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Morreu Maria Teresa Horta, a última das «Três Marias»

A escritora e poeta Maria Teresa Horta, uma das autoras da obra que reclamou direitos para as mulheres e a ditadura proibiu, Novas Cartas Portuguesas, faleceu esta terça-feira, aos 87 anos, em Lisboa. 

Créditos / Maria Teresa Horta

«Uma perda de dimensões incalculáveis para a literatura portuguesa, para a poesia, o jornalismo e o feminismo, a quem Maria Teresa Horta dedicou, orgulhosamente, grande parte da sua vida», pode ler-se no comunicado divulgado pela Dom Quixote. 

A editora lamenta «o desaparecimento de uma das personalidades mais notáveis e admiráveis» da literatura portuguesa, «reconhecida defensora dos direitos das mulheres e da liberdade, numa altura em que nem sempre era fácil assumi-lo, autora de uma obra que ficará para sempre na memória de várias gerações de leitores».

Em Dezembro, Maria Teresa Horta foi incluída numa lista elaborada pela estação pública britânica BBC de 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo, que incluía artistas, activistas, advogadas ou cientistas.

Em 2022, nos 50 anos da obra Novas Cartas Portuguesas, escrita com as amigas Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (já desaparecidas), Maria Teresa Horta afirmava, em entrevista à Lusa, que o livro sempre foi desconsiderado em Portugal e confessava-se «perplexa» com o interesse suscitado cinco décadas depois da publicação. Novas Cartas Portuguesas, escrita pelas «Três Marias», como ficaram conhecidas, a partir das cartas de amor dirigidas a um oficial francês por Mariana Alcoforado, constituiu-se como um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril, que denunciava a guerra colonial, as opressões a que as mulheres eram sujeitas, um sistema judicial persecutório, a emigração e a violência fascista.

A obra começou a ser escrita em Maio de 1971 e foi publicada em Abril de 1972, tendo sido banida pela ditadura e as suas autoras levadas a julgamento. Novas Cartas Portuguesas assumiu-se como um marco na história da luta das mulheres pela igualdade, da literatura portuguesa, da oposição ao regime e da luta pela liberdade. Até ao fim, as «Três Marias» recusaram-se a revelar a maternidade dos textos e ninguém conhece individualmente a autoria de cada um. 

Nascida em Lisboa em 1937, Maria Teresa Horta frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi dirigente do ABC Cine-Clube e militante activa nos movimentos de emancipação feminina. O gosto pela escrita conduziu-a ao jornalismo, tendo sido jornalista d'A Capital e dirigente da revista Mulheres. Como escritora, estreou-se no campo da poesia em 1960, mas construiu um percurso literário composto também por romances e contos.

Com livros editados no Brasil, em França e Itália, Maria Teresa Horta foi a primeira mulher a exercer funções dirigentes no cineclubismo em Portugal e é considerada um dos expoentes do feminismo da lusofonia.

Foi amplamente premiada ao longo da sua carreira literária, destacando-se, só nos últimos anos, o Prémio Autores 2017, na categoria melhor livro de poesia, para Anunciações, a Medalha de Mérito Cultural com que o Ministério da Cultura a distinguiu em 2020, o Prémio Literário Casino da Póvoa que ganhou em 2021 pela obra Estranhezas, e a condecoração, em 2022, com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. Em 2012 foi distinguida com o Prémio D. Dinis pelo romance As Luzes de Leonor, mas recusou-se a recebê-lo das mãos do então primeiro-ministro, Passos Coelho.


Com agência Lusa

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