Por exemplo, a OCDE disse serem necessários ganhos reais «sólidos» dos salários por contribuírem para um crescimento de qualidade. Afirma que o declínio no crescimento da produtividade não é por si razão suficiente para o baixo crescimento salarial e aponta outras razões, incluindo um menor poder contratual dos trabalhadores, um factor que a Comissão Europeia também refere. Deixemos por agora a questão de saber se as políticas defendidas por estas instituições, as suas recomendações ou imposições (lembre-se a troica e a avaliação da OCDE à política desta) não têm também responsabilidade e centremo-nos na evolução dos salários em Portugal.
Portugal terá este ano um crescimento económico significativo – 2,6% na previsão do Governo – e é provável que se mantenham, ao menos no futuro mais próximo, condições favoráveis ao crescimento resultantes de factores internos (dinamismo do consumo, recuperação do investimento público e privado) e externos (crescimento previsto nos nossos principais parceiros comerciais).
As remunerações pagas cresceram também a ritmo elevado (4,4% no 1.º semestre) mas este aumento resulta fundamentalmente do acréscimo do emprego (3,5%). Em consequência, o aumento das remunerações pagas por trabalhador foi baixo, não chegando a 1%.
É provável que o valor anual não divirja substancialmente do verificado no 1.º semestre. As remunerações mensais por trabalhador declaradas à Segurança Social indicam uma variação de 1,2% no 3.º trimestre. Mesmo que admitamos que os salários por trabalhador subam de 1,5% no conjunto do ano (um valor avançado pelo Governo), teremos uma variação que apenas cobrirá a inflação de 2017, cujo valor anual apontado como mais previsível é de 1,4%. Teremos, em suma, um desfasamento entre a evolução da economia e a dos salários.
Vale a pena considerar um quadro temporal mais alargado procurando fazer um balanço da evolução dos salários, da inflação e da produtividade no período de 2011 a 2017, usando as Contas Nacionais do INE. Este balanço é ainda provisório, pois o ano ainda não findou e mesmo os dados de 2016 não são definitivos. Mas acreditamos serem úteis para a avaliação da evolução verificada desde 2011.
Que concluir e quais as forças subjacentes a esta evolução?
Primeiro, o quadro revela, sem surpresa, dois períodos distintos. A forte quebra salarial no período de 2011-2015 1foi seguida de recuperação – mas ténue – em 2016-2017. No conjunto, teremos um aumento acumulado da remuneração por trabalhador de 1,7% que compara com aumentos também acumulados de 9% na inflação e de 1,8% na produtividade do trabalho.
Segundo, a baixa em termos reais das remunerações por trabalhador contrasta com o vivo aumento das qualificações dos trabalhadores. Em 2011, a população empregada com habilitações superiores ao 3.º ciclo do Ensino Básico representava 39% do total; em 2017, mais de metade. Esta evolução deve-se em parte à destruição massiva de empregos com baixo nível de qualificação. Não nos podemos disso regozijar, como faz a Comissão Europeia num relatório sobre Portugal.
Terceiro, «trabalhadores mais qualificados» não é o mesmo que «empregos mais qualificados». Nem «maior qualificação» (dos trabalhadores e dos empregos) é igual a «melhor salário». A generalidade dos trabalhadores com novos contratos de trabalho nos últimos anos é paga pelo salário mínimo ou por um valor próximo.
Quarto, não podemos simplesmente dizer que a culpa reside na baixa produtividade do trabalho. O que aqui importa não é o nível da chamada produtividade aparente do trabalho mas a sua variação, a que é deduzida da evolução do PIB e do emprego. Esta medida é influenciada neste período quer pela quebra brutal do emprego entre 2008 e 2103, quer pela forte recuperação deste ano. Mas globalmente a variação da remuneração por trabalhador é inferior ao da produtividade. Mais ainda: a Proposta de OE para 2018 insere dois gráficos em que se compara a evolução do PIB, do emprego e da produtividade desde 2005 em Portugal e na zona euro (p. 14). Aí se mostra que a produtividade cresceu mais em Portugal. Por fim: há uma quebra acentuada da parte salarial na distribuição do rendimento desde 1999, donde resulta que os salários cresceram menos que a produtividade.
Quinto, pode concluir-se que o aumento do salário mínimo foi insuficiente por si só para «puxar» pelos salários em geral, sem deixar de ter efeitos na sua evolução (sem essa revisão a estagnação salarial em 2017 seria mais pronunciada). Há outros factores a considerar como o poder contratual dos trabalhadores, como já se referiu.
Por fim, e sem desenvolver, não parece haver da parte do Governo vontade política para mudanças que se traduzam na melhoria do poder contratual dos trabalhadores, o que, entre outras condições, exige a alteração da legislação que rege a contratação colectiva, desde logo a revogação da caducidade das convenções.
- 1. A quebra foi maior em termos de salários líquidos devido ao forte aumento do IRS
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