A saga das vacinas em Portugal está distorcida. Centra-se na condenável batota para adulteração das listas de prioridades da vacinação que, apesar da sua gravidade, funciona como cortina de fumo para esconder aspectos muito mais inquietantes do processo, o principal dos quais é a submissão do governo e a abdicação da vontade própria perante a inconcebível e corrupta estratégia de selecção, compra e distribuição conduzida pela Comissão Europeia. Uma estratégia que se guia sobretudo pelo lucro e pela secundarização da saúde pública, desvalorizando e silenciando eventuais riscos associados.
O governo português prefere não ter voz na questão das vacinas da Covid-19. Remetendo-se à velha e nefasta posição de «bom aluno», sobretudo em tudo quanto diz respeito à imposição ilegítima do federalismo, arrasta os portugueses e o seu combate à pandemia para uma estratégia discricionária e prejudicial, centrada em volumes de negócios, em monopólios abusivos, em fantasmas e fundamentalismos geopolíticos – deixando a saúde pública à mercê de entidades cuja preocupação principal é a distribuição de dividendos aos accionistas e a recompra das suas próprias acções.
«As entidades seleccionadas para constituir o monopólio têm uma particularidade em comum: fabricam as vacinas contra a Covid-19 segundo metodologias que nunca foram experimentadas em seres humanos e, neste caso, nem mesmo testadas em animais. Em causa estão a tecnologia do ARN mensageiro (mRNA), no caso da Pfizer e de Moderna; e a utilização de adenovírus de chimpanzé, no caso da AstraZeneca»
Os resultados estão à vista. Falha retumbante e permanente nos prazos de entrega assumidos pelo monopólio dos gigantes da indústria farmacêutica na sequência de contratos parcialmente secretos e que os fabricantes das vacinas nunca tencionaram cumprir, sabendo que terão sempre tolerância para o fazer. Não é por acaso que os principais colossos da fabricação de vacinas conseguem amealhar anualmente quase quatro mil milhões de dólares em fugas aos impostos. Como igualmente não é por acaso que a Comissão Europeia tenha assumido, em nome dos governos dos Estados membros, que os fornecedores de vacinas escolhidos a dedo – fugindo às próprias regras de mercado – estejam isentos de qualquer responsabilidade em eventuais danos de saúde sofridos pelos cidadãos vacinados.
Esta é, de facto, a corrupção que mina profundamente o processo europeu de vacinação contra a Covid-19. A viciação das listas das prioridades é, neste quadro, um dano colateral, mais uma manifestação da corrupção nacional instaurada e enraizada ao longo de anos e anos de gestão do chamado bloco central.
Monopólio
A Comissão Europeia, entidade não eleita que há quase um ano vem fracassando estrondosamente na defesa da saúde dos cidadãos europeus perante a pandemia de Covid-19, assumiu autoritariamente a condução do processo de vacinação em nome dos governos dos 27.
A falha no combate à pandemia não é surpresa, sabendo-se que as pessoas nunca foram a preocupação da Comissão, como demonstram a generalização da política de austeridade e o descrédito absoluto do mito da «Europa dos cidadãos».
Por isso, entregar-lhe uma questão de vida ou de morte como é a da vacinação é um erro pelo qual os governos deverão ser responsabilizados. Uma irresponsabilidade que assume proporções de atentado contra a saúde das populações e mina o tremendo e desumano esforço que está a ser desenvolvido pelos profissionais do sector.
«Tendo em conta que está em causa o bem mais precioso das pessoas, a sua saúde, a Comissão Europeia e os governos não poderiam nem deveriam encerrar-se num processo estanque entregue a um monopólio pouco fiável em termos de respeito pela condição humana»
Como era de esperar, a Comissão Europeia entregou um processo tão sensível como o da vacinação ao monopólio dos gigantes farmacêuticos, neste caso representados pela alemã e norte-americana Pfizer em aliança com alemã BioNTech; e pela norte-americana Moderna, guiada por Bill Gates & Cia e protegida pela chamada «Aliança das Vacinas» (GAVI), na chefia da qual foi empossado recentemente Durão Barroso – e fica tudo dito. Como terceiro vértice do negócio, a Comissão tolerou a britânica e sueca AstraZeneca.
