Teve lugar no domingo, dia 2, a contagem dos votos das eleições para as assembleias legislativas dos estados de Kerala, Tamil Nadu, Bengala Ocidental, Assam e o Território da União de Puducherry.
As eleições foram celebradas ao longo de Abril e o período de campanha ficou marcado pelo discurso de ódio, a tentativa de manipulação e polarização religiosa, bem como por episódios de violência orquestrados pelo Bharatiya Janata Party (BJP) ou pela máquina ao seu serviço, situações que foram tendo eco na imprensa e que o Partido Comunista da Índia (Marxista) – PCI(M) – denunciou recentemente em comunicado.
Nos estados do Extremo Sul – Kerala e Tamil Nadu –, o discurso de polarização e ataque promovido pelo BJP saiu-lhe pela culatra, tendo sofrido derrotas arrasadoras. Em Bengala Ocidental, embora reforçando a sua presença, ficou a longa distância do partido vencedor.
Kerala: vitória por ampla margem da Frente de Esquerda
A Frente Democrática de Esquerda (FDE), liderada pelo PCI(M), conquistou 99 dos 140 assentos da Assembleia estadual (mais oito que em 2016). Os restantes 41 são agora ocupados pela Frente Democrática Unida, liderada pelo Partido do Congresso, e o BJP perdeu o único assento parlamentar que detinha. Desta forma, Kerala passa a ser o único estado sem representação parlamentar do partido de extrema-direita que governa a Índia.
O estado indiano, com 35 milhões de habitantes, regista 576 casos de coronavírus e 4 mortes. O governo local, liderado por comunistas, e a sua ministra da Saúde têm sido louvados pela contenção da doença. KK Shailaja, ministra da Saúde do estado de Kerala (Sul da Índia), começou a preparar-se para a epidemia de Covid-19 logo a 20 de Janeiro, depois de ter lido que um novo vírus perigoso se estava a disseminar na China. Três dias depois, ainda antes de o estado ter registado o primeiro caso de Covid-19, a ministra manteve uma reunião com a sua equipa de resposta rápida. No dia seguinte, a 24 de Janeiro, já existia em Kerala uma sala de controlo para lidar com a nova situação e foram dadas ordens ao funcionários da Saúde nos 14 distritos do estado para começarem a fazer o mesmo a nível local, explica o The Guardian. Quando, a 27 de Janeiro, houve registo do primeiro caso, o estado de Kerala já tinha começado a aplicar o protocolo da Organização Mundial da Saúde: testar, investigar contactos, isolar e apoiar. Quatro meses volvidos, Kerala regista apenas 576 casos de pessoas infectadas com o novo coronavírus e quatro mortes. O êxito no controlo da pandemia tornou-se conhecido e levou o jornal inglês a falar com a ministra, para tentar perceber como um estado no extremo Sul da Índia, com muito menos recursos que o Reino Unido ou os Estados Unidos, tem um número tão baixo de casos e mortes, por comparação com os países referidos (cerca de 34 mil e 88 mil mortes, respectivamente). Em Janeiro, três passageiros provenientes da China que tinham febre à chegada foram hospitalizados – confirmando-se depois que tinham Covid-19 – e os restantes passageiros do avião tiveram de ficar em quarentena. A doença foi então contida, mas, em Fevereiro, uma família local que regressava de Veneza não referiu com precisão o seu trajecto de viagem; posteriormente, as autoridades detectaram seis casos de infecção com o novo coronavírus entre as pessoas que tinham contactado com eles e conseguiram conter novamente a disseminação da doença. Entretanto, foram chegando ao estado muitos trabalhadores que haviam emigrado para países do Golfo Pérsico, alguns dos quais infectados. A 23 de Março, os aeroportos internacionais de Kerala fecharam e, dois dias depois, a Índia entrou em confinamento. No pico da pandemia, 170 mil pessoas chegaram a estar sob observação das autoridades de saúde; aqueles que não tinham casa de banho em casa foram alojados às custas do governo local em unidades de isolamento improvisadas. Além disso, 150 mil trabalhadores migrantes de outros estados indianos, que ficaram presos em Kerala por causa do confinamento obrigatório, foram alimentados com três refeições por dia durante seis semanas, estando agora a ser enviados para suas casas de comboio, explicou a ministra ao The Guardian. Shailaja Teacher (a professora Shailaja), como é conhecida – por ter sido professora de Ciências no ensino secundário –, nasceu, em 1956, no seio de uma família progressista e com ligações à política. Ao crescer, viu como o Partido Comunista da Índia (Marxista) – PCI (M) – teve um papel destacado nos governos do estado (desde 1957) e assistiu à construção, desde a base, do chamado «modelo de Kerala». A