Desde que os trabalhadores da Autoeuropa foram forçados a recorrer a formas de luta, perante a irredutibilidade da administração na intenção de impor o trabalho obrigatório ao sábado e um sistema de turnos rotativos – com graves implicações na saúde e na vida pessoal e familiar dos trabalhadores –, que foi posta em marcha pelos órgãos da comunicação social dominante uma campanha de intoxicação da opinião pública, visando dividir e desmobilizar os trabalhadores, procurando atingi-los na sua inteligência, dignidade e sentido de responsabilidade.
Uma campanha baseada na falsificação dos factos, na provocação e na mentira, onde não faltaram os ataques às organizações representativas dos trabalhadores, designadamente aos sindicatos, a tentativa de partidarização da luta e toda a espécie de chantagens, incluindo o velho recurso à ameaça de deslocalização da produção – de tal forma descontextualizado, que a própria administração teve necessidade de vir a público desmentir.
Os protagonistas são os mesmos de sempre: comentadores de turno ao serviço do capital; os chamados analistas políticos; dirigentes patronais; forças políticas de direita; e até alguns (poucos) porta-vozes das administrações que, para o efeito, utilizam abusivamente o mandato que conseguiram dos trabalhadores. Na tentativa de darem um ar de credibilidade às ameaças, esta gente não teve pejo em utilizar vezes sem conta o nome dos trabalhadores da Opel Portugal, insinuando que teriam sido eles os culpados pelo encerramento da fábrica.
Poderiam ter falado de outras fábricas deslocalizadas pelas multinacionais, como a Ford, a Quimonda, a Lear, a Johnson Control, a Texas Instruments, a Delphi da Guarda e de Ponte de Sor, a Renault, a Indelma/Alcoa, a Euronadel, a Bombardier, ou outras com diferentes tradições de luta e graus de organização. Mas não. Tinha de ser a Opel Portugal, onde os trabalhadores tudo fizeram para que a produção continuasse no nosso País.
Sabemos, e eles também sabem, que uma mentira várias vezes repetida acaba por parecer verdade. Por isso, tanto aqueles que trabalharam na Opel Portugal, que merecem ser honrados pela luta que desenvolveram, como os trabalhadores da Autoeuropa, que saberão encontrar, sem pressões e ameaças, o melhor caminho para a defesa dos seus interesse e direitos, merecem que a verdade seja reposta.
Sejamos claros: é falsa e sem fundamento a afirmação de que a luta pelos direitos tenha sido a causa da deslocalização da produção. A General Motors (GM) transferiu a fábrica para Saragoça, onde os salários eram muito mais elevados, para potenciar sinergias e se aproximar dos centros logísticos da Alemanha – na sua própria justificação, que desmente os comentadores encartados.
Ao longo da sua permanência em Portugal, durante mais de 43 anos, a fábrica da GM foi palco de importantes lutas por melhores condições de vida e de trabalho que nada impediram, antes impulsionaram, o investimento na melhoria do processo produtivo e a implementação de novos projectos, de que é exemplo a ampliação da fábrica e a modernização da linha, ambas no ano 2000.
O caderno reivindicativo apresentado para 2005 vinha na sequência da prática de anos anteriores e tinha em conta os acordos estabelecidos. Nele constavam matérias relacionadas com a necessidade de melhorar as condições de vida e de trabalho, nomeadamente através da proposta de um aumento igual para todos os trabalhadores que corrigisse as discrepâncias salariais resultantes de aumentos selectivos verificados em anos anteriores.
Foi a intransigência da Administração, ao fazer depender o acordo da aceitação integral de um sistema de flexibilização do horário – com graves implicações na vida dos trabalhadores – que levou ao impasse negocial e não deixou alternativa à adopção de formas de luta, as quais tiveram o ponto alto na greve do dia 10 de Março de 2005.
Aos esforços que se seguiram, da parte da comissão de trabalhadores (CT), na procura de uma solução negociada, a administração contrapôs a dramatização do processo, apresentando o acordo às suas propostas como condição e garantia de projectos futuros para a fábrica. Foi neste contexto de impasse negocial e de pressão sobre o futuro do emprego que, no dia 16 de Julho de 2005, teve lugar a consulta aos trabalhadores, tendo 54% votado pela aceitação da proposta da empresa.
Perante este resultado a CT sentiu-se sem condições para continuar o mandato e apresentou a demissão. A grande manifestação de solidariedade e confiança transmitida pela maioria dos trabalhadores, através de um abaixo-assinado onde faziam o apelo à sua continuação, levou os membros da CT a recandidatar-se e foram eleitos, com mandato para dar continuidade às decisões do plenário.
Em 24 de Junho de 2005 o acordo foi assinado para vigorar em 2005, 2006 e 2007.
Num comunicado conjunto então subscrito pela administração e pela CT, afirmava-se que «por um período de três anos, foi possível introduzir, para a fábrica da Azambuja, um mecanismo de flexibilidade, criando assim uma ferramenta de ajuste da oferta à procura, indispensável no mercado de veículos comerciais, fortemente dependente dos grandes negócios de frotas».
No final do ano, a GM enaltecia o desempenho da fábrica, registando um aumento da produção de 11,2% em relação ao ano anterior, cotando-se entre as 3 melhores unidades da Europa em segurança, qualidade e eficiência.
