O relatório da OCDE (Education at a glance) refere que, em Portugal, o gasto com a educação básica e secundária é de cerca de 1 500 euros por aluno, abaixo da média dos países daquela organização. Considerando a existência de 1 300 000 alunos nesta situação, seriam necessários mais cerca de 1 950 milhões de euros para se atingir o valor médio do conjunto dos 36 países. Mesmo assim, não chegaria para alcançar os 6% do PIB que as organizações internacionais recomendam para a Educação.
No primeiro dia do terceiro período do corrente ano lectivo, a Fenprof vai entregar uma petição, com mais de 20 mil assinaturas de profissionais do sector de todo o País, na Assembleia da República. Sob o lema «reclamamos justiça, efectivação dos nossos direitos e respeito por horário de trabalho», a Federação Nacional de Professores (Fenprof/CGTP-IN) recolheu a assinatura de dezenas de milhares de docentes. O objectivo é colocar na agenda parlamentar, já no início desta legislatura, as preocupações do sector da educação. As medidas exigidas pelos signatários mais não são do que uma valorização, efectiva, da sua profissão: a «recomposição da sua carreira, uma avaliação justa, um regime específico de aposentação, a eliminação da precariedade e o fim dos abusos e ilegalidades nos horários de trabalho». O Governo já definiu as provas de avaliação e aferição a realizar no final de ano lectivo, representando uma enorme sobrecarga para os professores sem qualquer benefício para os alunos. No caso do 12.º ano, continuarão em vigor as «normas do ano anterior», acrescendo a informação divulgada ontem de que os exames se limitarão «às disciplinas específicas para acesso ao ensino superior». Até aqui, a Federação Nacional de Professores (Fenprof/CGTP-IN) não vê problemas, à excepção do enorme atraso na definição destas regras. O que a Fenprof não esperava, explica em comunicado enviado ao AbrilAbril, «é que se mantivessem as provas de aferição dos 2.º, 5.º e 8.º anos, assim como a prova final de 9.º ano, ainda que apenas com carácter de aferição». Depois de dois anos de pandemia, com grandes limitações ao normal funcionamento das escolas, importava agora «canalizar o esforço para o trabalho com os alunos, incluindo o de recuperação de défices». Terminam esta terça-feira os exames nacionais do ensino secundário, com a realização das últimas provas em segunda fase. Perante um método de avaliação que é tudo menos consensual junto da comunidade educativa, o AbrilAbril foi à conversa com quem, na escola, vive o seu dia-a-dia sob este peso. O ensino secundário – mas também o ensino básico por via das provas finais e de aferição – tem a sua vida profundamente condicionada pelos exames nacionais, no que respeita a programas e métodos de aprendizagem. A sua existência é contestada por muitos estudantes desde a sua criação, sendo objecto de mobilizações todos os anos por aqueles que não se resignam a esta realidade. Este ano lectivo não foi excepção e, para além de acções concretas realizadas, os estudantes de todo o País uniram-se através das redes sociais aderindo ao mote #examesnão. Existem duas questões que são reiteradamente levantadas para dar razão à existência e manutenção dos exames nacionais. Uma, é o acesso ao Ensino Superior, e em que estas provas são consideradas como a única via possível de o fazer. Outra é a alegada igualdade que os exames nacionais garantem na avaliação, tratando por igual todos aqueles que os elaboram durante as suas duas ou três horas. O AbrilAbril foi assim à conversa com dois estudantes e um professor. Ouvimos o Simão Bento (SB), estudante na Escola Secundária Luís de Camões, em Lisboa, que é também presidente da sua Associação de Estudantes, Laura Rebelo(LR), estudante da Escola de Tecnologias Inovação e Criação (ETIC), estudante do ensino profissional, e Jorge Gonçalves (JG), que lecciona no Agrupamento de Escolas Nun’Álvares, no Seixal. Três realidades diferentes. Por um lado, a perspectiva de quem procura ensinar com estas provas a jusante. Por outro, a realidade que os exames nacionais deixam naqueles que os têm de fazer, mesmo com diferenciação de programas curriculares. SB: A contestação dos exames nacionais não é recente. Desde o seu início que os estudantes têm procurado, pela via da luta, a sua abolição, de forma a garantir a existência de um sistema de ensino mais justo e igual, que fomente a cooperação em vez da competição. Sendo esta realidade indissociável da luta pela