Antes de rebentar a crise em 2007, a Irlanda era apresentada como o país modelo, o país onde se verificou um elevadíssimo crescimento com políticas neoliberais.
Quando se queria justificar tal ou tal medida (privatizações, desregulação do mundo do trabalho, facilidades de despedimento, impostos sobre os lucros), à falta de argumentos apresentava-se o caso da Irlanda. Paulo Portas chegou a visitar este país com o objectivo de «estudar» o caso de sucesso.
A crise de 2007 e anos seguintes pôs a nu a artificialidade do milagre da Irlanda e do seu sector financeiro, que ruiu como um baralho de cartas.
A Irlanda, com uma grande comunidade nos Estados Unidos, situada ao lado da Grã Bretanha e com uma política fiscal de contratualização do imposto com as holdings, foi uma privilegiada placa giratória para a instalação de grandes multinacionais como a Dell, Microsoft, Google, Facebook e Twitter, que aí beneficiaram do dumping fiscal.
As multinacionais pouco contribuem a nível de emprego e de produção. Deixam algumas receitas fiscais mas, sobretudo, alimentam o seu sistema financeiro e a especulação .
O crescimento da Irlanda era e é em grande parte artificial e assente em pés de barro, com elevada financeirização da sua economia, como a crise veio a revelar.
«Com tal crescimento os efeitos no bem-estar dos seus habitantes deviam ser visíveis, no entanto eles continuam a deixar o país.»
Hoje a situação é muito semelhante.
A Irlanda é de novo apresentada como o caso de sucesso das políticas da troika, e das suas bem fundadas medidas de competitividade, que faliram rotundamente nos outros países.
O caso de «sucesso» da Irlanda durará até uma nova crise, que, com grande probabilidade, não estará num horizonte muito longínquo.
Num livro recentemente publicado, que recomendo a leitura, La Fin de L’Union Européenne, de Coralie Delaume e David Cayla, os autores chamam a atenção para o delírio das estatísticas irlandesas.
Dizem-nos os autores: «O pequeno Eire, e os seus 4,6 milhões de almas, exporta quase tanto como a Espanha que conta dez vezes mais de habitantes». De facto, se estes dados relativos à exportação fossem reais a Irlanda devia estar repleta de fábricas!
Mais, o exedente comercial da Irlanda é um dos maiores do mundo. Segundo o Eurostat, em 2015 a Irlanda exportou 195 milhares de milhão de euros, ou seja, cerca de 76,5 do seu PIB.
«Onde se encontra o porto na Irlanda de escala mundial por onde transitam os três quartos do PIB irlandês? O de Dublin não aparece nem na lista dos vinte maiores portos europeus nem nos cem a nível mundial. A fraude fiscal organizada é em escala industrial e cria na Irlanda uma realidade estatística completamente desconectada da realidade económica. (…) A Irlanda teria conhecido em 2015 um crescimento de 26,3%.»
Com tal crescimento, os efeitos no bem-estar dos seus habitantes deviam ser visíveis, no entanto eles continuam a deixar o país.
Na realidade, a produção industrial continua a cair, ao contrário do que dizem as estatísticas, e as contradições são evidentes a este nível. «(...) A produção manufactureira irlandesa é suposto ter multiplicado por 2,5 entre 2000 e 2015, no entanto o emprego industrial baixou 22%.»
Os autores concluem: «portanto não há nenhum milagre irlandês. O país desindustrializou ao mesmo ritmo que em França mas esta cruel realidade é mascarada pelas estratégias de optimização fiscal que fizeram aparecer uma produção industrial perfeitamente artificial».
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