O mundo continua sem saber bem o que esperar de Donald Trump, que, embora não tenha ainda surpreendido, não deixa de chocar. Até à data, a sua medida de maior impacto imediato foi a ordem executiva de impor restrições à entrada de estrangeiros no país, suspendendo temporariamente a entrada de refugiados, de cidadãos de seis países maioritariamente muçulmanos (Iémen, Irão, Iraque, Líbia, Síria, Somália e Sudão), e suspendendo indefinidamente refugiados da Síria. A medida tomou efeito de forma imediata, apanhando desprevenidas pessoas com vistos de residência que se encontravam no estrangeiro, impedindo-as de regressar às suas casas e famílias. Opositores da medida inundaram vários aeroportos nos EUA em protesto e solidariedade com os atingidos, procurando evitar o seu encarceramento e recambiamento.
A medida refere no seu título que pretende proteger a nação de terroristas estrangeiros, pretensão facilmente criticável. Um milhar de funcionários do Departamento de Estado assinou um memorando assinalando que são raros os ataques terroristas em solo dos EUA cometidos por estrangeiros, e que, nos incidentes isolados cometidos por estrangeiros, os seus autores vieram de países não listados (como o Paquistão e Arábia Saudita). Alertam também para os efeitos negativos que a medida pode despertar nos países visados. As reacções nestes países não se fizeram esperar. O Irão, por exemplo, já indicou que iria implementar medidas idênticas, e o Iémen – também em resposta à morte de civis, incluindo crianças, após um ataque comando dos EUA autorizado por Trump – retirou a sua autorização para operações terrestres dos EUA no seu território, tendo caracterizado o raide dos EUA como «terrorismo de estado pelos EUA sob o pretexto de lutar contra o terrorismo».
Quem Trump não pôde despedir foi o juíz de Seattle, James Robart, que bloqueou temporariamente a ordem presidential, merecedendo a qualificação de «ridículo».
Nos EUA a medida foi também de imediato criticada pela ainda Procuradora Geral, Sally Yates, que indicou aos procuradores do Departamento de Justiça que não defendessem a ordem presidencial, levando à sua pronta demissão por Trump. Trump deve ter um gozo especial em repetir a sua frase emblemática – «Está despedido.» – do programa televisivo «O aprendiz» («The Apprentice»). Patético é que o Presidente do EUA ainda perca tempo a comentar como obtinha maiores audiências nesse programa que a sua actual estrela, Arnold Schwarzenegger. Este sugeriu trocarem de lugar. Foi com essa frase que Trump terminou a sua primeira conferência de imprensa, a mesma onde apresentou pilhas de papéis, supostamente os muitos documentos que assinou para passar o controlo das suas companhias para os seus filhos, medida que de forma alguma apazigua os enormes conflitos de interesse resultantes dos interesses económicos da sua família intima.
Quem Trump não pôde despedir foi o juiz de Seattle, James Robart, que bloqueou temporariamente a ordem presidencial, merecendo a qualificação de «ridículo». O caso foi apresentado esta semana perante juízes federais do tribunal superior, cuja audiência esta terça-feira Trump descreveu como «vergonhosa», acrescentando que os juízes não entenderam conceitos que «até um mau aluno de liceu entenderia». Comentários desrespeitosos do ramo judicial proferidos quando o seu nomeado para o Tribunal Supremo, Neil Gorush, se reúne com Senadores para angariar apoios para a sua confirmação.
Foi naquela mesma primeira conferência de imprensa que Trump recusou perguntas da CNN, mandando o repórter calar-se e acusando a CNN de «falsas notícias» por este canal televisivo ter noticiado o dossier alegando que o governo da Rússia possui informações comprometedoras sobre Trump. Trump deu então a palavra a um jornalista da Breitbart, o sítio noticioso da direita alternativa (alt-right), cujo antigo líder, Steve Bannon, é agora Estratega-chefe de Trump. Bannon e Stephen Miller, conselheiro sénior de Trump, são vistos como responsáveis pela ordem executiva banindo a entrada de imigrantes. Miller é antigo assessor do Senador Jeff Sessions, cuja nomeação para o posto de Procurador Geral foi já confirmada. Miller e Sessions, com o apoio da Breitbart de Bannon, têm procurado medidas de grande restrição à imigração, lutando até dentro do Partido Republicano, e são considerados responsáveis pela derrota de várias propostas de reforma dos Republicanos desde a proposta de 2007 apoiada por George W. Bush.
