«A verdade é como vem, e por vezes, como no caso presente, não tem verosimilhança nenhuma.»
... escreve Fernando Pessoa a sua Correspondência editada pela Assírio & Alvim, citado por Patrícia Portela, que garante ter sido com estas palavras que Pessoa iniciou o seu discurso sobre Acácio Nobre em 1918, desconhecendo-se «até à data, se o caráter do seu comentário seria lisonjeiro ou detrator».
Em A Coleção Privada de Acácio Nobre, Patrícia Portela constrói o catálogo de um espólio em que a «realidade é sobrestimada e o mundo quando muito é surreal», passando por imagens, transcrições, cartas, fac símiles, jogos de geometria, de equívocos e de palavras, de realidade e de ficção.
A Coleção Privada de Acácio Nobre, editada pela Caminho, é uma delícia de literatura portátil. Porque «a História sempre teve as suas preferências e por isso prefiro esquecê-la enquanto bebo um chazinho». De preferência acompanhado por bolachas com manteiga e um livro para ler em silêncio. Porque «o Acácio obstinado que nunca aceitará a realidade dos factos por considerar que há coisas que mesmo que aconteçam nunca deveriam ter acontecido, nasce, com toda a sua capacidade e potência (até hoje inutilizada) para fazer deste mundo um mundo muito diferente». E chegar eventualmente ao futuro.
O Conhecimento recebe os Audazes
A 11 de Outubro, o Centro Ciência Viva do Pavilhão do Conhecimento, no Parque das Nações, em Lisboa, inaugurou a exposição que terá patente até Setembro de 2017. Risco – uma exposição para audazes, é uma produção do centro de ciência Cité des Sciences et de l’Industrie (Paris) em consórcio com o Pavilhão do Conhecimento e o Heureka (Helsínquia), dirigida a todos os públicos a partir dos seis anos.
Com 25 módulos interactivos que permitem medir o nível de risco dos comportamentos e perceber de que modo ele se articula com o desenvolvimento pessoal e social, ali podemos jogar com os dados para compreender a lei dos grandes números, jogar numa roleta eléctrica ou desactivar uma bomba e perceber até que ponto arriscamos e avaliamos os riscos quando somos bebés e tentamos pôr-nos de pé ou declaramos o nosso amor quando estamos apaixonados.
Altamente recomendáveis, estas exposições do Centro Ciência Viva, que conseguem articular clareza e leveza na forma como nos fazem reavaliar a nossa relação com a realidade material, mesmo nos seus traços surreais, como apontaria Acácio Nobre. De forma lúdica e inteligente, sem infantilizar nem crianças nem adultos, o que é coisa rara e de valor.
Roteiro (mesmo) cultural
Entretanto estamos no mês do Orçamento do Estado 2017 (OE2017). Experiência cultural porque assistir às discussões na Assembleia da República é sempre uma coisa esclarecedora, mesmo quando não é particularmente edificante.
Porque estamos no fim da execução de um OE2016 que foi mais uma vez dramático para o apoio às artes e para o sector cultural em geral. Porque a criação e a fruição artísticas são direitos constitucionais e assunto de todos, profissionais e não só, no próximo mês o roteiro pede olho aberto ao que se desenha no poder executivo e legislativo. Porque o dinheiro não é tudo, é verdade, mas só a partir de um ponto em que o dinheiro não tenha de ser tudo. E em Portugal estamos muito abaixo desse ponto. No momento em que este texto é publicado decorre uma Tribuna Pública no Largo de São Domingos em Lisboa (exigindo, entre outras coisas, um caminho claro para o estabelecimento do 1% do PIB para o orçamento da Cultura) e outras iniciativas decorrerão no próximo mês, paralelamente à discussão do OE. Fiquemos atentos. Porque continuamos a tentar chegar ao futuro.
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