escola pública, gratuita, democrática e de qualidade, que a nossa Constituição da República consagra. LR: Eu olho para esta realidade com insatisfação. A pretexto da ideia de que a introdução dos exames serviria para facilitar a avaliação dos estudantes, o que sucede é que [os exames] vieram contribuir para que muitos dos estudantes não sejam avaliados enquanto indivíduos e com base nos seus conhecimentos e características pessoais. Isso leva à perda do potencial de muitos estudantes, e penso que isso tem mudar com urgência. JG: Os exames e provas, tal como estão implementados, são elementos de destabilização do funcionamento das escolas, desvalorização da avaliação contínua e do próprio processo de ensino-aprendizagem, do esforço dos alunos e do papel dos professores durante todo o ano lectivo. SB: O argumento que sustenta esta tese é, no mínimo, falacioso. Não podemos falar desta barreira que garante uma suposta igualdade quando os estudantes, que são vistos cada vez mais como mercadoria submissa às leis do mercado, partem de situações e posições socio-económicas diferentes. A avaliação contínua e justa, levada a cabo pelos professores, é a única que tem em conta as especificidades de cada um e que pode contribuir realmente para a formação de um indivíduo crítico, capaz de transformar e contribuir de forma democrática para a sociedade. Os exames servem apenas para elitizar o Ensino Superior o que, a par do numerus clausus e da capacidade financeira e social de cada família, obriga a que cada estudante e que cada família chegue ao momento de avaliação num patamar tremendamente desigual. Ainda há algumas diferenças de opinião sobre estes assuntos, sendo que é cada vez mais consensual a injustiça associada a este sistema de avaliação. LR: A aprendizagem de cada estudante é, naturalmente, subjectiva. Eu posso ser boa a Português e saber interpretar textos e realizar bem exercícios gramaticais, mas posso não ter oportunidade de demonstrá-lo se tiver de escrever uma composição de 250 palavras em apenas 15 minutos. Ninguém é igual a ninguém, não deve ser um exame que decide quem é que é «mais inteligente do que outro». A inteligência tem vários componentes e nunca deve ser definida por uma semana de testes finais. Só é adequada e justa se avaliar o esforço e trabalho que cada aluno teve durante o ano lectivo. SB: A escola pública, mais do que nunca, tem vindo a perder a sua principal função, a do conhecimento. Deixou de ser uma escola que promove a cooperação, a criatividade e até mesmo a democracia, para passar a ser um mero centro de treinos, no qual quem tem mais dinheiro, à partida, tem meio caminho andado para ter sucesso nesta avaliação de 2h ou 3h, a qual pode apagar o trabalho de dois ou três anos. Avaliação esta, diga-se, que procura estimular a capacidade de decorar em vez da aprendizagem e acaba por destruir a vontade da descoberta e de procura de conhecimento. Em suma, não há forma de avaliar conhecimentos quando não há aprendizagem (salvo raras excepções). Os próprios exames provam, cada vez mais, estar distantes daquilo que é a matéria dada, numa realidade marcada pelo interesse em garantir que as elites, e pouco mais, consigam atingir níveis de educação superiores. LR: Penso que isto está errado. Então um aluno estuda três anos, várias disciplinas, e só poderá ter acesso ao ensino superior se passar nesses exames? Um aluno excelente pode chegar ao exame e ter uma branca devido ao stress. É demasiada pressão para todos os estudantes, é um sistema do oito ao 80: se passares no exame, tens de ter uma nota alta para que não baixe a média; se chumbares, vais à segunda volta dos exames, ou então terás de esperar mais um ano para poder voltar a repetir. Entretanto as portas do ensino superior ficam fechadas e a tua vida adiada. JG: Mais uma vez, desvaloriza o papel da formação contínua, do esforço dos alunos e do papel dos professores, incluindo os do próprio ensino superior. LR: Para os estudantes do ensino profissional a maior dificuldade é o facto de a matéria e os programas das disciplinas serem diferentes das do ensino secundário regular. É-nos «dada» menos matéria e há disciplinas que não temos, porque o nosso horário é orientado para a componente profissional, iminentemente prática. Sim, optámos por um curso profissional conhecendo essas dificuldades ao acesso ao ensino superior, mas isso não signfica que aceitemos ser impedidos desse direito. E a verdade é que muitos