O Parlamento do Estado de Israel, «a única democracia do Médio Oriente» de acordo com a credenciada informação que se acha de referência, acaba de aprovar um dispositivo legal que permite ao poder judicial aplicar penas de prisão a crianças a partir dos 12 anos. Esta medida profilática contra «o terrorismo», inegavelmente de grande alcance pedagógico e humanitário, vem pôr cobro a situações incómodas como aquela a que foi sujeito Mohammed Suleiman, detido, espancado e torturado quando tinha 13 anos e que foi obrigado a esperar na cadeia até perfazer 14 anos, para então ser condenado a 15 anos de prisão, pena que agora cumpre por «atirar pedras». Tudo isto porque a lei israelita em vigor não permitia levar garotos com menos de 14 anos a julgamento.
Agora o processo torna-se muito mais transparente: as crianças podem ser condenadas logo aos 12 anos, embora saibamos que nada impede que sejam detidas, espancadas e torturadas aos 10 ou 11 anos e tenham de aguardar em prisão até terem a nova idade para serem julgadas. Afinal, é uma evolução natural no Estado que é exemplar na «luta contra o terrorismo», segundo alguns dos mais cotados e democráticos jornalistas de referência.
«(...) trata-se de um comportamento tão entranhado e enraizado na sociedade israelita que já ninguém repara, principalmente os chefes mundiais, mesmo quando os seus olhos embatem em assombrosos muros de separação ou nas jaulas que os complementam (...).»
Esta inovadora medida legislativa viola todos os conceitos de Estado de direito, normas e convenções internacionais e, claro está, os direitos humanos. Nada que trave os dirigentes e legisladores israelitas na sua saga contínua para erradicação do «terrorismo», isto é, de todos os actos de luta e resistência contra a criação do Estado palestiniano, cuja existência os principais dirigentes mundiais dizem exigir enquanto tudo permitem para a impedir.
Aos que parecem sempre prontos a criticar Israel, e que, por isso, logo recebem a chancela de anti-semitas, lembre-se que esta lei tem salvaguardas, porque afinal não ameaça todas as crianças. As medidas nela contidas são aplicáveis apenas a jovens palestinianos, os únicos que sofrem da doença «terrorista», ilibando imediatamente os adolescentes israelitas, ainda que participem em assaltos ou actos de latrocínio e destruição promovidos pelos colonos. Não é uma lei universal, é feita de encomenda para uma parte da sociedade.
Dir-se-á que existe em tudo isto um vício racista ou segregacionista, mas trata-se de um comportamento tão entranhado e enraizado na sociedade israelita que já ninguém repara, principalmente os chefes mundiais, mesmo quando os seus olhos embatem em assombrosos muros de separação ou nas jaulas que os complementam e onde são desnudados, revistados e sujeitos a humilhantes interrogatórios e contagens os cidadãos palestinianos que apenas pretendem trabalhar ou deslocar-se para visitar familiares.
Procurem-se reacções a esta lei por parte das sãs consciências mundiais, sempre tão zelosas com alguns direitos humanos, e não as descobrimos, ouvimos ou vemos. É normal: o chefe dos espiões militares israelitas faz declarações em defesa e apoio do terrorismo do Isis ou Estado Islâmico e ninguém se incomoda; o primeiro-ministro israelita visita mercenários da Al-Qaida que são tratados em hospitais israelitas e nenhum dirigente mundial toma conta da ocorrência; dia sim, dia não, os dirigentes israelitas anunciam a construção de novas centenas de habitações em colonatos, e assim inviabilizam o Estado palestiniano cuja bandeira ondula, não se sabe bem para quê, nos mastros da sede da ONU. Mais prosaicamente, as autoridades israelitas impedem a realização da final da Taça da Palestina em futebol e a FIFA finge que nada se passou; os serviços israelitas proíbem o chefe da delegação olímpica palestiniana de viajar de Gaza para o Rio de Janeiro e o tão severo Comité Olímpico Internacional não mexe uma palha – certamente mais ocupado com as malhas do doping, para que capturem a leste o que deixam passar às escâncaras a oeste.
«Quando os principais dirigentes mundiais dizem que estão "em guerra contra o terrorismo" ou são favoráveis à existência de dois Estados na Palestina, mentem com quantos dentes têm na boca.»
Aliás, por que razões o combate de Israel contra o «terrorismo» e o envio de crianças para as masmorras sionistas deveriam merecer reparo, se essa divindade intocável da globalização conhecida como Google omite dos seus mapas – que funcionam como guias universais – qualquer alusão a territórios palestinianos ou da Palestina? Assim sendo, a Palestina não passa de uma entidade virtual, uma espécie de pokémon por identificar.
De Hollande a Obama, de Clinton a May, de Merkel a Renzi, a frente do combate «contra o terrorismo» é inexpugnável. No meio deles, Benjamin Netanyahu funciona como uma referência dessa grande confraria democrática e pacifista. Ele não hesita em usar a guerra e o terrorismo contra «o terrorismo», nem que tenha de arrasar a vida de crianças, sustentar bandos de criminosos, «islâmicos» ou não, ou fazer gato-sapato do direito internacional e dos mais elementares direitos humanos.
Quando os principais dirigentes mundiais dizem que estão «em guerra contra o terrorismo» ou são favoráveis à existência de dois Estados na Palestina, mentem com quantos dentes têm na boca. E são cúmplices, disso não haja qualquer dúvida, com o terrorismo de Estado tal como é praticado por Israel.
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