No âmbito do processo lançado pelo Ministério do Interior (Migob) e pelo Ministério Público, foram notificados, no passado dia 20, três ex-directores da auto-dissolvida Fundación Violeta Barrios de Chamorro para la Reconciliación y la Democracia, para que respondam pelas «inconsistências» detectadas nos relatórios financeiros correspondentes ao período 2015-2019.
Deste modo, afirma o jornalista Francisco G. Navarro numa peça publicada na passada segunda-feira, voltou à tona um assunto que, porventura, a oposição julgava esquecido.
O que está em causa, explica, é o financiamento que, proveniente sobretudo de instituições norte-americanas – tendo como bandeira a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) –, entrou às mãos cheias na última década nas arcas de organizações não governamentais (ONG) da Nicarágua, que foram instrumentos políticos para a aplicação do chamado golpe brando contra o governo liderado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).
Numa nota de imprensa, o Ministério do Interior afirmou que «a Fundación Violeta Barrios de Chamorro incumpriu gravemente as suas obrigações perante a entidade reguladora e, da análise aos estados financeiros [do] período 2015-2019, obtiveram-se claros indícios de lavagem de dinheiro; pelo que o Migob informou o Ministério Público com vista à investigação correspondente».
O jornalista Max Blumenthal trouxe mais luz sobre a ingerência norte-americana na Nicarágua, centrando-se na ajuda de NED-USAID à «insurreição» e no giro de dirigentes estudantis do golpe em Washington. No artigo intitulado «Máquina intervencionista da administração norte-americana vangloria-se de "preparar o terreno para a insurreição" na Nicarágua», publicado recentemente pelo jornalista norte-americano Max Blumenthal em The Gray Zone Project, as teorias conspirativas do golpe com apoio gringo – para o qual o governo sandinista tem chamado a atenção – ganham densidade. «Se alguma imprensa mainstream tem procurado retratar o violento movimento de protesto na Nicarágua como uma corrente progressista de base, os líderes estudantis do país deixaram entender outra coisa», afirma-se no texto, que lembra como, no início deste mês, os líderes estudantis nicaraguenses, com papel destacado no movimento de oposição a Daniel Ortega, se deslocaram a Washington, sendo acolhidos pela Freedom House, ONG de direita que financiou a sua viagem, e procurando o apoio no seio da administração dos EUA e da fina flor da extrema-direita intervencionista – vide Ted Cruz ou Mark Rubio –, com quem se reuniram e posaram para a fotografia. Também foram recebidos por altos funcionários do Departamento de Estado e por Mark Green, presidente da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), caracterizada por Blumenthal como a organização do soft power da administração norte-americana. Na mesma altura, a investir contra a «ditadura de Ortega», fez-se representar na Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, uma delegação da oposição liderada por Félix Maradiaga, presidente do Instituto de Estudos Estratégicos e Políticas Públicas (IEEPP) de Manágua, que, segundo Blumenthal, recebeu pelo menos 260 mil dólares da Fundação Nacional para a Democracia (NED, na sigla em inglês) desde 2014. As subvenções destinavam-se a apoiar o trabalho do IEEPP na área da educação de activistas, com vista «a fomentar o debate e gerar informação sobre segurança e violência». O financiamento também se destinava a cobrir os esforços para monitorizar a «presença crescente da Rússia e da China na região», refere-se no texto. Sobre Maradiaga, Max Blumenthal afirma que a sua agenda veio à tona mal se iniciaram os protestos violentos na Nicarágua contra Ortega. «Ex-líder do Young World Forum, educado em Yale e Harvard, foi elogiado por La Prensa por "suar, sangrar e chorar ao pé dos jovens estudantes que lideraram os protestos na Nicarágua"», que, de acordo com a informação ontem divulgada pela Comissão da Verdade, Justiça e Paz, já provocaram 194 vítimas mortais. Enquanto Maradiaga estava em Washington, a Polícia nicaraguense acusou-o de supervisionar uma rede criminiosa organizada que assassinou várias pessoas durante os ataques violentos no país centro-americano. Maradiaga afirmou ser vítima de uma «perseguição política» e classificou as acusações como «ridículas», mas, entretanto, adiou o regresso à Nicarágua, recebendo total apoio do Departamento de Estado dos EUA. O grupo Hagamos Democracia é o que mais fundos recebe da NED – 525 mil dólares desde 2014. De acordo com Blumenthal, o presidente do grupo, Luciano García, que supervisiona uma rede de repórteres e activistas, declarou que Ortega transformou a Nicarágua num «Estado falido», tendo exigido a «sua demissão imediata». O autor afirma que