«Antes [da campanha] era um homem de negócios. Dava a todos. Quando eles me telefonavam, eu doava. Sabem o quê? Quando eu precisei de alguma coisa deles, dois anos depois, três anos depois, telefonava-lhes eu»
Donald Trump, presidente dos EUA
Se Bannon representa a influência da direita-alternativa na administração Trump, a recém-nomeada Secretária de Educação, Betsy DeVos, representa a influência dos ultra-ricos. Segundo os seus críticos, incluindo organizações de educação e sindicatos de professores, DeVos é ignorante sobre o sistema escolar público e feroz defensora de uma reforma educativa que privilegie os contactos de associação (charter schools) e 'cheques-escola' (school vouchers; que permite à família usar dinheiro público para pagar a frequência em escolas privadas e religiosas, mesmo que tenham fins lucrativos): isto é, instrumentos para usar dinheiros públicos para financiar as escolas privadas e desabilitar o sistema público. Apesar das críticas fortes e milhares de contactos por parte de eleitores, apenas dois senadores Republicanos votaram contra a sua confirmação, deixando o Senado empatado 50-50. Foi necessário, pela primeira vez na história dos EUA, recorrer ao voto de desempate do presidente do Senado, o Vice-presidente Mike Pence, para confirmar um membro do Gabinete presidencial. A família DeVos (do seu esposo) é dona da Amway. O sogro da nova Secretária de Educação, Richard DeVos, foi considerado em 2012 a 67.ª pessoa mais rica dos EUA, com uma fortuna estimada em US$ 5,1 mil milhões. A sua família terá contribuído com cerca de US$ 200 milhões para o Partido Republicano ao longo dos anos, levando o Senador Bernie Sanders a perguntar a DeVos durante a sua confirmação se teria sido escolhida sem essas doações. DeVos foi confirmada sem o veto da Comissão de Ética.
Há que não esquecer neste contexto as afirmações de Trump num debate durante as primárias Republicanas sobre as suas muitas contribuições políticas: «Eu dei a muitas pessoas. Antes [da campanha] era um homem de negócios. Dava a todos. Quando eles me telefonavam, eu doava. Sabem o quê? Quando eu precisei de alguma coisa deles, dois anos depois, três anos depois, telefonava-lhes eu. Estava lá para mim. É um sistema quebrado. [A Clinton veio ao meu casamento.] Sabem porquê? Não tinha escolha. Porque eu tinha doado.»
DeVos não é a única ligação aos ultra-ricos e interesses multinacionais: o vice-presidente Mike Pence tem fortes ligações aos irmãos Koch; o novo Secretário de Estado Rex Tillerson fez carreira na Exxon Mobil, da qual foi CEO; o Secretário de Defesa James «Cão Raivoso» Mattis deixou as forças armadas para a indústria militar, incluindo a General Dynamics; Elaine Chao, Secretária dos Transportes, serviu no executivo da Wells Fargo. Vários membros do futuro executivo têm ligações à Goldman Sachs, tal como Steven Mnuchin, nomeado para Secretário do Tesouro; Gary Cohn, o principal assessor económico de Trump; e o próprio Steve Bannon. E a lista de influências continua, assim como o seu historial comum de oposição a regulações nas áreas que irão comandar. Enquanto alguns irão fazer alinhar com o programa geral do Partido Republicano e coordenar acções entre a Casa Branca e o Congresso, outros, como Bannon (assim o demonstra a ordem executiva sobre os imigrantes), têm agenda própria.
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