reforma agrária, o sistema público de saúde descentralizado e o investimento público na educação são marcas desse «modelo». «Cada aldeia tem um centro de saúde primário e há hospitais em todos os níveis de administração, além de dez universidades médicas», refere o The Guardian. Acrescenta que nenhum estado indiano investiu tanto na saúde primária como Kerala, que tem a mais alta esperança média de vida e a mais baixa taxa de mortalidade infantil da Índia; é também o estado com o nível mais elevado de literacia. A ministra da Saúde afirma: «Se o modelo de Kerala não existisse, a resposta do governo à Covid-19 não teria sido possível.» Quando o PCI (M) assumiu o poder, em 2016 – liderando uma coligação de esquerda –, empreendeu uma modernização do sistema de saúde. A criação de um registo para doenças respiratórias – que é um problema de primeira ordem na Índia – ajudou muito as autoridades a lidar com o coronavírus, sublinha Shailaja. Além disso, com o surto, cada um dos 14 distritos do estado teve de dedicar dois hospitais à Covid-19 e cada faculdade médica foi obrigada a reservar 500 camas. Como havia falta de testes – sobretudo depois de a doença atingir em força países mais ricos –, estes foram feitos inicialmente só a doentes com sintomas e aos seus contactos mais próximos, bem como aos trabalhadores mais expostos. Em 2018, as autoridades de saúde de Kerala detectaram um caso de infecção causado pelo vírus Nipah – encontrado pela primeira vez na Malásia em 1998 e transmitido pelos morcegos da fruta. A rápida contenção do surto, com o isolamento de casos suspeitos, levou a que o número de contágios e mortes fosse muito baixo. Tanto o governo liderado por Pinarayi Vijayan como KK Shailaja foram elogiados pelo seu trabalho. «O Nipah preparou-nos para a Covid-19 porque nos ensinou que uma doença altamente contagiosa para a qual não existe tratamento ou vacina deve ser levada a sério», afirma a ministra, que goza de muita popularidade e a quem chamam a «destruidora do coronavírus». Agora, o estado de Kerala está a preparar-se para uma eventual segunda vaga, que poderá chegar com o regresso de mais emigrantes dos países do Golfo quando as fronteiras forem reabertas. «Vai ser um grande desafio, mas estamos a preparar-nos para isso», disse a ministra da Saúde e militante comunista ao The Guardian. «Há os planos A, B e C (para o pior cenário), que implica requisitar 165 mil camas a hotéis, pensões e centros de conferências», explicou, acrescentando que a aposta passa também pela investigação dos contactos, estando professores a ser treinados para essa tarefa. Quando a segunda vaga passar – se chegar a haver alguma –, estes professores voltarão para as escolas. E é exactamente isso que ela espera fazer, assim que terminar o seu mandato, depois das eleições do próximo ano. Questionada sobre o segredo para combater a Covid-19, respondeu: «Planeamento adequado.» Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Covid-19: planeamento e investimento público na base do êxito de Kerala
Propagação, medidas de controlo e de apoio social
Uma ministra comunista de um governo liderado por comunistas
A «destruidora do coronavírus»
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Outro facto importante é o de, pela primeira vez nos últimos 40 anos, a aliança que estava no poder ir continuar a governar, quando a norma tem sido a alternância.
Tanto o Partido do Congresso como o BJP recorreram a múltiplos esquemas para evitar que isto acontecesse, que passaram por campanhas de ataque pessoal e manipulação mediática para desacreditar o trabalho realizado nos últimos cinco anos pela FDE.
Em declarações ao portal ndtv.com, o ministro-chefe Pinarayi Vijayan declarou que a vitória da Frente de Esquerda significava a derrota da polarização religiosa promovida pelo BJP e também dos esforços empenhados para derrotar a esquerda.
Neste contexto, criticou o partido de Rahul Gandhi por se centrar em Kerala, quando o devia fazer noutros estados da Índia, onde o adversário é o partido fundamentalista hindu e de extrema-direita de Narendra Modi.
Em seu entender, o povo de Kerala voltou a escolher a FDE por causa das medidas tomadas a favor das populações pelo governo, que ganhou grande apoio popular pela forma como lidou com a primeira vaga da pandemia de Covid-19 – enaltecida também fora do país – e pela política consistente de apoio social em tempos de crise.
Além disso, fez frente à divisão religiosa em que outros apostaram e investiu fortemente na Saúde pública e na Educação.
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