Para o cidadão comum, a PSP e a GNR, apesar de designadas distintamente, são no fundo, a mesma coisa, ou seja, idênticas. Ambas são corpos uniformizados representando a polícia de visibilidade, velam pela ordem e tranquilidade públicas, os seus agentes e guardas sujeitando-se ao mesmo risco de vida por causa da nossa defesa. São assim duas forças de segurança, vocacionadas ao exercício de mesmas funções. Então, qual a diferença? Qual o motivo para um país tão pequeno como o nosso se dar ao luxo de ter duas instituições policiais com as mesmas atribuições? Uma civil e a outra militar.
A Constituição da República (C.R.), a partir da sua 1.ª Revisão, em 1982, consagrou a separação entre a Polícia – instituição civil visando a segurança interna (Tit. IX – art. 272.º 1) – e o Militar tendo a seu cargo a defesa nacional (Tit. X), pese embora com nuances de cooperação ou de colaboração deste com aquela, dado serem as únicas com legitimidade ao uso institucional de arma. E, para que não houvesse invasão nas atribuições entre uma e outra, a C.R. especificou os casos em que era previsível o controlo ou direcção militar no sector policial transitório (estado de sítio, estado de emergência ou de calamidade pública) jamais a título permanente ou contínuo num enquadramento de paz ou normalidade democrática, como actualmente se vive no país. Esta é uma questão de princípio basilar de um Estado de Direito. Para a C.R., uma instituição policial é por natureza civil. Qualquer lei que contemple uma polícia militar ou militarizada para vigorar em tempo de paz e normalidade democrática está por isso inquinada de inconstitucionalidade, cabendo às instituições responsáveis, assegurada a sua coragem política e libertas que estejam de constrangimentos, pugnar por uma lei em conformidade com a C.R.
«uma alteração constitucional no sentido do militarismo policial, nada tendo de patriótico, seria um retorno ao estilo de regime autocrático e não democrático»
Já acima se deixou expressa a qualidade digna e o alto prestígio que quaisquer das instituições policiais em apreço desfrutam. De igual jeito a desmilitarização da polícia não é sinónimo de contrariar o merecido mérito das Forças Armadas, que há muito já nos habituaram ao seu prestígio e valor na defesa dos interesses da Nação. A questão que aqui se debate é de um princípio constitucional basilar e que não pode estar ao sabor dos ventos ou de voluntarismos corporativistas. Por isso, motivações como as de combate ao terrorismo ou droga, de imigração ilegal ou alta criminalidade transcontinental não colhem, quer porque hoje as polícias estão suficientemente apetrechadas e capacitadas para o combate (sem prejuízo da cooperação institucional militar, sempre possível), quer porque uma alteração constitucional no sentido do militarismo policial, nada tendo de patriótico, seria um retorno ao estilo de regime autocrático e não democrático. E, se há polícias militares noutros países, o problema é deles e não nosso.
Por isso, é descabido estar a criticar as eventuais disparidades no tratamento dado à PSP e à GNR pelo Executivo. Há que não olvidar que a primeira, fruto da democratização do País e da consequente luta desencadeada pelos seus profissionais no sentido do sindicalismo, é hoje uma força de segurança de natureza civil, pelo que não admira que frua de vantagens em termos de horário de trabalho, de vencimento, formação e promoções, tudo em sintonia com o que é a moderna tendência no resto da Europa, nomeadamente a União Europeia. Já o mesmo se não dirá quanto aos profissionais da GNR, que estão impedidos de ter um Sindicato devido ao seu estatuto militar, do que decorre obviamente uma inferiorização legal reivindicativa.
Porque haverá de acontecer uma tal disparidade tratando-se de duas instituições policiais com a mesma função? Eis a questão. Propor a unificação de PSP/GNR, ou seja, contrariar o sistema dual existente não pode nem deve ser entendido como atentatório da honorabilidade dos agentes de quaisquer das instituições policiais em apreço; aliás, nem é esta vertente que está equacionada. É, porém, patente que a via de unificação facilita uma maior operacionalidade e eficácia, particularmente na troca de informações, uma gestão mais económica de recursos e a óbvia eliminação de conflitualidade de competências. Reconhecida a desnecessidade do sistema dual, o processo de unificação será sempre possível por varias modalidades: integração de uma unidade na outra; fusão dos corpos gerando uma unidade nova; eliminação das unidades originando uma instituição distinta ou eliminando uma das unidades. Cabe, pois, ao poder político e ao legislador a última palavra.
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