Donald Trump está a avançar em algumas das promessas feitas. Noutras não. Algumas perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos. Quinze dias após a tomada de posse é um prazo curto para fazer uma avaliação desta nova administração. Esta avaliação será continuamente feita nos próximos meses.
Nas relações com os media, Trump tem, com razão, fortes motivos de queixa dos principais, mas o governar por twitter e a imagem do assinatura decretos presidenciais nos termos em que tem feito, não resolvem os condicionalismos de comunicação, mesmo na perspectiva populista em que se coloca.
Trump procura conter a decadência dos EUA no plano económico. Falou de um grande plano de infraestruturas mas não como ele será financiado. A externalização da indústria para outros países foi até aqui uma opção deliberada dos grupos económicos norte-americanos na mira de cada vez mais lucros. Convencê-los a inverter de estratégia esbarra com outras realidades e, para isso, o erguer de barreiras alfandegárias e o mandar o comércio «livre» às urtigas é uma perspectiva positiva no interesse dos trabalhadores.
No plano militar, a Rússia desenvolveu-se tecnologicamente, ultrapassando a modernidade do armamento dos EUA. Como confidenciava ao Pepe Escobar um «mestre» anónimo do novo presidente: «A produção em série e a produtividade de Henry Ford foi a maravilha que fez os Estados Unidos ganharem a Segunda Guerra Mundial. A Amazon não contribui em nada para a defesa nacional, sendo apenas um serviço de marketing na Internet baseado em programas de computador, nem o Google que simplesmente organiza e fornece melhor os dados. Nada disso constrói um míssil ou um submarino melhor, a não ser em termos marginais.»
No plano geoestratégico, Trump poderá ser tentado a dividir Rússia e China mas não terá o êxito que Nixon teve na guerra do Vietname, que jogou com contenciosos sino-soviéticos para que a China hostilizasse o Vietname e pactuasse no Cambodja com o regime sanguinário de Pol-Pot com o mesmo objectivo. A situação hoje é outra.
Começos conflitos com a China ao estabelecer uma relação directa com Taiwan. O novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, foi na sexta-feira a Seul, na Coreia do Sul, comprometer-se com a instalação do sistema de defesa antimíssil americano THAAD, já anteriormente decidida por Obama durante este ano na Coreia do Sul. Mantém no leste da Europa mísseis americanos apontados à Rússia em países vizinhos desta e não criticou a intervenção da Ucrânia da passada segunda-feira contra as populações russas do Donbass, instando mesmo a Rússia a retirar-se da Crimeia (!).
Trump quer desafiar a China para uma guerra? E pressionar a Rússia para a encontrar numa posição desfavorável num futuro e distante encontro com Putin? Trump deve ter em conta que para garantir o fim do bloqueio «ocidental», para ver a segurança regressar ao leste do rio Dnieper, a Rússia não se afastará nem da Crimeia, nem da China, nem do Irão, nem da Síria, nem de Afez Al-Assad. E que a China e o Irão vão resistir às suas investidas. Pequenos sinais de cooperação da China com os EUA neste Ano Novo Lunar são positivos.
«É certo que as restrições à imigração dos sete países "proscritos" já funcionava com Obama mas os media conseguiram criar a ideia de que elas foram introduzidas por Trump, que, de facto, as quer agravar, arrastando-se já para uma crise institucional entre o Presidente e a Justiça.»
Em quinze dias, as manifestações contra Trump têm-se sucedido particularmente contra as novas restrições à imigração que foram introduzidas, confrontando e provocando reacções de outros países, particularmente dos que vêm cidadãos seus serem impedidos de entrar nos EUA. É certo que as restrições à imigração dos sete países «proscritos» já funcionava com Obama mas os media conseguiram criar a ideia de que elas foram introduzidas por Trump, que, de facto, as quer agravar, arrastando-se já para uma crise institucional entre o Presidente e a Justiça. E nem os EUA nem a UE têm autoridade moral para conter a imigração, resultante dos dramas provocados pelas suas agressões no Médio Oriente e em África.
