O TTIP está morto?

Forças progressistas na Europa e muitas ONG alertaram para os perigos da remoção indiscriminada de «obstáculos» ao comércio, pondo em causa direitos sociais e diversas regulamentações, e para a possibilidade de as corporações multinacionais processarem os estados à margem dos tribunais nacionais.

Protesto contra o TTIP na Alemanha
Créditosstop-ttip-italia.net

Quem se limite a seguir as parcas notícias sobre as rondas de negociações poderá pensar que sim.

Quem se limite a seguir a campanha eleitoral norte-americana é capaz de pensar que também o TPP, seu homólogo para o Pacífico estará morto, e que o TTIP também. De facto, Donald Trump manifesta-lhe uma visceral oposição e Hillary Clinton, que, enquanto Secretário de Estado de Obama, foi uma sua fervorosa defensora, agora, face ao amplo repúdio nacional e internacional pelo tratado, referindo-se ao TPP, já o critica, dando mesmo a entender que não irá em frente (1).

Em si mesmo o ponto em que estamos é já uma grande vitória da opinião pública à escala universal, que, face ao secretismo de anos de negociações e às revelações do Greenpeace, criou um estado geral de alerta e suscitou um formidável movimento de procura de informação e fundamentação para essa rejeição. Mais de 3 milhões de pessoas, de diferentes países da UE, subscreveram já uma petição contra o acordo de comércio livre que reclama a suspensão das negociações e a sua discussão no Parlamento Europeu (2).

O mundo confia cada vez menos na política internacional conduzida pelos EUA. Particularmente as consequências que as suas intervenções no Norte de África e Médio Oriente atingiram estão na origem dessa atitude. Quando os EUA procuram alargar os seus mercados à Europa, esmagando-a, Europa onde ao mesmo tempo projecta instalar bases de mísseis nucleares contra a Rússia, a loucura de Hiroshima e Nagasaki regressa ao campo das possibilidades. Igual sentimento percorre os países do Pacífico. E o mundo treme. Com o medo que eles querem que se espalhe.

«Cingindo-me ao TTIP, ele tem sido embrulhado como um rebuçado para disfarçar a cápsula do cianeto que vai dentro.»

Não creio porém que o TTIP e o TTP, para os que os consideram mortos, estejam enterrados. E, sim, por vezes, até acredito em bruxas.

Cingindo-me ao TTIP, ele tem sido embrulhado como um rebuçado para disfarçar a cápsula do cianeto que vai dentro. É pena, mas é a realidade, que jornais há anos tão considerados como o El País tenham perdido a lucidez e se tenham tornado em propagandistas de algo tão grave para os países e povos europeus, pelo que se sabe das suas consequências, sem conhecer vantagens substantivas. Duas passagens do que escreveu:

«A tres meses de las elecciones estadounidenses, Washington y Bruselas se disponen a dar el último empujón para encauzarlo antes de que acabe el mandato del presidente Barack Obama. El auge proteccionista y nacionalista que se respira en Occidente augura que no será sencillo.

Todos los dirigentes defienden tácitamente el marco comercial como una fuente de crecimiento y empleo para los dos grandes bloques económicos mundiales. Pero en tiempos en los que las fuerzas proteccionistas están en fuerte auge pocos salen a respaldarlo públicamente y esa actitud empaña las discusiones» (3).

Considerando que a União Europeia deve renunciar ao TTIP, as forças progressistas na Europa e muitas ONG preveniram contra a subordinação dos direitos democráticos e da soberania dos estados aos interesses das multinacionais.

Em concreto alertaram para os perigos da remoção indiscriminada de «obstáculos» ao comércio, pondo em causa direitos sociais e diversas regulamentações, e para a possibilidade de as corporações multinacionais processarem os estados à margem dos tribunais nacionais. O El País chama a isto proteccionismo e nacionalismo. Eu chamo-lhe a realidade que defrontamos e o desejo de não desaparecer na voragem das multinacionais e dos EUA.

Esta contestação tem sido desvalorizada pela Comissão Europeia, que insiste nos benefícios miríficos da criação de um mercado único com 800 milhões de pessoas, supostamente capaz de criar milhões de empregos.