Em meados de 2006, cerca de um ano após a assinatura do acordo, os trabalhadores da Opel Portugal foram confrontados com a intenção da GM de transferir a produção da Azambuja para Saragoça, com o pretexto dos custos decorrentes da distância dos centros logísticos localizados em Espanha e na Alemanha. Com esta decisão a multinacional americana faltou ao compromisso com os trabalhadores, violando o acordo social para três anos, ao mesmo tempo que quebrava o contrato com o governo Português, que a obrigava a manter a produção na Azambuja pelo menos até 2009, como contrapartida do apoio concedido de mais de 40 milhões de euros para modernização da linha.
A partir desse momento, os trabalhadores, contando com o apoio das suas organizações de classe e a solidariedade da população, das autarquias locais e das forças vivas da região, tudo fizeram para tentar impedir a consumação deste crime económico e social cometido pela GM sem qualquer outra justificação que não fosse o seu interesse estratégico, uma vez que estava criada a tão propalada paz social, a fábrica dava lucro e tinha todas as condições para responder às necessidades da produção – como a própria administração admitira há menos de seis meses.
Em 19 de Junho de 2006 os trabalhadores entraram em greve, seguindo-se um processo de luta que, para além da CT, contou com o apoio do sindicato dos Metalúrgicos e da CGTP-IN. A 29 de Julho teve lugar uma grande manifestação em Lisboa, onde estiveram presentes o Secretário-geral da FEM (Federação Europeia da Metalurgia), representantes do comité europeu de empresa e de diversas fábricas do grupo – incluindo Saragoça – e centenas de dirigentes, delegados sindicais e membros de CTs, portadores da solidariedade dos trabalhadores de todo o País.
A luta desenvolvida atravessou fronteiras e contou com a solidariedade activa dos trabalhadores de outras fábricas do grupo na Europa, manifestada através de diversas iniciativas, incluindo paralisações do trabalho e recolhas de fundos dinamizadas e coordenadas pelo comité europeu de empresa, numa acção de solidariedade transnacional ainda hoje considerada inédita em situações semelhantes. Sublinhe-se que os trabalhadores da Opel, eles próprios solidários, entregaram a totalidade das verbas recebidas a instituições de solidariedade social da região.
Em sentido inverso, os inimigos dos trabalhadores não perderam a oportunidade para lançar uma campanha de desinformação junto da opinião pública, visando limpar a imagem da GM e transferir para os trabalhadores e as suas organizações a culpa da deslocalização, por terem «ousado» lutar por melhores condições de vida e de trabalho e resistir à desregulação dos horários, à diminuição dos direitos e à desvalorização profissional.
A preocupação desta gente não era o futuro dos trabalhadores nem a defesa da produção nacional mas, tão somente, utilizar o fecho desta fábrica como exemplo para promover a teoria da inevitabilidade da política de baixos salários e do retrocesso dos direitos e, ao mesmo tempo, provocar o receio e o desalento no seio dos trabalhadores, para condicionar a acção reivindicativa e enfraquecer a luta contra a desregulação das relações laborais.
Não conseguiram os seus objectivos. Os trabalhadores não se deixaram intimidar e a luta pela defesa da contratação colectiva, contra as alterações gravosas da legislação laboral, contra as políticas de direita e pela valorização do trabalho e dos trabalhadores, não só prosseguiu como se intensificou. Mas ficaram as deturpações e as mentiras na cartilha ideológica do capital, que os papagaios de serviço agora utilizam como arma de arremesso contra os trabalhadores da Autoeuropa e contra todos aqueles que resistem e lutam contra as injustiças e a exploração.
Entretanto a GM prosseguiu o processo de reestruturação que levou ao encerramento de fábricas na Bélgica (2700 trabalhadores) e na Alemanha e envolveu, em 2009, a fábrica de Saragoça. O grande movimento de luta dos trabalhadores, cujo ponto alto foi a manifestação que reuniu 15 mil pessoas em Saragoça, no dia 17 de Setembro de 2009, em defesa da fábrica da Opel, garantiu a continuidade da fábrica e demonstrou que o fecho da fábrica na Azambuja nada teve a ver com as reivindicações e com a luta dos trabalhadores.
Teve, sim, com o facto de aqui se encontrar o elo mais fraco para a GM iniciar a a sua estratégia de reestruturação para a Europa: tratava-se da fábrica mais pequena do grupo, situada num país como Portugal, com fraco peso político, onde as políticas de submissão aos interesses do grande capital e a passividade demonstrada pelos sucessivos governos, face aos desmandos das multinacionais, lhes garantiam menores custos – tanto políticos como económicos e financeiros.
Se há experiência a tirar, é a da confirmação de que o capital não tem pátria e as multinacionais se deslocalizam não por terem prejuízo mas para irem atrás dos mercados, atraídas pelos apoios financeiros dos estados – que funcionam como autênticos leilões de fundos públicos – e de mão-de-obra barata, à procura de obterem os maiores lucros no menor espaço de tempo possível, à custa de uma cada vez maior exploração de quem trabalha.
É por isso que os trabalhadores precisam de estar cada vez mais unidos e organizados, para defenderem os seus direitos e a sua dignidade profissional e prosseguirem a luta por reivindicações imediatas, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores, por um Portugal de progresso, solidário, desenvolvido e soberano. Digam o que disserem os seus inimigos.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui