e omnívoras que permitam, num futuro eventual, acorrer indistintamente a todo o tipo de ameaças ou potenciais agressões. Realmente, do que se trata é de estabelecer prioridades, temporalizadas e hierarquizadas segundo um princípio de adequação a um fim.»

Ora, segundo esta abordagem, as prioridades não são congeminações teóricas e (sem por em causa uma regra de razoabilidade) também não deverão ter por objetivo satisfazer hipotéticas regras não escritas de equilíbrio aquisitivo entre os diferentes Ramos das Forças Armadas.

Trata-se de uma lógica que encaixa igualmente nas repetidas pressões por parte do Secretário de Defesa dos EUA, James Mattis para que os países europeus, desde logo os da UE, aumentem a sua capacidade em meios humanos e materiais e, sobretudo, a sua prontidão operacional.

Não temos dúvidas, repete-se, de que há matérias a rever e a clarificar de modo a que deixem de estar no domínio da leitura arbitrária do Chefe A ou B, com angustiantes mecanismos burocráticos também geradores de  injustiças. O caso recente do militar falecido no Mali cuja família quase um ano depois aguardava por saber e receber a pensão de sangue a que tem direito, é um exemplo.

Ou a situação de militares em navios (marinha) que partem para missões no âmbito de organizações internacionais, de vários meses, mas cujo entendimento é que só têm direito a receber o subsídio específico os dias em que se encontram a navegar; ou a escolha de militares com um alto padrão de qualificações para missões no âmbito da UE e cujo valor pago por pessoa é em função do respectivo nível de qualificação, sendo que o remanescente fica como receita para o ramo; ou missões com guarnições mistas, por exemplo militares e SEF, mas cujo valor do subsídio de uns e outros é diferenciado, enfim, há um sem número de situações que necessitam clareza.

Em muitos países um militar quando sai para uma missão externa, está na posse do conhecimento completo da sua situação quanto a vencimento, subsídios,  apoio na saúde, situação da família (cônjuge e filhos), etc. Por cá reina ainda a geometria variável e nalguns casos o «chico-espertismo».

Agora o que nos parece absolutamente inquestionável é que esse processo tenha sempre presente não a Constituição da República que cada um acha que devia ser, mas a Constituição da República que existe. 

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