Os contratos acordados, e que estabelecem o compromisso de fornecimento de centenas de milhões de doses de vacinas, são parcialmente secretos. Informações sobre os seus conteúdos foram remetidas aos membros do Parlamento Europeu em versões censuradas.
O que diz bastante sobre a transparência do processo.
Bruxelas não se dignou explicar aos cidadãos as razões deste monopólio; em seu entender nem tem de fazê-lo. Sabe que as pessoas estão dramaticamente ansiosas pelas vacinas, pelo que não se questionam sobre quem e como as fabrica. E dispensam até a informação que lhes é devida por parte de quem fez as escolhas. Como já há muito vem dizendo o inevitável criminoso de guerra Henry Kissinger, não há como situações de medo e desconhecimento para que as pessoas se coloquem de bom grado sob poderes discricionários e autoritários.
As entidades seleccionadas para constituir o monopólio têm uma particularidade em comum: fabricam as vacinas contra a Covid-19 segundo metodologias que nunca foram experimentadas em seres humanos e, neste caso, nem mesmo testadas em animais.
Em causa estão a tecnologia do ARN mensageiro (mRNA), no caso da Pfizer e de Moderna; e a utilização de adenovírus de chimpanzé, no caso da AstraZeneca. Se isso é absolutamente seguro, na verdade não se sabe bem. As agências reguladoras que respondem perante a Comissão Europeia e os governos postulam que sim, que não há perigo. No entanto, basta consultar a base de dados de ensaios clínicos da Biblioteca Nacional dos Estados Unidos para ficar a saber-se, através do exemplo da Pfizer, que as vacinas da Covid-19 estão a ser ministradas ainda em período de testes. Percebe-se nessa documentação que a fase experimental iniciou-se em 29 de Abril de 2020; a fase das primeiras conclusões terminará somente em 3 de Agosto deste ano de 2021; e a data prevista para conclusão do estudo é apenas 31 de Janeiro de 2023.
«Incidências»
Apesar da situação de emergência que o mundo atravessa – e até por causa disso - um salto no escuro como este exige mais prudência verificada do que tranquilizações apressadas. Exige, sobretudo, informação e esclarecimento, que não são o forte deste processo.
Não é necessário investigar muito fundo através da internet para se perceber que existem casos de sintomas registados após a vacinação merecedores de explicações mais satisfatórias do que «situação normal», «coincidência» ou «a vacina não pode induzir a Covid-19».
«Alargando horizontes, a Comissão Europeia proporcionaria uma capacidade de escolha informada aos cidadãos e reforçaria a quantidade, minimizando os riscos de ruptura de abastecimentos»
Em Israel, por exemplo, onde decorre a mais vasta campanha de vacinação realizada até agora, com utilização do produto da Pfizer, 12 400 dos 189 mil vacinados testaram depois positivo à Covid-19 (6,2%), 69 dos quais já após as duas doses: 5,3% até ao sétimo dia, 8,3% entre o oitavo e o 14.º dia, 7,2% entre o 15.º e o 21.º dia e 2,6% entre o 22.º e o 28.º dia.
Por outro lado, no Sistema de Registo dos Efeitos Adversos das vacinas contra a Covid-19 do CDC dos Estados Unidos, VAERS, foram inseridas 9645 incidências até 22 de Janeiro, entre as quais 329 casos mortais, em pessoas que receberam vacinas da Pfizer e da Moderna. Trata-se de uma base de dados aberta e passiva onde são inscritos voluntariamente os casos registados – e que constituem uma pequena parte da realidade. O CDC considera que os números «estão dentro do esperado» e que não permitem deduzir que exista uma relação de causa e efeito entre a vacinação e os efeitos registados. Outras agências de controlo de doenças, designadamente a britânica e a europeia, procedem exactamente da mesma maneira perante a apresentação de situações adversas surgidas depois da vacinação.