estudantes do ensino profissional sentem que não somos, nem estamos preparados para os exames nacionais. Nenhum professor deve sentir-se obrigado a leccionar para os exames, desvalorizando o seu papel enquanto docente, o conjunto das aprendizagens que os seus alunos devem desenvolver e que não podem ser avaliados num exame, como são competências de caráter mais procedimental e prático, ou mesmo mais gerais respeitantes à formação integral do indivíduo. A avaliação dos exames surge quase como um «quarto período», em que se mobilizam recursos humanos, equipamentos e materiais, para responder à «máquina» dos exames e provas e, praticamente, se pára de ensinar, aprender e reflectir pedagogicamente, ou seja, pára a escola de fazer o seu papel primordial. JG: Em primeiro lugar, os exames não deveriam ser usados como filtros para a progressão e selecção dos alunos. Em segundo lugar, perde-se a função importante de regulação do próprio sistema educativo que a existência de provas deste género poderiam ter. Ao fechar-se o «carimbo» da nota do exame do aluno, não se chega a aprofundar a discussão necessária sobre os resultados globais e a resposta que o sistema educativo está a dar, o combate às assimetrias e a adequação das políticas educativas. SB: Primeiramente, referiria a injustiça na qual assentam os exames, assim como os rankings que procuram segregar cada vez mais aquelas escolas que se inserem em contextos mais complicados. Em segundo lugar, diria que é preciso levar os estudantes a participar na construção de um sistema educativo mais justo, assente na cooperação e na procura de conhecimento. Assim como mais investimento para a Educação. LR: Eu diria para o Governo ouvir os estudantes, sobre todas as questões ligadas à escola. Para cada aluno, [os exames nacionais] são um bicho de sete cabeças, que exige o estudo intensivo de uma quantidade enorme de matéria. Os estudantes não são computadores, não são máquinas para decorar milhões de textos e enormes quantidades de matéria. Não deveríamos ser sobrecarregados por causa de um exame que acontece no fim do ano, quase esquecendo todo o trabalho de um ano lectivo. JG: A existência de mecanismos de avaliação do sistema educativo, que promovessem a sua avaliação e melhoria, sem contribuírem para a desvalorização da escola pública (p.e. os designados rankings), nem condicionar a progressão dos alunos e o aprofundamento das assimetrias. A escola pública, conquista da Revolução de Abril, exige reflexão constante e profunda. São inúmeros os problemas com os quais este pilar da democracia se confronta, decorrentes de um subfinanciamento protagonizado nas últimas décadas por diversos governos. No entanto, como factor de emancipação individual e social, a escola merece ser olhada como alavanca para o desenvolvimento e não como despesa. Em concreto, no que aos métodos de avaliação diz respeito, o factor do conhecimento e aprendizagem têm de ser os elementos centrais a considerar, tendo a avaliação contínua como a melhor ferramenta e, por consequência, também o acesso ao ensino superior deve ter isso em conta. O fim dos exames nacionais não resolveria todos os problemas que a escola pública enfrenta. No entanto, uma medida que venha a abolir estas provas pode concretizar-se, mesmo que outros problemas persistam. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. «Para além disto, trata-se de mais uma sobrecarga de trabalho para os professores, chamados a corrigir milhares e milhares de provas»: São quase meio milhão de alunos a realizar provas que, no actual contexto, a que acresce haver mais de 30 mil alunos sem professores atribuídos em algumas cadeiras, serão completamente inúteis. A justificação avançada pelo Governo, de que desta forma se conseguirá um retrato fidedigno da situação nas escolas portuguesas, peca por ignorar que, durante a pandemia, as desigualdades se acentuaram em consequência de muito de factores: «de natureza familiar, económica e social ou de outros, aleatórios, como os níveis e intensidade da situação epidemiológica verificados em cada comunidade». Neste quadro, ninguém fará essa avaliação melhor do que os professores, aferindo a situação em cada escola, em cada turma e de cada um dos seus alunos. Estas provas, definidas pelo governo, põe em causa essa «avaliação individualizada e contextualizada, criando uma ideia falsa, porque global e uniformizadora, da situação», defende a Fenprof. Certo é que, professores e estudantes, a escassos meses de acabar o ano lectivo, deixarão de se poder centrar naquilo que é absolutamente essencial: «as aprendizagens e a recuperação de laços de sociabilidade afectados pela pandemia». Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença. O processo de municipalização das escolas, já rejeitado por muitos municípios (como é o caso do Porto) são amplamente prejudiciais para a comunidade educativa, que exige também uma maior democratização da gestão das escolas e agrupamentos. A ausência de respostas a qualquer um destes pontos é um dos principais motivos que leva à «fuga dos jovens desta profissão». Segundo dados recolhidos pela Fenprof, dezenas de milhares de alunos ficaram sem aulas este ano, por falta de professores. Os professores e educadores «reafirmam o seu zelo no cumprimento dos deveres profissionais, recordam o esforço que têm feito para não deixarem qualquer aluno para trás e confirmam o empenho colocado na sua actividade profissional, seja ela presencial ou a distância». Sem as condições indispensáveis para continuar a desenvolver a sua actividade, é posta em causa toda a estrutura educativa em Portugal. A petição será entregue amanhã, pelas 11h, na Assembleia da República (AR) pela Fenprof. O documento é endereçado à AR e ao governo, devendo ser também entregue ao Ministro da Educação. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Trabalho|
20 mil professores e educadores exigem «justiça» para a profissão
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Fenprof: sujeitar meio milhão de alunos a «provas inúteis»
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A (des)igualdade dos exames nacionais
Desde a introdução dos exames nacionais, a contestação pelos estudantes tem sido muita ao longo dos anos. Como olham para esta realidade?
Uma das ideias que sustenta a existência de exames nacionais é a da defesa da igualdade na avaliação...
Outro dos argumentos utilizados para impedir o fim dos exames nacionais é o de que «não há forma melhor de avaliar os conhecimentos», sobretudo no acesso ao Ensino Superior. Que pensas disto?
Laura, considerando as especificidades do ensino profissional, como avalias os exames nacionais para esta via?
Jorge, como é que é a vida de um professor «obrigado» a leccionar todo o ano lectivo apenas para o exame do fim do ano?
Como passa um professor pelo período dos exames nacionais?
E, em termos pedagógicos e de aprendizagem, este método de avaliação é benéfico para os estudantes?
Se soubessem que seriam ouvidos pelo Governo sobre esta matéria, que diriam?
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Ao contrário do que prometeu eleitoralmente, o Governo de maioria absoluta do PS não tem qualquer proposta para enfrentar o grave problema que se vive na Educação. «A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2023 confirma o desinvestimento do governo na Educação», considera a Federação Nacional dos Professores (Fenprof/CGTP-IN), em comunicado.
Só em consequência da falta de professores e educadores, dezenas de milhares de alunos ficaram sem aulas no último ano lectivo. A conclusão natural desta situação, para o qual o Governo não tem resposta, é a greve de dia 2 de Novembro.
Os trabalhadores do sector vão protestar pela alteração do Regime de Mobilidade por Doença, que impediu cerca de três mil docentes, com doenças incapacitantes comprovadas, de se deslocarem, exigindo a sua urgente revisão. Em causa está também a «reversão do processo de municipalização da Educação, a democratização da gestão das escolas e a criação de condições nas escolas para que a Educação seja efectivamente inclusiva».
A intenção do Ministério da Educação, de transferir o recrutamento de docentes para as direções das escolas, é outra das lutas a travar pelos docentes, que vão reafirmar a «defesa de que os concursos, em todas as modalidades e fases, deverão ter carácter nacional e obedecer ao princípio da graduação profissional».
Em torno destas, e outras, reivindicações, vários sindicatos do sector convergiram nesta acção de luta conjunta – para além da Fenprof, participam a ASPL, FNE, SEPLEU, SINAPE, SINDEP, SIPE e SPLIU. A Greve Nacional de Professores e Educadores terá lugar no dia 2 de Novembro de 2022, «dia em que o ministro da Educação estará na Assembleia da República para defender o indefensável: o (sub)financiamento da Educação previsto no OE para 2023».
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