Princípios, meios e fins

É inaceitável a forma secreta como, desde há muito, são tratados os processos de produção legislativa do sistema de proteção civil, permitindo que os cidadãos sejam totalmente arredados da participação ativa na elaboração dos competentes diplomas.

CréditosAntónio José / Agência Lusa

Os textos que publico neste espaço quinzenal, mais do que opinativos, pretendem ser formativos no domínio da proteção de pessoas e bens, matéria muito pouco abordada na nossa comunicação social.

A maioria dos portugueses ignora que existe uma Lei de Bases da Proteção Civil. A referida lei consagra um conjunto de oito princípios especiais que orientam o sistema português de proteção civil, a saber: prioridade, prevenção, precaução, subsidiariedade, cooperação, coordenação, unidade de comando e informação.

O corpo doutrinário consubstanciado nos mencionados princípios serve de base aos objetivos fundamentais da proteção civil, plasmados no mesmo diploma e que são: prevenir os riscos coletivos e a ocorrência de acidentes graves ou de catástrofes; atenuar os riscos coletivos e limitar os seus efeitos; socorrer e assistir as pessoas e outros seres vivos em perigo, proteger bens e valores culturais, ambientais e de elevado interesse público.

Porque as atividades de proteção civil são da responsabilidade do «Estado, regiões autónomas e autarquias locais», mas também dos «cidadãos e todas as entidades públicas e privadas», elas constituem uma função de todos, para todos e com todos.

A partir do citado enquadramento é inaceitável a forma secreta como, desde há muito, são tratados os processos de produção legislativa do sistema, permitindo deste modo que o alvo dos seus fins – os cidadãos – sejam totalmente arredados da participação ativa, na elaboração dos competentes diplomas.

«As atividades de proteção civil são da responsabilidade do “Estado, regiões autónomas e autarquias locais”, mas também dos “cidadãos e todas as entidades públicas e privadas”»

Parece que está em curso um processo de novas alterações a vários diplomas reguladores do sistema de proteção civil, nomeadamente à Lei de Bases, Lei Orgânica da Autoridade Nacional de Proteção Civil e Lei de Enquadramento Institucional e Operacional da Proteção Civil a nível municipal.

Admito que a maioria destas iniciativas legislativas possa ser oportunidade para corrigir contradições e disfunções que os mencionados diplomas possuem, nas suas versões em vigor.

Mas não me parece admissível que todo este processo decorra em segredo ou discutido em apressadas audições seletivas.

Voltando aos princípios, todos eles só serão instrumentais se a comunidade os sentir como guia para a sua intervenção cívica. O mesmo é dizer que eles só serão úteis se contribuírem para construirmos uma sociedade mais consciente do risco e empenhada na concretização dos fins do sistema de proteção civil.

De contrário, os referidos princípios serão apenas mera retórica jurídica, o que não é suposto que sejam.

Importa abrir um debate nacional sobre uma questão relevante que a todos interessa, incluindo a opinião pública e a opinião publicada: que conceito estratégico de proteção civil o país necessita?

A resposta a esta pergunta implicará um compromisso de médio prazo, com consequências para além de uma legislatura.

Só assim será possível conferir maturidade ao sistema de proteção civil, impedindo que ele seja um permanente laboratório de experimentação, à mercê de ciclos políticos e das personalidades que os protagonizam.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

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