O caso de Maravillas Lamberto Yoldi – violada, executada e atirada aos cães – é um dos muitos crimes cometidos pelos fascistas em Navarra e um dos episódios mais arrepiantes da Guerra de 1936 ou Guerra Civil Espanhola, um mês depois do levantamento de 18 de Julho.
Passados 85 anos, o 15 de Agosto continua a trazer consigo esta memória, a da «florzita de Larraga», como ficou conhecida, em Navarra, no País Basco e no Estado espanhol em geral.
Maravillas Lamberto Yoldi, de 14 anos, era filha Vicente Lamberto, um sindicalista que militava na UGT. No dia 15 de Agosto de 1936, elementos da Guarda Civil, acompanhados por um falangista, apareceram em sua casa, em Larraga, para o prender.
Maravillas, que era a mais velha de três irmãs, insistiu para acompanhar o pai, que foi levado para a Câmara Municipal da pequena localidade navarra. Ali, o sindicalista foi metido na cadeia, na parte inferior do edifício, e a filha foi levada para a secretaria, na parte de cima, onde os fascistas a violaram repetidamente.
Foram ambos levados para um bosque próximo, onde a jovem ainda foi violada à frente do pai mesmo antes de o fuzilarem. O corpo de Maravillas Lamberto foi abandonado aos cães.
Uma tragédia que se prolongou no tempo
A tragédia da família, recordava ontem o diário naiz.eus, não acabou aí. Paulina Yoldi, mulher de um rojo, teve de fugir da terra com as duas filhas sobreviventes, Pilar, de 10 anos, e Josefina, de sete. Esta entrou num convento com a intenção de estudar, mas, como revelou posteriormente em entrevistas, foi tratada como uma escrava durante 30 anos pelas superioras. Foi transferida para Caráchi, no Paquistão, e não a deixavam regressar.
Mercedes Colás de Meroño, Porota, morreu esta quarta-feira, em Buenos Aires, com 95 anos. Dedicou boa parte da vida a lutar por memória, verdade e justiça para detidos e desaparecidos na ditadura militar. A presidente das Mães, Hebe de Bonafini, revelou que Porota, como era conhecida pelas suas companheiras, estava há vários meses doente e que, depois de ter fracturado a anca, nunca mais se recompôs. «Foi-se embora devagarinho. Todos os dias morria um pouco», disse Bonafini numa carta de despedida, na qual evocou também uma vida de luta e de sofrimento. A vice-presidente da Associação Mães da Praça de Maio nasceu na Argentina em 1925, mas emigrou para Espanha em 1931, com a sua família, depois do golpe de Estado de 1930. O seu pai, José María Colás, era um pedreiro e anarquista navarro, natural de Lodosa. De regresso à sua terra, José filiou-se na central anarquista CNT e, em Agosto de 1936 – durante a Guerra Civil espanhola –, foi fuzilado pelos fascistas. Mercedes era uma menina de 11 anos. Raparam-lhe a cabeça e «passearam-na» pela terra – como então fizeram a tantas outras raparigas e mulheres – como humilhação por ser filha de um «fuzilado vermelho». Algum tempo depois, Porota conseguiu fugir de Espanha através de França e, juntamente com a sua mãe e irmão, regressar à Argentina. Ali, viria a casar com Francisco Meroño, um trabalhador têxtil, com quem teria a sua filha Alicia. Esta viria também a militar em movimentos de esquerda e, em Janeiro de 1976, com 31 anos de idade, foi sequestrada e feita desaparecer pela ditadura argentina, como aconteceu a cerca de 30 mil pessoas no país austral. Quando falava da sua filha, Porota costumava dizer às reportagens que lhe tinha chamado Alicia porque esse nome, ao ser dito, nos obrigava a sorrir: «Mirá, probá, A-li-cia», refere o diário Página 12. Uma vez, contou que a primeira vez que foi à Praça de Maio, para se juntar aos protestos das mulheres que reclamavam o aparecimento dos seus filhos, comprou «um lenço dos que se usam para dançar», pô-lo na cabeça e sentou-se num banco. Então, disse, aproximou-se de uma mulher que participava na manifestação e que lhe perguntou: «A ti quem te falta?». «Eu chorava e respondi-lhe "a minha filha" e ela disse-me "aqui não se vem para chorar, vem-se para lutar, por isso levanta-te e vamos"», recordou Porota, citada pelo Página 12, a propósito do desafio da luta colectiva que travam as Mães da Praça de Maio. Como vice-presidente da Associação, manteve reuniões, juntamente com as suas companheiras, com líderes mundiais como Fidel Castro, Yasser Arafat, o subcomandante Marcos (em plena selva de Chiapas, no México), Lula da Silva, Evo Morales, Rafael Correa e Hugo Chávez, entre outros. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Faleceu «Porota», vice-presidente das Mães da Praça de Maio
«A-li-cia» e «aqui não se vem para chorar, vem-se para lutar»
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Quando conseguiu finalmente voltar para Pamplona, Josefina trabalhou como voluntária na cantina social París 365 e tornou-se uma referência na luta pela memória histórica.
O corpo do seu pai, que acabou numa valeta anónima, jamais foi encontrado. Só em 2012, o Município de Larraga afixou uma placa evocativa para assinalar os factos. A sua história é contada no documentário Florecica, que foi estreado em Setembro do ano passado.
Nos últimos anos, Maravillas tem sido homenageada por diversas entidades. A 26 de Outubro de 2008, a associação Ahaztuak 1936-1977, que luta pela memória histórica e pelos direitos das vítimas do golpe de Estado, da repressão e do fascismo, homenageou Maravillas e as demais 45 vítimas do fascismo em Larraga nos anos da guerra.
O cantautor navarro Fermin Balentzia foi um dos que mais contribuíram para divulgar o caso de Maravillas, com uma balada emotiva, em castelhano. Com um estilo muito diferente e em basco, os também navarros Berri Txarrak, banda de rock de Lekunberri, criaram uma canção com o mesmo título, «Maravillas», incluída no seu disco Payola.
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