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António Costa considera a paz um desperdício

O presidente do Conselho Europeu, em entrevista à Antena 1, considera que uma interrupção temporária da guerra – um cessar-fogo – na Ucrânia só serviria para a Rússia se fortalecer.

O Presidente do Conselho Europeu, António Costa, ouve sorrindo a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante a conferência de imprensa final durante o Conselho Europeu. Bruxelas, Bélgica, 20 de Março de 2025. Ursula Von der Leyen «sobre competitividade, sobre os recentes desenvolvimentos na Ucrânia e a nova política de defesa da União Europeia», que visa, além de uma escalada militarista, a transformação da Ucrânia «num porco-espinho de aço». 
O Presidente do Conselho Europeu, António Costa, ouve sorrindo a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, durante a conferência de imprensa final durante o Conselho Europeu. Bruxelas, Bélgica, 20 de Março de 2025. Ursula Von der Leyen «sobre competitividade, sobre os recentes desenvolvimentos na Ucrânia e a nova política de defesa da União Europeia», que visa, além de uma escalada militarista, a transformação da Ucrânia «num porco-espinho de aço» CréditosOLIVIER HOSLET / EPA

António Costa e os líderes europeus parecem apostar, não numa solução de paz, para a qual ainda não «mexeram uma palha», mas sim na militarização da União Europeia e numa escalada da guerra, enquanto vão preparando os povos e as opiniões públicas dos seus países para o alavancar do confronto, que se sabe como começa, mas não como acaba. A não ser que, efectivamente, persigam a megalómana ideia de derrotar a Rússia ou de uma nova guerra mundial.

 Trata-se de uma fuga para a frente, de quem não tem estratégia, nem para a guerra nem para a paz, o que evidencia bem a «orfandade» que sentem e a situação de desorientação em que se encontram.

Entretanto, ao mesmo tempo que alertam para as dificuldades económicas, sociais e militares da Federação Russa, alimentam a ideia de que a Rússia pode invadir toda a União Europeia, uma tese que alguns comentadores e analistas, quais falcões de serviço, procuram vender a quem ainda os ouve e vê!

O Secretário-Geral da Nações Unidas, António Guterres, junto do Presidente do Conselho Europeu, António Costa, à entrada da cimeira do Conselho Europeu. Bruxelas, Bélgica, 20 de Março de 2025. A intervenção de Guterres não é fácil de encontrar em agências noticiosas, talvez porque, além de alinhar a sua posição pela União Europeia, foi capaz de saudar as negociações em curso, ao contrário de António Costa. Para os leitores, publicamos, no fim do editorial, as ligações para a intervenção do Secretário-Geral da ONU. Esperemos que os mídia de referência corrijam esta situação CréditosOLIVIER MATTHYS / EPA

António Costa, na referida entrevista, assume ainda que «a Rússia não cumpriu o que foi acordado em Minsk I, nem em Minsk II». Ora, sobre estes acordos, talvez não fosse despropositado o presidente do Conselho Europeu falar verdade. Nesse sentido, e para avivar a memória, importa recordar as declarações da ex-chanceler alemã, Angela Merkel, segundo as quais o acordo firmado na cidade de Minsk, em 2015, não tinha como objectivo garantir a paz, mas apenas ganhar tempo para reforçar as Forças Armadas ucranianas. Aliás, estas polémicas afirmações foram secundadas pelo antigo presidente francês, François Hollande, quando admitiu que os acordos de Minsk tinham como objectivo ganhar tempo enquanto o Ocidente reforçava militarmente a Ucrânia, sublinhando que, dessa forma, foi possível fortalecer o exército ucraniano e torná-lo, em 2022, completamente diferente do que era em 2014.

Por outro lado, assistimos por parte destes senhores europeus da guerra ao ensurdecedor silêncio a respeito dos brutais ataques de Israel sobre a população palestiniana da Faixa de Gaza, nomeadamente o que foi lançado na madrugada da passada terça-feira, que provocou centenas de mortos e mais de mil feridos, muitos dos quais crianças. Embora se mostrem muito «zangados» com Trump, a verdade é que, em relação à Palestina, os responsáveis da União Europeia não parecem chocados com a acção e a cumplicidade dos Estados Unidos da América em relação às atrocidades israelitas, e continuam a passar pelos «intervalos da chuva» através da inacção dos diversos governos, incluindo o português.

Transcriçã0 da intervenção de António Guterres, segundo o seu porta-voz (tradução do AbrilAbril):

«O Secretário-Geral e o senhor Costa falaram aos jornalistas enquanto entravam no edifício da União Europeia (UE). O senhor [António] Guterres exprimiu o seu apreço pela nossa  parceria com a EU, reiterando que a mesma é um pilar fundamental da resposta multilateral aos desafios que que enfrentamos na paz, na segurança, no clima, do desenvolvimento sustentável e nos direitos humanos.

Falando da situação na Ucrânia, o Secretário-Geral afirmou que qualquer cessart-fogo é bem-vindo por salvar vidas, mas acrescentou ser essencial que um cessar-fogo abra caminho para uma paz justa na Ucrânia  — uma paz que respeite a Carta das Nações Unidas, a lei internacional e as resoluções do Conselho de Segurança, nomeadamente sobre a integridade territorial da Ucrânia.»

E, mais à frente: 

«Como já sabem, na tarde de ontem emitimos uma nota aos correspondentes na qual o Secretário-Geral  acolheu favoravelmente os anúncios do Presidente dos EUA, Donald Trump, e o Presidente da Federação Russa, a respeito de um cessar-fogo nas nas infraestruturas energéticas, tal como negociações para garantir a circulação pacífica no Mar Negro. Acolheu também, favoravelmente, o acordo de Donald Trump e do Presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, quanto a um cessar-fogo parcial no que diz respeito a instalações energéticas, e que equipas técnicas discutirão um cessar-fogo no Mar Negro.

O Secretário-Geral apontou que estes passos representam importantes medidas de construção de confiança que podem facilitar discussões posteriores  entre todos os actores relevantes [no processo] com vista à desescalada da guerra. Espera que estas abram caminho para alcançar uma paz justa, abrangente e duradoura, que respeite integralmente a independência soberania e integridade territorial da Ucrânia. O Secretário-Geral também sublinhou que alcançar um acordo na navegação livre e segura no Mar Negro, com compromissos de segurança e em linha com a Carta das Nações Unidas e a lei internacional seria uma crucial contribuição da segurança alimentar global e as [respectivas] cadeias de abastecimento. Reflectiria a importância das rotas comerciais tanto da Rússia como da Ucrânia para os mercados globais.

Ligação para a intervenção, no sítio das Nações Unidas.

Quanto às notícias, a LUSA publica, com foto de António Guterres e António Costa, o artigo «Conselho Europeu "não pode ficar bloqueado" por Hungria pensar de forma diferente», sem registar a intervenção de Guterres. A ligação completa é apenas para os assinantes do serviço.

A Associated Press publica uma peça com uma foto de Guterres algo discutível do ponto de vista editorial, mas o texto, intitulado «EU presses on with steel ‘porcupine strategy’ for Ukraine as Russia tries to end Western support», é completamente omisso relativamente às palavras do Secretário-Geral Secretário-Geral.

Já a BBC nem se lembra de Guterres, publica «Putin would breach Ukraine deal if it is not defended, says PM», com o primeiro-ministro Keir Starmer rodeado de militares. Há dois dias o Daily Express publicara «UK 'doesn't need US permission' to fire nukes as tensions with Russia explode»

Assim vão os tempos.

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