O parasitismo epidémico do trabalho temporário

Os lucros das empresas de trabalho temporário e das que a estas recorrem têm o reverso nos prejuízos para a vida, o salário e os direitos de milhares de trabalhadores.

A autêntica epidemia que constitui o trabalho temporário em Portugal vem-se alastrando nas relações laborais. Hoje, há 250 empresas de trabalho temporário (ETT) licenciadas e mais de 150 mil trabalhadores com vínculos temporários, contribuindo para um negócio que movimentava, em 2010, mais de 1 milhão de euros.

Um caso de parasitismo, em que a ETT contrata trabalhadores para os ceder a outras empresas (os utilizadores), de forma temporária, serviço pelo qual é remunerada. Um negócio fabuloso para quem cede e para quem recebe: a ETT acumula lucros sem produzir o que quer que seja; o utilizador vê-se liberto dos encargos e responsabilidades por ter o trabalhador nos seus quadros, conseguindo praticar salários mais baixos, com menos direitos e com a possibilidade de o despedir a qualquer momento.

O regime criado em 1989, pelo segundo governo de Cavaco, criou condições para que o trabalho temporário fosse, não a excepção, mas a regra em vários sectores. O exemplo dos call center é, porventura, o mais impressivo. Hoje, há pisos com centenas de operadores, a maioria altamente qualificados, sem qualquer vínculo à empresa para a qual estão a prestar trabalho, ainda que lá estejam semanas, meses, anos. Pode ler-se no site da Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego que uma das vantagens para o utilizador desta praça de jorna moderna é dispor, «sem mais custos, de uma base de recrutamento para o preenchimento de postos de trabalho permanentes».

Governos atrás de governos, desde 1989, foram promovendo a desregulamentação destas relações laborais e ajudaram a criar um negócio que nada mais faz que fragilizar os direitos e rendimentos dos trabalhadores. Os lucros que as ETT e os utilizadores acumulam através deste regime estão umbilicalmente ligados aos prejuízos dos trabalhadores com vínculos temporários – em salários e direitos. Veja-se o exemplo dos 1500 trabalhadores vinculados à Randstad mas a prestar serviço para a EDP, que ontem estiveram em greve. São temporários, mas alguns trabalham há mais de 20 anos para a energética. Têm os salários congelados desde 2012 e muitos deles levam para casa o salário mínimo nacional. Talvez isto ajude a compreender os 472 milhões de euros de lucros registados pela EDP.

A proposta comunista apresentada ontem, limitando o recurso ao trabalho temporário, a duração máxima dos contratos e reforçando os direitos destes trabalhadores, é necessária. Já a sua aprovação é urgente, para responder às vidas adiadas de milhares de trabalhadores portugueses.

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