O Conselho de Ministros aprovou na passada quinta-feira o decreto-lei que estabelece um regime especial de acesso antecipado à pensão de velhice para os beneficiários do regime geral de Segurança Social e do regime de proteção social convergente com muito longas carreiras contributivas.
As tão desejadas alterações, ansiosamente esperadas por milhares e milhares de trabalhadores, ainda que correspondendo à inversão do rumo seguido até aqui – que impunha aos trabalhadores cada vez mais tempo de trabalho até à reforma – ficam muito aquém das expectativas criadas e da imperiosa necessidade de fazer justiça para quem passa a vida inteira a trabalhar.
As alterações agora aprovadas
Nesta primeira fase, que se prevê que entre em vigor a 1 de Outubro, os trabalhadores que, tendo pelo menos 60 anos, contem com 48 anos de descontos, poderão antecipar a sua reforma sem qualquer tipo de penalização – ou seja, não só não lhes será aplicado o fator de sustentabilidade, como não lhes será aplicada a penalização de 0,5% por cada mês de antecipação da reforma em relação à idade legal de reforma.
Também poderão aceder à reforma antecipada sem qualquer tipo de penalização ou corte os trabalhadores que tenham iniciado a sua atividade profissional com 14 anos ou em idade inferior e que tenham aos 60 anos de idade pelo menos 46 anos de carreira contributiva.
«As alterações aprovadas devem ser consideradas com um primeiro passo no sentido de construir um regime que venha a valorizar, verdadeiramente, as longas carreiras contributivas»
É ainda de saudar a aplicação destas propostas de valorização das longas carreiras contributivas também aos trabalhadores inscritos na Caixa Geral de Aposentações. O Governo inicialmente não colocava esta hipótese, pelo que este avanço representa uma conquista da luta dos trabalhadores em funções públicas e da incansável insistência do PCP, que permitiram assim ultrapassar a criação de mais uma situação de injustiça e discriminação.
Regista-se ainda como positiva a eliminação da aplicação do fator de sustentabilidade no momento da convolação das pensões de invalidez em pensões de velhice. De facto, aplicar um corte desta dimensão a quem foi obrigado a reformar-se por força da sua incapacidade para o trabalho não poderia receber outro adjectivo que não o de «vergonhoso».
As alterações aprovadas na semana passada em Conselho de Ministros devem ser valorizadas, não só porque correspondem à inversão do caminho seguido até aqui, eliminando as brutais penalizações impostas pelo anterior governo PSD/CDS, mas também porque devem ser consideradas com um primeiro passo no sentido de construir um regime que venha a valorizar, verdadeiramente, as longas carreiras contributivas.
É certo que, para já, o Governo apenas assume estas alterações, relegando a discussão das próximas fases da revisão do regime para Setembro, mantendo-se para os trabalhadores que não se enquadrem em nenhuma das situações descritas, o actual regime de acesso à antecipação da idade da reforma – ou seja, sofrerão o corte de 13,88% relativo ao fator de sustentabilidade, que se irá somar à penalização de 0,5% por cada mês de antecipação.
As insuficiências
Mas estas alterações, embora, e como já se disse, apontem num sentido positivo, enfermam de um conjunto de insuficiências e limitações que diminuem consideravelmente o seu potencial e alcance.
Além da entrada em vigor de forma faseada diminuir, desde logo, a abrangência e alcance social desta medida, há que lembrar que esta proposta não resolve sequer de forma suficiente o problema do trabalho infantil. Há que trazer justiça quem perdeu a infância a trabalhar – todos aqueles trabalhadores que começaram a trabalhar aos 12, 13 e 14 anos e que merecem ter finalmente descanso, acedendo à reforma com pensões dignas.
«Ficam novamente sem resposta «os filhos dos homens que nunca foram meninos» e a quem também se nega o direito à velhice»
A título de exemplo, este novo regime, ao não permitir que ninguém se reforme antes dos 60 anos de idade, impõe a quem começou a trabalhar aos 12 anos, no mínimo, 48 anos de descontos para ter acesso a uma reforma sem penalizações.
Ficam novamente sem resposta «os filhos dos homens que nunca foram meninos» e a quem também se nega o direito à velhice.
Esta alteração também esquece por completo um segmento fundamental de trabalhadores – os desempregados de longa duração. Estes trabalhadores que se encontram em situação de desemprego forçado e, normalmente, sem qualquer tipo de rendimentos (pois, na maioria das vezes, as prestações de desemprego já terminaram ou estão prestes a terminar) são obrigados a uma escolha impossível: ou avançar para a reforma por velhice, com todas as penalizações e cortes, ou ficarem no imediato sem qualquer fonte de rendimento e subsistência.
De facto, a política de exploração e empobrecimento executada pelo anterior governo PSD/CDS liquidou cerca de meio milhão de postos de trabalho, o que se traduziu naturalmente no crescimento exorbitante do desemprego, em especial do desemprego de longa duração, que afecta com particular intensidade trabalhadores com idades superiores a 52 anos.
Muitos destes trabalhadores, esgotados os períodos de atribuição das prestações de desemprego e com a necessidade de subsistência a apertar, são forçados a requerer a pensão por velhice, que sofre uma redução brutal – 0,5% por cada mês de antecipação em relação aos 62 anos de idade, acrescida do corte de 13,88 % do factor de sustentabilidade.
Frequentemente trata-se de trabalhadores com salários baixos ao longo da sua carreira, o que somando aos elevados cortes impostos, leva a que os valores das pensões atribuídas sejam muitíssimo baixos (sobretudo se considerarmos que as pensões antecipadas no regime de flexibilização da idade não estão abrangidas pela fixação de montantes mínimos). Assim, estes trabalhadores veêm-se condenados a viver o resto das suas vidas com pensões de miséria, muitas vezes com valores pouco acima dos 100 euros mensais.
O caminho
Estima-se que durante o ano de 2017 e 2018, no que respeita a esta primeira fase agora aprovada, apenas serão abrangidos cerca de 15 mil trabalhadores do regime geral da Segurança Social e, no primeiro ano, apenas 750 trabalhadores da Caixa Geral de Aposentações, prevendo-se um impacto na ordem dos 50 milhões de euros.
Há que continuar a lutar para alargar o âmbito e alcance destas propostas fazendo com que se possam vir a aplicar ao maior número possível de trabalhadores, nas melhores condições possíveis. De facto, há que valorizar as longas carreiras contributivas e exigir a possibilidade de acesso à reforma por velhice, sem qualquer tipo de penalização, atingidos os 40 anos de descontos.
Não podemos esquecer que as longas carreiras contributivas reflectem o valor intrínseco da vinculação dos trabalhadores à Segurança Social e merecem ser respeitadas, considerando o contributo que milhares de trabalhadores já deram ao País, à produção de riqueza e ao sistema público da Segurança Social.
Esta luta é uma luta de todos os trabalhadores – do sector público e do sector privado; homens e mulheres; mais velhos ou mais novos; mais próximos ou mais longe da idade da reforma. É uma luta de todos porque a todos beneficia, a todos faz justiça e se insere num verdadeiro caminho de justiça e progresso social.
«Na verdade, o aumento da esperança de vida, que constitui em si mesmo um elemento de progresso, passou a ser usado contra os trabalhadores»
Finalmente, além da imperiosa necessidade de resolver, com a definição de um regime especial, o problema dos desempregados de longa duração para o futuro, importa encontrar soluções e respostas para os milhares e milhares de trabalhadores (cerca de 50 mil entre 2011 e 2015) que durante o anterior governo PSD/CDS, viram a sua vida desgraçada e foram obrigados a reformar-se nestas condições trágicas, e não merecem nem podem ser castigados até ao fim das suas vidas.
Merece ainda a pena tecer algumas considerações a respeito da idade legal da reforma e da trajetória de aumento que tem sido imposta pela política de direita, ao serviço da exploração.
Desde o início dos anos 90 que a idade legal da reforma tem vindo a aumentar, fazendo com os que trabalhadores se vejam na situação de quanto mais trabalham, mais longe estão da idade da reforma.
A idade legal de reforma tem vindo a aumentar progressivamente – o anterior governo PSD/CDS, no ano de 2014, fez aumentar a idade legal da reforma dos 65 para os 66 anos, tendo vindo a aumentar ao ritmo de um mês por cada ano, fixando-se em 2017 nos 66 anos e 3 meses e, no que depender da vontade de PS, PSD e CDS-PP, continuará a aumentar ao ritmo de um mês por cada ano, obrigando os trabalhadores a trabalhar cada vez mais e mais anos.
Na verdade, o aumento da esperança de vida, que constitui em si mesmo um elemento de progresso, passou a ser usado contra os trabalhadores.
Aquilo que é uma conquista da humanidade e dos trabalhadores – a possibilidade de viver mais anos – alcançada que através do progresso técnico e científico e do desenvolvimento económico e social, não pode servir para aumentar o número de anos de sujeição à exploração capitalista, tendo de reverter para a qualidade de vida dos trabalhadores, permitindo-lhes alcançar a idade da reforma e usufruir ainda de alguns anos de merecido descanso.
Se considerarmos em especial os últimos anos, com as tentativas de reversão das conquistas de Abril desferidas pelos sucessivos governos da política de direita, os trabalhadores trabalham cada vez mais horas, cada vez mais dias e cada vez mais anos, para receberem reformas cada vez mais miseráveis.
O capital explora, apropria e acumula. Os trabalhadores trabalham, produzem e criam. Todos os dias, todo o ano, todos os anos. Trabalhar até ao limite das forças não é o caminho e não será certamente, por mais voltas que o mundo dê, o futuro!
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