Uma análise detalhada dos indicadores referentes aos incêndios rurais (designação que inclui incêndios em povoamento florestal, áreas de inculto/matos e incêndios agrícolas) que anualmente tomam conta da agenda mediática da silly season (conceito anglo-saxónico que se refere ao período de férias de verão de políticos e outros) permite concluir sobre a estreita relação entre a meteorologia e a ocorrência dos referidos incêndios. Ou seja, períodos relativamente longos de precipitação entre o fim da primavera e o início do verão, e a ocorrência de ondas de calor em julho e agosto, de duração inferior a uma semana, provocam menos incêndios e, por consequência, menos área ardida.
Volta a ser assim em 2016. De acordo com relatório do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), referente ao período de 1 de janeiro a 15 de julho, este ano registaram-se 2880 ocorrências e 2174 hectares de área ardida, o que significam os melhores resultados desde 2006.
Lendo os recortes de jornais do ano em curso e comparando-os com os jornais de anos anteriores – com resultados análogos – vejo neles espelhadas as habituais manifestações de regozijo de alguns intervenientes, expressas de forma triunfalista. Tais declarações motivam uma errada perceção de que o grave problema dos incêndios rurais está resolvido, em Portugal.
Trata-se de um perigoso equívoco. Todas as causas profundas que geraram o perfil de elevado risco que caracteriza os espaços rurais do país mantêm-se quase inalteráveis, há muitos anos.
Ao longo das últimas três décadas a área ardida em Portugal tem sido crescente, sendo o país mais afetado entre os cinco países mediterrânicos (Espanha, França, Itália, Grécia e Portugal) que integram o que já foi classificado como de «clube de fogo».
É certo que desde 2006 muito se evoluiu no domínio do Combate, nomeadamente quanto a organização, meios humanos e equipamentos disponíveis. Porém, a solução para a minimização dos efeitos dos incêndios rurais (que sempre existirão) não está no Combate. Está a montante deste.
«Aceitamos como um custo de modernidade o despovoamento de vastas zonas do país e a sua consequente transformação em "santuários" para turista ver?»
A falta de uma política integrada de ordenamento do território, do qual o desordenamento florestal é consequência, representa um verdadeiro desastre.
No domínio da Proteção Civil e dos Bombeiros tem havido a preocupação de retirar lições, ao longo dos anos, e, deste modo, melhorar a eficiência do combate. Mas o que dizer do ordenamento florestal?
Onde estão os resultados dos milhões de euros investidos em projetos, estudos e outras formas mais ou menos engenhosas de alguns ganharem dinheiro?
Porque o «São Pedro» tem sido amigo, porque o espaço mediático está ocupado com outros temas e não anda à procura de incêndios, para preencher horas de emissão e agendas redatoriais, impõe-se que questionemos: para quando uma reforma profunda do espaço rural do país? Estamos condenados à litoralização de Portugal Continental? É irreversível a captura de espaços florestais pela malha urbana, aumentando assim o risco no interface entre ambas? Aceitamos como um custo de modernidade o despovoamento de vastas zonas do país e a sua consequente transformação em «santuários» para turista ver?
Outra pergunta: sabendo-se que a política do anterior Governo nesta matéria foi um verdadeiro desastre, por inação e omissão, qual a estratégia, quais as medidas, quais as ações que o atual Governo pretende desenvolver para combater as causas estruturais dos incêndios rurais que ocorrem no país?
Perguntas que urge formular, em primeiro lugar, aos governantes, mas, também, aos autarcas e a cada um de nós.
Talvez esteja na hora de discutir esta problemática na perspetiva do questionamento sobre o modelo de desenvolvimento de que o país carece, abandonando a lógica da mera contabilização das ocorrências, área ardida e meios de combate, como se esta fosse uma guerra com calendário marcado, da qual está assumido que o país jamais se libertará.
A defesa da floresta contra incêndios tem sido uma prioridade assumida por sucessivos governos, no entanto a eficácia das políticas públicas e estratégias adotadas continuam a revelar-se insuficientes quanto à sustentabilidade dos resultados alcançados. Esta evidência não se compadece com balanços precipitados nem com triunfalismos de oportunidade.
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