Alargar horizontes
Na sua ânsia de conduzir o processo de acordo com os interesses que serve, os dos gigantes da indústria de medicamentos, a Comissão Europeia pôs claramente o carro à frente dos bois e arrastou os governos dos Estados membros numa estratégia infundamentada e sanitariamente arriscada.
Tendo em conta que está em causa o bem mais precioso das pessoas, a sua saúde, a Comissão Europeia e os governos não poderiam nem deveriam encerrar-se num processo estanque entregue a um monopólio pouco fiável em termos de respeito pela condição humana.
«existem governos, certamente não tão "bons alunos" como o de Lisboa, que começaram a traçar caminhos próprios para cuidar da saúde dos seus. O húngaro, do famigerado Orban, comprou vacinas russas; o sueco, farto de tanta espera, está a fazer o seu próprio contrato bilateral com a AstraZeneca; a Alemanha – a própria Alemanha, imagine-se – encara a possibilidade de fabricar a Sputnik V moscovita»
Tanto mais que, nos mais puros termos de mercado, existe ampla concorrência em relação à Pfizer, à Moderna e à AstraZeneca. Alguma dela com a vantagem de não ter aproveitado a ocasião para inventar através do recurso a metodologias nunca experimentadas em seres humanos e optar pela imunização à Covid-19 segundo modos mais tradicionais e cientificamente comprovados de produção de vacinas. É o caso, entre outros exemplos, da Coronavac chinesa e da Sputnik V russa. Que estão também elas em fase experimental, porque reduziram o período de duração dos testes e, no caso da russa, saltou também a fase de experiência em animais. Porém, têm a vantagem de resultar de métodos conhecidos e já com décadas de existência e prática, portanto com um histórico de efeitos e incidências menos sujeitos ao risco do desconhecido. A saúde de milhões de pessoas mereceria pelo menos que se pensasse nessas variantes.
Alargando horizontes, a Comissão Europeia proporcionaria uma capacidade de escolha informada aos cidadãos e reforçaria a quantidade, minimizando os riscos de ruptura de abastecimentos.
A Coronavac e a Sputnik V, no entanto, têm a inultrapassável desvantagem de desafiarem o garbo geopolítico ocidental, que pretende convencer as suas opiniões públicas de que sociedades tão «maléficas» não são capazes de produzir medicamentos pelo menos tão bons e eficazes como os dos monopólios farmacêuticos «civilizados».
Que não seja por isso. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, há quase 200 processos no mundo para produção de vacinas contra a Covid-19. Situação que aconselharia a Comissão Europeia e os Estados membros a estudar mais atentamente esses casos e a pesar de maneira muito mais fundamentada e eficaz a defesa do interesse que deveria estar no topo de tudo: a saúde pública.
Há, evidentemente, mais por onde escolher do que a Pfizer, a Moderna e a AstraZeneca com o seu penoso cortejo de atrasos, incumprimentos, garantias insuficientemente fundamentadas e ameaças para cidadão ver. A abundância prometida e contratada de centenas de milhões de doses transformou-se numa arrastada entrega de milhares, aos poucos e arrancada a ferros.
Por isso existem governos, certamente não tão «bons alunos» como o de Lisboa, que começaram a traçar caminhos próprios para cuidar da saúde dos seus. O húngaro, do famigerado Orban, comprou vacinas russas; o sueco, farto de tanta espera, está a fazer o seu próprio contrato bilateral com a AstraZeneca; a Alemanha – a própria Alemanha, imagine-se – encara a possibilidade de fabricar a Sputnik V moscovita.
A estratégia da Comissão Europeia começa a abrir rombos. O receio é que o governo português se lhe mantenha fiel até ao naufrágio anunciado.
José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril
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