|Energia

PEV. «Não é aceitável» responder às necessidades energéticas de economias robustas

Os Verdes admitem que o acordo sobre o gasoduto ibérico ameaça metas de descarbonização e criticam que o Governo se comprometa a responder às necessidades energéticas de países com economias robustas e estáveis. 

CréditosKenzo Tribouillard / EPA

Foi na passada quinta-feira que os primeiros-ministros de Portugal e de Espanha chegaram a acordo com o presidente francês sobre, como referiu António Costa no Twitter, as «bases de um entendimento sobre interligações energéticas» entre os três países. Mas o acordo suscita «muitas dúvidas» ao PEV, que considera que pode subverter a agenda nacional para o clima, bem como para as metas de descarbonização. 

«Aquilo que se anuncia para a ligação da rede de gasodutos ibérica com o resto da Europa, de acordo com o comunicado oficial do Governo, como "um bom contributo dos três países para o conjunto da Europa", um acto de solidariedade para enfrentar esta crise energética, parece antes dar corpo a mais uma grande oportunidade de negócio», alertam os ecologistas num comunicado, onde salientam a necessidade de repensar o modelo de desenvolvimento e delinear estratégias energéticas de baixo carbono e de redução dos consumos.

No passado mês de Julho, Os Verdes manifestaram-se contra a aprovação da proposta da Comissão Europeia com vista a classificar os projectos de gás fóssil e de energia nuclear como actividades verdes , «temendo o que o acordo entre os três países veio evidenciar», ou seja, «"pintar de verde" o que nunca será sustentabilidade nem futuro, o gasoduto para gás natural».

Admitem que ao priorizar mais infra-estruturas para o gás natural se está a secundarizar a aposta na poupança e eficiência energéticas, criticando ainda a «linha de promoção do aumento do consumo e de suposto crescimento infinito», mantendo Portugal «refém e subjugado» aos interesses das grandes economias europeias.

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A guerra, a todo o gás

«Soluções finais» justificadas com a necessidade de isolar e punir a governação russa e os seus oligarcas, acabarão por, de forma indiscriminada, fustigar todos os povos, com especial relevo os europeus.

Terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL) da REN Atlântico, em Sines. Foto de arquivo.
Créditos / REN

No actual contexto de guerra a energia é, uma vez mais, questão central. O acesso às fontes de energia primária e outros recursos, russos e ucranianos, constitui, entre diversos aspectos geoestratégicos, um dos motivos que determinam o aumento da agressividade belicista.

Diversas entidades nacionais, europeias e mundiais, vêm-se pronunciando freneticamente em torno de «soluções finais» que, justificadas com a necessidade de isolar e punir a governação da Rússia e os seus oligarcas dominantes, acabarão por, de forma indiscriminada, fustigar socioeconomicamente todos os povos, com especial relevo, os europeus.

É necessária muita prudência na interpretação dos sinais emitidos, já que o caudal principal das propostas é alimentado pelo meridiano imperialista, que não passou a estar interessado na paz e na cooperação, nem deixou de ser agressivo e interesseiro.

«constata-se que, quanto às questões energéticas, predominam discursos e propostas viradas para soluções próprias de uma economia de guerra, que, no entanto, são projectadas como alternativas futuras perenes e naturais»

Na Europa, fustigada por uma onda de censura que impede, ainda mais, o livre acesso a informação verídica ou imparcialmente verificável, constata-se que, quanto às questões energéticas, predominam discursos e propostas viradas para soluções próprias de uma economia de guerra, que, no entanto, são projectadas como alternativas futuras perenes e naturais.

A incoerência e o oportunismo que vinham caracterizando a transição energética imposta pela União Europeia, manifesta, agora, uma enorme agitação desorientada, esvoaçando ao ritmo das negaças acenadas da outra margem do Atlântico.

É neste contexto que volta a ser posta a hipótese do porto de Sines como porta de entrada de gás natural (GNL, LNG em inglês) transportado da costa leste dos EUA, para, depois, ser levado através de gasodutos instalados ao longo de milhares de quilómetros até à Europa central.

No importante terminal de Sines já se recebem significativas quantidades de GNL proveniente de várias origens geográficas, como se verificará quadro anexo (na categoria de transporte por barco).

Importações de Gás Natural, em milhares de  metros cúbicos (Nm3).
Nm3 significa a quantidade de gás natural que, em condições de temperatura zero e pressão de 1.01325 bar, ocupa o volume de um metro cúbico
Créditos

O gás natural até agora importado destina-se, no fundamental, ao consumo interno, e trata-se de um gás proveniente de reservatórios ligados aos campos petrolíferos ou gasíferos convencionais. O gás natural que agora se perspectiva para consumo europeu, tem matriz no gás de xisto (shale gas) com proveniência geológica e uma forma de exploração muito distintas, aliás, propiciadora de significativos impactos ambientais. É desse tipo o gás que vem já sendo trazido dos EUA para Portugal, com crescente significado desde 2016.

Anotar que o embaixador dos EUA (George Glass) considerou, em 6 de Julho de 2018, que Sines poderia transformar Portugal na «Singapura da Europa Ocidental», explicando que isso serviria para «dar» a independência energética à Europa face à Rússia, um ponto então considerado «muito crítico para a administração Trump»!

