Mais de 47 milhões de franceses são chamados a escolher, domingo, o próximo Presidente da República. A escolha recai entre Emmanuel Macron, o jovem banqueiro de negócios cuja agenda neoliberal e vinculada à globalização é apoiada sem reservas pelos «mercados» e pelos guardas dos grandes interesses; e Marine Le Pen, a chefe de fila da extrema-direita nacionalista, xenófoba e porta-estandarte de um mal dissimulado legado fascista.
Qualquer que seja o resultado, não há dúvidas de que a França não voltará a ser a mesma.
Sob a presidência de Marine Le Pen, verá ascender a retórica do ódio e a violência da intolerância ao mais importante lugar público da pátria da legenda que há dois séculos fundou a esperança de um tempo novo – Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Sob a presidência de Emmanuel Macron, o novo títere inventado pelos grandes interesses económicos e da finança para protagonizar a reciclagem do centrão, reconfigurando a um tempo os campos social-democrata (o dito socialista incluído), liberal e conservador, em ordem a garantir a defesa e a concretização dos seus sacrossantos objectivos, a aprofundar a integração capitalista e a esmagar direitos dos trabalhadores sob o rolo compressor do Tratado Orçamental e dos acordos de livre comércio de que é um fervoroso defensor.
Que fazer? Os democratas e a esquerda não terão, porém, outro remédio senão erguer uma barreira bem robusta contra a extrema-direita e o regresso do fascismo, votando contra Le Pen e a sua Frente Nacional – tarefa que deve ser continuada nas eleições legislativas de Junho.
É a única alternativa, proclama a generalidade dos media, que nas duas últimas semanas não parou de aumentar a pressão sobre o candidato de esquerda Jean-Luc Mélenchon (e da sua plataforma A França Insubmissa), cujos sete milhões de votos – um quinto dos votos expressos na primeira volta – são descaradamente cobiçados pelos dois finalistas na etapa final da corrida ao Eliseu.
De repente, Mélenchon, as suas ideias, o projecto e os votos angariados pela França Insubmissa, pelo Partido Comunista Francês e por outras forças de esquerda que o apoiaram, passaram a ter valor decisivo para os media – os mesmos que, durante meses, tinham dedicado uma ostensiva desvalorização da sua campanha e das suas propostas, com as «utopias inviáveis» que defendia, com o objectivo de ditar-lhe uma baixa representatividade.
De passagem, iam investindo na sua descredibilização, lançando episodicamente mão de tentativas para estabelecer semelhanças entre os programas de Mélenchon e de Le Pen, da França Insubmissa e da Frente Nacional. Para não ser tudo mau, os media relevavam-lhe os dotes de oratória e a moderna, inovadora, eficiente e virtuosa utilização dos media sociais, em particular o seu popular canal no YouTube (mais de 25 milhões de visitantes), e o surpreendente recurso tecnológico que multiplicava a sua presença simultâneo em vários comícios, através da projecção de halogramas.
O assédio a Mélenchon e ao seu eleitorado surgiu semanas antes da primeira volta, no dia 23 de Abril, quando começou a tornar-se evidente que Benoît Hamon, o vencedor das «primárias» da chamada esquerda – promovidas pelo Partido Socialista e de outras forças afins – caíra em desgraça nas sondagens, com trambolhões sucessivos nas intenções de voto, até ficar praticamente irrelevante. Embora os media não pretendessem realmente reforçar a base do «cooperativista moderado», cujo programa «esquerdista» assustava a ala direita do PS, também não era conveniente deixar o candidato oficial do partido em tão maus lençóis na aritmética eleitoral.
Voluntária ou involuntariamente, os meios de comunicação social, e em particular a elite editorial, foram o instrumento do apelo a Jean-Luc Mélenchon, para que «abdicasse» e declarasse o seu apoio a Hamon, cujos resultados na primeira volta vieram, de facto, a ser desastrosos: pouco mais de 2,2 milhões de votos num sufrágio com cerca de 36 milhões de votantes, nem sequer o dobro dos pouco mais de 1,1 milhões que obtivera nas «primárias» com cerca de dois milhões de votantes.
O candidato «insubmisso», que a generalidade dos media (em França, como em Portugal…) apresenta como «de extrema-esquerda», recusou desistir, mesmo mediante a (vaga) oferta de um entendimento na perspectiva das eleições legislativas de Junho, enquanto as sondagens continuavam a bafejá-lo, fazendo-o subir nas preferências de voto dos franceses e confirmando a simpatia e a adesão expressas nos seus comícios.
Os media voltaram ao ataque (duro nas presidenciais de 2012), tentando lançar anátemas sobre Mélenchon e convocar ameaças terríveis sobre a França. Le Figaro1 titulou em alarmante manchete: «Mélenchon: o delirante projecto do Chávez francês» . O título da versão em linha do jornal de direita carrega mais na tinta – «Jean-Luc Mélenchon, um projecto devastador para a França». Num «dossiê», rotula o candidato de «apóstolo» dos revolucionários latino-americanos Fidel Castro e Hugo Chávez e anuncia toda a sorte de tragédias para a nação, prenunciando «um bing bang social». O «moderado» Le Monde não fez por muito menos, comparando Mélenchon a Le Pen…
A campanha de desacreditação e de demonização do candidato de Esquerda, com utilização do poder de penetração e divulgação das redes sociais, chegou ao ponto da calúnia, com acusações de antissemitismo, cuja desmontagem se revelou muito difícil, apesar de esforços do movimento A França Insubmissa e de destacadas personalidades2.
Ainda os resultados da primeira volta não estavam apurados e já a maioria dos vencidos se prestava, mal foram conhecidas as projecções com base em sondagens à boca da urna, a anunciar a sua posição relativamente à segunda etapa. Mélenchon declarou, porém, que, além de os dados ainda não estarem todos sobre a mesa para sustentar uma opinião, ele não era dono dos votos. Por isso, seria feita uma consulta aos cerca de 450 mil apoiantes.
Desde aquele momento, não mais cessaram as pressões sobre o candidato para que diga em quem votará, por mais que repita que não dá orientações de voto, embora seja o porta-voz da decisão colectiva que sair da consulta na plataforma da candidatura – que esta tarde será conhecida –, a qual não contempla, aliás, a hipótese de um voto em Marine Le Pen. E sobretudo, por mais que insista e argumente que jamais votaria na líder da extrema-direita neofascista, «como toda a gente sabe», e por mais claro que seja o adverte os franceses para que não cometam o «terrível erro» de entregar-lhe o seu futuro.
Ao mesmo tempo, Jean-Luc Mélenchon, que deixa muito claro que Emmanuel Macron não poderá deixar de desistir de parte dos seus planos, designadamente na área laboral, como condição para ganhar confiança quanto baste da Esquerda que contará domingo. O que foi dizer! Logo não faltaram vozes clamando contra exigências. Porque o jovem Emmanuel, está bom de ver, não tem nada que mudar…
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