O muro com o México é característico da confrontação com o México de várias administrações norte-americanas e já foi também motivo de um decreto executivo de Trump para a sua conclusão. Da iniciativa de George W. Bush, e aprovado em 2006 no Senado, incluindo pelos senadores Barack Obama e Hillary Clinton, teve a sua construção iniciada por Bill Clinton e continuada pelo filho Bush e Barack Obama… O muro já revelara fragilidades pela escavação que no seu interior os cartéis da droga fizeram para utilização em benefício do seu narcotráfico.
Para além do reinício da construção, Trump decidiu sobre um nítido reforço de meios humanos associados, com mais cinco mil polícias de fronteira (acréscimo de 24%), de mais dez mil agentes de imigração (mais 50%) e mais juízes para darem andamento aos dossiers e ainda construir mais centros de retenção junto à fronteira para tornar as expulsões mais rápidas e menos dispendiosas.
A imagem de «um país que não tem fronteiras, não é um país» vem ao encontro de correntes na Europa que defendem o mesmo. A integração europeia capitalista abriu fronteiras com consequências desastrosas para a indústria, a agricultura, a pesca, os serviços particularmente nos países mais pequenos como Portugal. A perda das medidas de defesa da economia, de uma moeda própria que se possa valorizar ou desvalorizar em função dos contextos tem sido assinalada ao longo dos anos pela esquerda mais consequente como o bloqueio a vencer para permitir o crescimento e desenvolvimento.
Relativamente ao tratado com o Canadá e o México, o NAFTA, apesar da situação de conflito que já criou com o México, prometeu, depois de um encontro com os respectivos primeiros-ministros começar negociações sobre ele… O NAFTA foi, até agora, um desastre para o México. O mercado foi inundado com produtos agrícolas canadianos a preços baixos (graças a subsídios do Estado) e, causaram o colapso da produção agrícola com efeitos sociais devastadores para a população rural. Assim.
Criou-se uma plataforma de trabalho a baixo custo, recrutados nas maquiladoras: milhares de estabelecimentos industriais ao longo da linha de fronteira do território mexicano, detidos ou controlados principalmente por empresas norte-americanas que graças ao regime de isenção de impostos exportam produtos semiacabados ou componentes para montagem, reimportando-os já acabados para os EUA, o que lhes dá muito maiores lucros graças a custos muito mais baixos da mão-de-obra mexicana e a outras facilidades.
Nas maquiladoras trabalham principalmente meninas e mulheres jovens. Os horários são massacrantes, a toxicidade elevada, os salários baixos, os direitos sindicais praticamente inexistentes. A pobreza, o tráfico de drogas, a prostituição e a criminalidade desenfreada e generalizada causam uma profunda degradação de vida nestas áreas. Basta lembrar a Ciudad Juarez, na fronteira com o Texas, que se tornou tristemente célebre por inúmeros assassinatos de mulheres jovens, na sua maioria trabalhadores das maquiladoras.
A isto foi chamado durante muitos anos «livre comércio», que coexistiu com o proteccionismo dos mercados americanos, e não só, que se traduziu, por exemplo, em barreiras alfandegárias, descidas de impostos e outros apoios aos produtores nacionais dos grandes países, negados aos mais pequenos, manipulação do valor do dólar em seu proveito
«Trump não conseguiu dar a volta ao gueto informativo que lhe criaram.»
Esta atitude dos EUA criou uma falsa industrialização destas zonas mexicanas.
Trump não pode ignorar esta realidade.
Os EUA vão ensaiar uma retirada dos EUA de parte do comércio mundial. Começando pelo Tratado de Comércio Livre Transpacífico (TPP), em que acaba com a participação nele dos EUA, processo que parece não estar concluído mas os restantes países, devido a pressões da Austrália e da Nova Zelândia, que procuram agora na China uma contrapartida para a solidez do tratado.