a NED procurou esconder bem a identidade das organizações que financiava para alimentar a oposição a Daniel Ortega, mas estas eram bem conhecidas na Nicarágua. No entanto, quem mais dinheiro «investe» contra os governos de «orientação socialista na América Latina» é a USAID. Só na Nicarágua, o orçamento desta organismo centrado na ingerência, no intervencionismo e na desestabilização «ultrapassou os 5,2 milhões de dólares em 2018», na sua maioria destinados ao «treino da sociedade civil e de meios de comunicação social». No dia 1 de Maio, cerca de um mês antes do giro da direita em Washington, Benjamin Waddell, director académico da School for International Training in Nicaragua, afirmou sem rodeios numa publicação financiada pela NED que «organizações apoiadas pela NED passaram anos e milhões de dólares a "criar as bases para a insurreição" na Nicarágua». Publicado no Global Americans – um portal noticioso centrado na América Latina –, o artigo de Waddell «vangloria-se abertamente da ingerência dos EUA», afirma Blumenthal, que sublinha o carácter «francamente sincero da avaliação do impacto dos investimentos realizados pela NED» na sociedade nicaraguense. De «forma inadvertida», as conclusões do autor fazem eco das do presidente sandinista Daniel Ortega e seus apoiantes, que «enquadraram os protestos no âmbito de um golpe cuidadosamente montado e apoiado até aos dentes por Washington», frisa Blumenthal. Numa publicação financiada pela NED, Benjamin Waddell salienta o «engano» da imprensa internacional ao descrever a «rápida escalada de distúrbios» na Nicarágua «como uma explosão espontânea de descontentamento colectivo», desencadeada, entre outros factores, pelas mudanças do governo no sistema de Segurança Social. Waddell esclarece: «Se é verdade que havia causas subjacentes à confusão enraizadas na má administração e na corrupção do governo, é cada vez mais claro que o apoio dos Estados Unidos teve um papel no fomento dos levantamentos actuais.» Noutra passagem igualmente esclarecedora e «sem rodeios», destacada por Blumenthal, Waddell afirma que «o actual envolvimento da NED na alimentação de grupos da sociedade civil na Nicarágua deita luz sobre o poder do financiamento transnacional de influir nos resultados políticos no século XXI». Waddell defende os resultados da NED e nem se esquece do seu papel nas Primaveras Árabes... Ainda em relação à Nicarágua, afirma que o organismo intervencionista norte-americano gastou 4,1 millhões de dólares entre 2014 e 2017, financiando 54 «projectos» para «criar as bases para a insurreição» – a «mudança», em versão posterior, alterada do texto. 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A trama do golpe: os milhões da NED e «estudantes» a pedir apoio em Washington
Maradiaga na OEA
A ingerência, dita sem rodeios
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Assim, foram intimados a depor Cristiana Chamorro, Walter Antonio Gómez e Marco Antonio Fletes, que eram, respectivamente, representante, administrador financeiro e contabilista geral no momento em que a fundação decidiu encerrar as operações.
No passado dia 5 de Fevereiro, Chamorro, filha da ex-presidente nicaraguense Violeta Barrios, anunciou a suspensão das actividades da fundação, negando-se a aceitar a Lei de Regulação de Agentes Estrangeiros, aprovada pela Assembleia Nacional a 15 de Outubro do ano passado.
Essa legislação regulamenta «as pessoas naturais e jurídicas que respondam a interesses e financiamento estrangeiros e o utilizem para realizar actividades que derivem em ingerência de governos ou organizações nos assuntos internos da Nicarágua». Dois meses depois, o Parlamento aprovou a «Lei de defesa dos direitos do povo à independência, à soberania e autodeterminação para a paz».
Chamorro, que entretanto lançara, sem apoio partidário, a sua candidatura à Presidência da República, com vista às eleições de Novembro próximo, tinha de depor no Ministério Público pela presumível prática do «crime de lavagem de dinheiro e de activos em prejuízo do Estado e da sociedade», de acordo com o exposto pelo Migob.
Dinheiro para a subversão
Entre Abril e Julho de 2018, lembra Navarro no texto publicado pela Prensa Latina, o governo nicaraguense teve de enfrentar uma tentativa de golpe de Estado, que, «longe do carácter conjuntural com que foi apresentada pelos grandes órgãos de comunicação social, fez parte de uma estratégia de derrube traçada e executada pela Usaid para o período 2010-2020».
Um relatório publicado pela organização Behind Back Doors revela que, nessa fase, a agência governamental dos EUA destinou inicialmente 68,4 milhões de dólares ao financiamento da preparação do golpe e, em 2016, juntou-lhe mais 7,9 milhões, de modo a reforçar a implementação de vários programas.