Cá está, o bom amigo americano deu gás ao processo e, com grande probabilidade, já estaria focado não apenas no negócio, mas, também, na diplomacia preparatória do que agora está acontecendo na Ucrânia. Os governantes e empresários lusos, reverentes, obedeceram.

Os que nos Açores credibilizaram a agressão ao Iraque e aqueles que estiveram na base da actual situação são do mesmo tipo e qualidade.

É bom ter infra-estruturas portuárias em Sines e o seu reforço quantitativo e qualitativo será interessante, desde logo se o for através da capacidade de escoamento ferroviário melhorada. E, obviamente, até não existiria óbice de maior em também se receber gás proveniente dos EUA, desde que as condições económicas o justifiquem.

Contudo, o que agora se considera é dotar o porto com infra-estruturas suficientes para volumes muitíssimo maiores e, sobretudo, construir um gasoduto que passaria por três países (Portugal, Espanha e França), ao longo de cerca de 3000 quilómetros, e, de permeio, atravessando os Pirenéus.

«o bom amigo americano deu gás ao processo e, com grande probabilidade, já estaria focado não apenas no negócio, mas, também, na diplomacia preparatória do que agora está acontecendo na Ucrânia. Os governantes e empresários lusos, reverentes, obedeceram. Os que nos Açores credibilizaram a agressão ao Iraque e aqueles que estiveram na base da actual situação são do mesmo tipo e qualidade»

Por que motivo a Alemanha, os Países-Baixos, a Bélgica, e outros países do centro e do norte da Europa iriam querer receber e pagar gás natural transportado através de uma infra-estrutura construída de raiz, se o podem ter mais barato quando descarregado em portos do norte europeu que estão, aliás, a ser potenciados para essa função? Ou, até, através de alguns dos cinco ou seis espanhóis, principalmente os que exigissem menor extensão do frete marítimo?

Sabe-se que acima de 2 500 a 3 000 quilómetros o transporte por metaneiros é mais económico.

Para Portugal que vantagens adviriam? As portagens de atravessamento? Como seria afectada a capacidade de Sines em outras valências portuárias para instalar tão gigantescas capacidades de transferência e armazenamento? Como e quem financiaria tal investimento? É mais importante e prioritária esta infra-estrutura ou as interligações eléctricas com Espanha e França? Haverá dinheiro para tudo? Não terá ele que sair dos bolsos dos consumidores e contribuintes europeus?

Se a Europa necessita de mais gás natural, e não há qualquer dúvida que sim, tal como, aliás, também precisará de electricidade gerada em centrais nucleares seguras e compactas e em outras de tipo térmico convencional, visto que, com a exclusiva e muito limitada produção baseada em fontes renováveis intermitentes não haverá uma transição sustentável, então, por que razão não se viabilizam os recursos de gás natural existentes em Portugal, em terra e no mar?

E, bom mesmo, seria pugnar, a sério, pela paz e cooperação internacional, evitando decisões caras, demoradas, discriminatórias e com grande impacto ambiental no território, como são estas que estão a ser decididas, apenas compreensíveis à luz de uma economia de guerra prolongada para um longínquo futuro.

O gás natural não tem cor e, já agora, a diferença entre os oligarcas russos e os que existem no ocidente não é assim tão grande.

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Para Os Verdes «não é aceitável que o Governo, de maioria PS, se comprometa com uma agenda para responder às necessidades energéticas de países com economias robustas e estáveis, ao invés de reivindicar a necessária concertação sob uma lógica ibérica para fazer face à adaptação e aos desafios climáticos», que, adianta, obstaculizam políticas de energia, ambientais e económicas nos países mediterrânicos.

Já quanto à sustentabilidade económica e ambiental do gasoduto ibérico, os ecologistas entendem que ela é «imprecisa», na medida em que o acordo é anunciado sem uma definição clara da origem do financiamento e da resposta que tal investimento configura. Por outro lado, acrescenta-se na nota, «não é claro que estejamos perante uma infra-estrutura» capaz de responder a uma crise imediata ou de «assegurar a sustentabilidade e transição energética que permita a efectiva redução dos Gases com Efeito de Estufa (GEE) em linha com os Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC) e a meta da neutralidade climática da Europa, em 2050».

Às muitas dúvidas levantadas pel'Os Verdes quanto à «boa-vontade» deste projecto juntam-se os desafios à produção de hidrogénio verde, adensadas pelo facto de a injecção de hidrogénio nos gasodutos destinadas ao gás natural ter limitações e poder estar sujeita a fugas, «não indo para além de um volume de 20% da capacidade», o que deixa reservas quanto à viabilidade económica, mas também sobre custos para o consumidor e para o erário público. 

Todo este entendimento leva o PEV a defender a necessidade de um debate «sério e transparente», por se tratar de projectos e decisões «que não podem estar sujeitos às pressões e lobbies de grandes interesses e grupos económicos», como os gigantes dos combustíveis fósseis que operam na Europa, «nem a operações de cosmética que agora tudo pinta de verde com a maior das facilidades».

Simultaneamente, os ecologistas reclamam a saída de Portugal do Tratado da Carta de Energia (TCE), «cuja única finalidade é proteger as indústrias de combustíveis fósseis», e do qual a Alemanha, a Polónia, a Espanha e os Países Baixos pretendem sair, conforme anunciado na semana passada. 

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