Quanto ao acordo transcontinental EUA – Europa, o TTIP, ele ainda estava em fase de discussão que Trump irá abandonar para se centrar em acordos comerciais, para já, com o Reino Unido, o que vai ao encontro dos interesses de Theresa May que, com isso, pretende compensar os efeitos do Brexit. Essa é uma medida positiva.
Em matéria de relações comerciais à escala planetária, os EUA vão ter que se conformar, aparentemente fechando-se e defendendo uma política interna que «torne maior a América».
E isto coloca a todo o mundo com mais força a expectativa de uma China que reclama as vantagens da globalização. Agora é a China, primeira potência comercial mundial, a «dar as cartas».
Enquanto a globalização capitalista beneficiava mais o chamado «mundo ocidental», a liberalização do comércio e a livre circulação de bens e serviços não era contestada pelos States mas por aqueles países que dela eram vítimas.
Mas poderá a China neste novo quadro, ao afrontar o dedo pontado de Trump, contribuir para uma globalização com menos efeitos negativos que a anterior? Esta é uma questão que os amigos e admiradores do progresso fantástico deste país gostariam de ver expressa em compromissos firmes.
O decreto presidencial contra o aborto coincidiu com 44.º aniversário da legalização pelo Supremo Tribunal do aborto em 1973. Não é de estranhar que Trump esteja rodeado de activistas «pró-vida», particularmente o vice-presidente, Mike Pence, que tem travado uma longa luta para acabar com o financiamento ao planeamento familiar e que, quando foi governador de Indiana, adoptou leis locais muito persecutórias em relação ao aborto.
Trump acabou com o Obamacare que era um sorvedouro de recursos para as seguradoras mas não parece ir criar alternativas de acesso aos cuidados de saúde deixando «o mercado funcionar»…O povo americano mais carente (e a outra parte que os têm através de seguradoras) necessita de algo semelhante aos serviços nacionais de saúde de vários países europeus, pagos pelos descontos nos salários para a segurança social. O liberalismo de Trump permitir-lhe-á discernir isso?
O dar luz verde a novas extrações petrolíferas, à exploração do «petróleo de xisto» e o cancelar de regulamentação de defesa ambiental nas empresas, deixa francos receios, se aliados à negação por Trump das alterações climáticas, de os EUA se retirarem das preocupações da Conferência de Paris e não contribuírem para o esforço universal para a redução da emissão de gases de efeitos de estufa.
Os contactos com Israel estimularam a política de colonatos de Netanyahu, agora particularmente em Jerusalém e Cisjordânia, a hostilização ao Irão exigida por Israel e com consequências já nas provocações a esse país, as negociações israelo-palestinianas realizadas fora de qualquer acompanhamento internacional, e o reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, com a passagem da embaixada dos EUA de Tel-Aviv para a cidade santa.
Enfim, parece poder concluir-se que, nestes quinze dias:
Algumas perspectivas iniciais que podiam ter desenvolvimentos positivos estão a ser submersas por um mar de coisas negativas;
Trump acentuou o seu carácter reaccionário em matéria de política interna;
A perseguição aos imigrantes vai continuar mas com forte resistência popular e de outras instituições;
Não se vislumbram medidas coerentes para a defesa dos trabalhadores americanos ou para o aumento do poderio económico contra a qual parte dos seus críticos já desatou a lengalenga neoliberal de que a elevação da actividade industrial e respectivos níveis salariais criaria níveis de inflação «insuportáveis»;
Não se atenuaram tensões no plano internacional, bem pelo contrário;
Trump não conseguiu dar a volta ao gueto informativo que lhe criaram;
E parece estar cada vez mais possuído pelas estruturas mais retrógradas da administração norte-americana, incluindo as que foram suportes do seu antecessor.
E deixamos ainda algumas questões:
Se Trump concretizar algumas perspectivas positivas poderá não resistir a um qualquer processo de destituição mas os grupos económicos que dominam os actores políticos podem reconfigurar a sua acção e discurso de maneira a prosseguir com os de anteriores administrações;
O mundo mudou, há novas realidades emergentes e isso condicionará o percurso desta nova administração norte-americana.
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