De Alice Springs às grandes cidades da Costa Leste e do Sul, como Sydney, Brisbane, Melbourne ou Canberra, as marchas e os protestos tiveram dimensão nacional, com os manifestantes a deixarem clara a sua frustração e revolta pelo facto de, 30 anos depois, muitas das recomendações feitas pela Comissão Real sobre Mortes de Aborígenes sob Custódia não terem sido inteiramente implementadas. Mais ainda: as mortes, nessas circunstâncias, continuam a ocorrer.
Desde que a comissão publicou um relatório considerado marcante, a 15 de Abril de 1991, mais de 450 indígenas australianos morreram detidos. Desde o passado dia 2 de Março, cinco morreram presos ou em situação de perseguição policial, informa a SBS News.
Numa das mobilizações deste sábado, frente ao Parlamento de Victoria, em Melbourne, a senadora Lidia Thorpe chamou a atenção para o facto de a bandeira aborígene estar a meia haste pelo recentemente falecido príncipe britânico Philip – a quem se referiu como representante do poder colonial que oprimiu o povo indígena.
Nas redes sociais, houve quem perguntasse se o Parlamento tinha recebido autorização dos aborígenes para fazer descer a sua bandeira.
Antes das mobilizações, uma das suas organizadoras, a indígena Tameeka Tighe, disse à AAP que, sempre que ouve falar de uma nova morte, teme que seja alguém próximo.
«Faz-me pensar se é o meu irmão, faz-me pensar na ligação que tenho àquela pessoa e faz-me pensar em "quantos mais" até o governo levar isto a sério», afirmou. «Temos de assistir a mais 30 anos e outras 400 mortes? O que é que faz falta para ser uma emergência?», questionou.
Um irmão de Tameeka Tighe, Tane Chatfield, morreu em Setembro de 2017 depois de passar dois anos em prisão preventiva.
A esperança de há 30 anos
O senador Pat Dodson era o único indígena membro da comissão de há 30 anos e diz que se lembra de, então, ter sentido esperança. Mas isso mudou. «Entristece-me o número de mortes que aconteceram desde a comissão», disse à SBS News, sublinhando o «choque» pela falta de implementação das recomendações que foram feitas.
Em 2018, uma análise da Deloitte para o governo federal revelou que 64% das 339 recomendações tinham sido implementadas na totalidade, 30% tinham sido parcialmente aplicadas e 6% nunca o foram.
O mesmo estudo revelou que a taxa de encarceramento de indígenas quase duplicou desde 1991 e que a monitorização das mortes sob custódia diminuiu.
Cerca de um terço da população prisional da Austrália é aborígene, apesar de os indígenas representarem menos de 3% da população do país.
Para o investigador Christopher Cunneen, do Jumbuna Institute, «a grande descoberta da comissão, há 30 anos, foi que temos de tirar os aborígenes da prisão, do sistema judicial».
«Aquilo que estamos a descobrir, passados 30 anos, é que não só não fizemos isso como tornámos a situação muito, muito pior», denunciou.
Tameeka Tighe defendeu que não basta exigir a implementação de recomendações, porque, mesmo com elas, os indígenas são detidos e encarcerados na Austrália a um nível muito mais elevado.
Para Tighe, os governos estaduais e federal têm de assumir a responsabilidade pelas mortes sob custódia e apresentar os casos com transparência, em vez de «passar a batata quente», como têm feito repetidamente até agora, acusou.
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