Depois de anos de costas voltadas para as questões relacionadas com a sustentabilidade das Forças Armadas, a comunidade política parece agora descobrir o relevante papel que este importante pilar da soberania nacional pode desempenhar, no plano interno. Ainda assim a forma como tem sido anunciado o alargamento da intervenção dos militares nas missões de proteção civil, afigura-se-me como desrespeitadora. É que parece quererem-nos dizer que os militares devem ser mais úteis, sendo por isso necessário dar-lhes que fazer.
Ainda não se percebeu como vai a Força Aérea assegurar, no curto prazo, a gestão e operação dos meios aéreos de combate aos incêndios. Ainda não se percebeu que tipo de valorização se quer dar ao Regimento de Apoio Militar de Emergência, instalado em Abrantes. Fica-se com a dúvida que destino vai ser dado à proposta de criação de uma Unidade Militar de Emergência, ao mesmo tempo que se quer aumentar o efetivo do Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro da GNR, aumentar o número de Sapadores Florestais, efetivar os elementos da Força Especial de Bombeiros e profissionalizar a primeira intervenção dos Corpos de Bombeiros.
Soube-se esta semana que o ministro da Defesa produziu um despacho, datado de 30 de outubro, determinando aos três ramos das Forças Armadas que até ao final do corrente ano identifiquem as capacidades e necessidades que possuem para se envolverem no combate aos incêndios florestais.
Começa a ficar claro que as medidas propostas pela Comissão Técnica e Independente e aprovadas na reunião do Conselho de Ministros de 21 de outubro, no que concerne à «Reforma do modelo de prevenção e combate», têm uma debilidade de base: não se sabe como concretizá-las.
O mesmo acontece com as contramedidas defendidas pelos partidos da oposição, mais preocupados em marcar presença na agenda mediática do que contribuir para a reflexão serena e racional de uma problemática tão relevante para o país.
Voltando aos militares, não ponho em causa que se rentabilize as suas múltiplas capacidades. É uma evidência que possuem competências e equipamentos que podem fazer a diferença no Sistema de Proteção Civil. O que questiono é a forma precipitada e atabalhoada como este processo está a ser conduzido, nomeadamente no respetivo enquadramento constitucional.
As Forças Armadas têm uma função definida e consagrada na Lei de Defesa Nacional e no Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Nos dois documentos prevê-se a participação destas nas missões de Proteção Civil. Mas daí a transformar os militares em agente determinante no combate aos incêndios florestais vai uma grande distância.
O Sistema de Proteção Civil não se circunscreve ao risco de incêndio florestal. O território nacional possui outras ameaças para as quais o País tem de estar preparado para responder.
Por outro lado, o ciclo em que o sistema se move para além da resposta tem outra variável determinante, ou seja a prevenção. Ora, a este propósito não seria de equacionar a participação prioritária dos militares na formação das populações, no que concerne à sua organização para a autodefesa?
Como o leitor já percebeu, nada tenho contra os militares. Antes pelo contrário. Porém custa-me ver a utilização que está a ser feita desta instituição, para convencer a opinião pública de que se tem (e não tem) uma estratégia para robustecer o Sistema de Proteção Civil, depois do teste de fogo a que foi sujeito nos últimos cinco meses.
Resumindo: o caminho adotado não resolve nenhum problema, não valoriza as Forças Armadas, nem melhora o Sistema de Proteção Civil. Esta é a questão fundamental sobre a qual é urgente refletir.
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