O presidente do Banco Central da Nicarágua informou os participantes na 4.ª edição do Fórum de Amor, Paz e Solidariedade sobre os avultados danos económicos provocados pela «crise política» no ano passado. Intervindo no Quarto Fórum de Amor, Paz e Solidariedade, que teve lugar recentemente em Manágua, Ovidio Reyes, presidente do Banco Central da Nicarágua (BCN), sublinhou que quando a intentonta golpista teve início, a 18 de Abril, o país centro-americano mostrava «indicadores económicos encorajadores», nomeadamente um investimento externo de 12% e exportações acima dos 5000 milhões de dólares. No que respeita ao sector do Turismo, a indústria estava em franco crescimento, tendo o país acolhido cerca de 500 mil visitantes nos três primeiros meses de 2018. A expectativa era de que se ultrapassasse os 2 milhões de turistas. «Uma coisa tremenda, mas que estancou», disse, precisando que, dos «960 milhões de dólares previstos, o sector apenas deve registar um lucro de 540 milhões». Reyes disse que as acções violentas associadas à intentona golpista, orquestrada por Washington, levaram a um decréscimo para metade no investimento estrangeiro (cerca de 700-800 milhõe de dólares). Para além disto, o BCN estima que a tentativa de golpe contra o governo legítimo do país tenha provocado danos económicos globais no valor de 1110 milhões de dólares. O número de desempregados disparou para 130 mil, revela a Prensa Latina. Apesar de tudo, valorizou a capacidade de resistência da Nicarágua e o seu «sólido sistema financeiro», já que «dez anos seguidos de progresso e muita poupança» tinham permitido «acumular forças», disse. «Com três meses de agitação social e pressão, as pessoas ficaram nervosas e os depósitos diminuíram 27%», disse, explicando que, noutros países, isso teria significado «o descalabro». A este propósito, lembrou o que aconteceu na Argentina quando houve uma quebra de 15% nos depósitos: colapso e desvalorização da moeda. «E receberam uma injecção substancial por parte de organismos internacionais – 60 mil milhões de dólares – e a Nicarágua zero, o que significa que o país estava mais bem preparado que qualquer outro», frisou, citado pelo portal tn8.tv. A quarta edição do Fórum de Amor, Paz e Solidariedade decorreu na capital do país, Manágua, nos dias 10 e 11 de Janeiro, tendo contado com a participação de mais de 50 representantes de cerca de duas dezenas de países. Presente no encontro, o deputado da Duma Estatal russa e vice-presidente do Partido Comunista da Federação Russa, Dimitri Novikov, disse à Prensa Latina que testemunhou o apoio do povo ao governo sandinista. Lembrou que, para a Casa Branca, a Nicarágua faz parte do «triângulo do mal» em que se incluem a Venezuela e Cuba, e defendeu a necessidade de expressar a solidariedade a estes países – que «desejam manter a sua soberania» – face à «agressividade do imperialismo norte-americano». Por seu lado, o presidente do Instituto Cubano de Amizade com os Povos, o herói cubano Fernando González, defendeu o direito da Nicarágua a viver em paz. Também em declarações à Prensa Latina, González afirmou que a tentativa de golpe levada a cabo entre Abril e Julho do ano passado no país centro-americano se enquadra na estratégia de ataques contra o governo bolivariano na Venezuela, do golpe parlamentar contra a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff e do encarceramento injusto de Lula da Silva. Sobre o Fórum, este herói cubano, que passou mais de 17 anos nos cárceres dos EUA e foi libertado em 2014, valorizou a informação recebida da parte de membros do governo nicaraguense, de deputados, académicos e comunicadores acerca do que se passou no país em 2018 – uma violência aparentemente anárquica, mas que foi bem orquestrada e que apresenta semelhanças com as «guarimbas» na Venezuela em 2017. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Intentona na Nicarágua provocou danos no valor de 1100 milhões de dólares
«Direito a viver em paz»
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Em declarações à imprensa, Wilfredo Navarro, deputado e segundo secretário da Junta Directiva da Assembleia Nacional, não hesitou em denunciar a utilização do financiamento recebido pela ONG de Chamorro. «Através da sua fundação, lavaram e fizeram entrar mais de 15 milhões de dólares para financiar o falhado golpe de 2018 e jornalistas mercenários», disse.
«Entre a Fundación Chamorro, Cinco (ONG de outro filho da ex-presidente, Carlos Fernando) e outras, lavaram e fizeram entrar mais de 30 milhões de dólares para pagar aos assassinos e torturadores, autores da dor, destruição e morte no golpe falhado de 2018. Nem a justiça divina, nem a da terra os perdoará. As suas mãos estão cheias de sangue», acrescentou o presidente do Movimiento Liberal Constitucionalista Independiente, aliado da FSLN.
Abrigo de meios de comunicação contra a Frente Sandinista
No contexto da tentativa de golpe e à sombra da fundação, surgiram vários órgãos de comunicação que tinham como arma a desinformação e objectivo o ataque à FSLN, afirma Francisco Navarro, lembrando a «curiosidade» – bastante destacada pela militância de esquerda nos últimos dias – de nenhum desses meios de comunicação contar com publicidade e estarem localizados num dos edifícios mais «luxuosos» da capital.
Neste contexto, que envolve uma ONG que servia de ponta de lança à tentativa de derrubar o governo constitucional da Nicarágua, o presidente Daniel Ortega, numa das suas intervenções públicas, «pôs os pontos nos i».
«Aqui, o embaixador yanqui anda de cima para baixo a vender os seus candidatos, como se fosse nicaraguense. […] Se quer vender candidatos, que os vá vender aos Estados Unidos […]. O embaixador yanqui que não se meta aqui. […] para que os partidos políticos aceitem o candidato que o yanqui quer, deve pensar que ainda estamos nos tempos da ocupação», disse o chefe de Estado, lembrando que os representantes diplomáticos da União Europeia trabalham na mesma linha.
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