Mas quais as razões que levam os seus entusiastas em aprovar à pressa o TTIP? Em declarações na feira de Hannover Messe, em Abril passado, Michael Froman, o homem forte de Obama para o comércio e investimento, declarou que não existe qualquer plano B em alternativa ao TTIP que está a ser negociado desde 2013 e que a Administração norte-americana gostaria de ver concluído até dezembro. «Ou trabalhamos juntos para estabelecer as regras do mundo ou deixamos esse papel para outros», declarou o responsável norte-americano.

Esse é um dos grandes argumentos dos defensores do TTIP, o de que os EUA e a UE, os dois maiores blocos do Ocidente, devem tomar as rédeas das trocas comerciais e investimento, sob pena de serem ultrapassados pela Rússia e por potências emergentes asiáticas como a Índia e a China. Fazem pela vida mas com opções que não interessam aos povos europeus.

«Um dos grandes argumentos dos defensores do TTIP [é] o de que os EUA e a UE (...) devem tomar as rédeas das trocas comerciais e investimento, sob pena de serem ultrapassados pela Rússia e por potências emergentes asiáticas como a Índia e a China. Fazem pela vida mas com opções que não interessam aos povos europeus.»

Juncker declarou em Abril, quando da 13.ª ronda de negociações EUA/UE, que todos os países devem mostrar que «estão a remar na mesma direcção», sob pena de o TTIP ficar em águas de bacalhau até Obama sair de malas e bagagens da Casa Branca em Janeiro, o que muito provavelmente irá ditar o fim do tratado. E as eleições seguintes na França e na Alemanha ainda mais longínqua colocarão essa possibilidade no futuro próximo, se a nova Administração americana insistir no projecto.

Mas, depois disto veio o Brexit e os EUA a manifestarem, na 14.ª ronda de negociações no passado mês de Julho, através do mesmo Michael Froman, menor interesse no assunto, porque sem a Inglaterra a UE é outra coisa, pois só esta corresponde a 25% das exportações dos EUA para a Europa e era para a Inglaterra que os EUA esperavam aumentar muito as suas exportações. Mas, do lado europeu, Ignacio García Bercero, que dirige a equipa negociadora da Comissão Europeia, afirmou que a comissária Cecilia Malmstrom se limitou a dizer que falaria com o negociador americano e, «como disse Jean-Claude Juncker, as razões para concluir o TTIP são tão fortes como no início e os dois lados têm de mostrar determinação».

Após esta 14.ª ronda de negociações entre os Estados Unidos e a Comissão Europeia, reuniram-se em Bruxelas as duas equipas de negociadores: Dan Mullaney, principal negociador dos Estados Unidos, e Ignacio García Bercero disseram: a) que o texto do tratado terá 30 títulos; b) apesar de já haver acordo na maior parte destes capítulos, há questões essenciais que ainda estão em aberto; c) fora de questão está um TTIP light (ou mais leve) que não seja ambicioso e não toque nas questões mais complexas (4).

Ainda decorrerão negociações durante o Verão e fonte europeia prevê a existência de «um texto consolidado entre as partes em Setembro».

Entre nós, o ministro Santos Silva considerou, em debate parlamentar, que criticar todo o processo que decorre entre a Comissão Europeia e os Estados Unidos «não é ilegítimo» e o «histórico mostra que devemos ser cuidadosos», e, comentando as observações críticas de PCP, BE e PEV, referiu ainda que «o TTIP não pode implicar nenhuma redução dos padrões europeus de saúde pública, segurança alimentar, salarial ou de proteção ambiental». «O acordo só vale a pena se der origem a acordo robusto e produtivo e se for benéfico para a economia orientada para a sustentabilidade e desenvolvimento». Admitiu que, tal como o PEV defendeu, o acordo deve ser ratificado pela AR. O PCP de há muito rejeita o TTIP. A direita, PSD e CDS, defendeu abertamente o acordo.

Depois da 14.ª ronda de negociações, os ministros do Comércio reúnem-se em Bratislava a 23 de Setembro mas podem contar com jornadas de protesto já em organização. Em Outubro, em dia a definir, os chefes de Estado e de Governo deverão abordar o tema na sua cimeira, seguindo-se a 15.ª ronda de negociações.

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