Ainda que em grande medida, as propostas apresentadas pelo executivo coincidam com as matérias que o PSD pretendeu «despachar» para os municípios na discussão do Orçamento do Estado, atribuir uma grelha de 91 minutos à questão revela desvalorização de tão importante questão para a nossa democracia.
Ao longo dos últimos dois meses, das iniciativas e fóruns de discussão promovidos pelo Governo, bem como dos pronunciamentos de entidades aos mais variados níveis da administração e sociedade civil, sobressaíram duas grandes preocupações.
Uma dessas preocupações prende-se com a possibilidade de vermos aprovada uma Lei-Quadro de Transferência de Competências sem uma revisão da actual Lei das Finanças Locais que assegure a transferência indispensável de recursos financeiros, humanos e técnicos da administração central para a administração local.
Os municípios manifestaram-se desde logo receosos perante esta circunstância, bem como as freguesias, reclamando estas mesmo, um mecanismo próprio que deduza das receitas dos respectivos municípios, as transferências que precisam para cumprir com as responsabilidades que venham assumir.
Outra ordem de preocupações não menos importante prende-se com a autonomia e a legitimidade democrática que as autarquias e os seus representantes necessitam para porem em prática os seus projectos próprios de desenvolvimento. Os problemas de cada região, agravados por décadas de políticas injustas, exigem hoje soluções próprias à medida da sua natureza e de cada competência que se pretenda descentralizar.
Trata-se de um exercício de políticas públicas que não é compatível com um mero «caderno de encargos» estipulado pelo Governo central para as autarquias, e muito menos para agrupamentos de geometria tão variável quanto ilegítima. Num universo de tão grande diversidade de realidades como é o dos municípios portugueses, ou se atribui às populações a possibilidade de escolherem o seu próprio projecto de desenvolvimento e de futuro, ou estará ferido de morte o princípio de equidade subjacente à pretendida aproximação da governação ao governado.
«Entre esta descentralização e a Regionalização que Portugal precisa, a diferença está no poder que é negado às populações de decidirem sobre projectos próprios de futuro para a sua região, de acordo com a sua natureza e identidade»
Ao contrário do que têm vindo a sugerir alguns comentadores e intervenientes bem-intencionados neste processo, esta proposta do PS e do seu Executivo não é caminho nenhum para a Regionalização, podendo mesmo, pelo contrário, promover o seu esvaziamento em termos de atribuições e de meios.
Daí que não se estranhe o súbito interesse do Presidente da República, que teve na derrota do referendo de Novembro de 1998, possivelmente, a sua maior vitória enquanto líder do PSD. Nessa altura, Marcelo Rebelo de Sousa não se coibiu de montar uma elaborada teia de argumentos contra a Regionalização, nem com que isso viesse a provocar um desgaste político irreparável ao governo do seu amigo António Guterres.
Sabendo da abertura do PSD para discutir esta descentralização, Marcelo Rebelo de Sousa sabe que ela contribuirá para eternizar o «amplo debate público» com que há mais de 20 anos a direita vem obstaculizando o reforço de um Poder Local Democrático com autonomia, meios e poder de decisão.
Surgem assim, sérios e fundados receios com esta descentralização que o PS pretende levar a cabo, deixando as autarquias reféns do cumprimento de competências que dependem de transferências de recursos do Governo central, e negando concretizar a Regionalização, indispensável para a equidade no acesso aos serviços públicos e para o avanço democrático do nosso País.
Entre esta descentralização e a Regionalização que Portugal precisa, a diferença está no poder que é negado às populações de decidirem sobre projectos próprios de futuro para a sua região, de acordo com a sua natureza e identidade, e que razões históricas levaram a que hoje tenham condições de vida e níveis de desenvolvimento diversos.
Transformar as autarquias em meras executoras de um caderno de encargos determinado pelo governo central não é honrar nem dignificar o Poder Local Democrático. A Regionalização não é tão-somente uma inevitabilidade administrativa mas é sobretudo um imperativo para o avanço da nossa democracia.
Só com uma transferência plena de poderes se permitirá a cada Região definir com rigor e transparência, critérios próprios de justiça e de igualdade para aplicação de políticas públicas próprias no estrito interesse das suas populações.
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