O que aconteceu em Los Angeles na nona Cimeira das Américas tem a marca dos tempos. Nada correu como dantes: os resultados e a afluência de países e chefes de Estado foram os mais pobres desde que estas reuniões continentais se iniciaram em Miami, em 1994; sobretudo o tom de muitas intervenções e debates traduziu uma ruptura – apesar de tudo surpreendente – com o tradicional unanimismo podre das relações e dependências de tipo colonial.
Desta feita, o presidente norte-americano, no caso Joseph Biden, ouviu o que jamais os seus antecessores escutaram e o nutrido rol de descalabros da sua administração somou mais um, este bem gordo e sofrido em casa. A que sucede – a série continua – a vitória da esquerda na Colômbia, país que Washington considera estratégico para a sua dominação continental, sobretudo na componente militar.
Percebeu-se que qualquer coisa de muito diferente estava a acontecer ainda antes do início da cimeira, quando os serviços da administração Biden, seguindo o guião rotineiro com modorra burocrática, definiram a lista de participantes e a ordem de trabalhos. Cuba, Nicarágua e Venezuela foram excluídos dos convites, por serem «ditaduras»; e como ponto forte dos temas a discutir foi escolhido o das migrações continentais, o que era esperado porque habitualmente a agenda é definida em função dos assuntos que mais interessam aos Estados Unidos.
«Nada correu como dantes: os resultados e a afluência de países e chefes de Estado foram os mais pobres desde que estas reuniões continentais se iniciaram em Miami, em 1994; sobretudo o tom de muitas intervenções e debates traduziu uma ruptura – apesar de tudo surpreendente – com o tradicional unanimismo podre das relações e dependências de tipo colonial»
Então o inesperado aconteceu. Vários países de todas as regiões americanas – Norte, Centro, Sul e Caraíbas – fizeram saber que ou não estariam presentes ou não enviariam os seus chefes de Estado a Los Angeles por discordarem frontalmente das exclusões de nações impostas pelos anfitriões; e os países da América Central revelaram que não enviariam delegações por discordarem da agenda, essencialmente por considerem que o tema das migrações, fruto da miséria económica e social gerada pela praga colonial que os sangra há séculos, deve ser discutida bilateralmente com o actual responsável pela situação, os Estados Unidos.
Apanhado de surpresa com tão invulgar princípio de sedição no território que há muito é considerado «o quintal das traseiras» de Washington, o Departamento de Estado despachou um enxame de enviados ou entrou em contacto directo com os recalcitrantes distribuindo o habitual menu de ameaças e chantagens para que tudo voltasse à ordem natural e a cimeira decorresse como de costume, isto é sem ondas e com o coro do rebanho entoando o ámen final.
De ousadia em ousadia
Esta ofensiva também não proporcionou os resultados esperados, e que habitualmente são dados como garantidos, reforçando a ideia de que havia mesmo uma resistência nada usual ao diktat de Washington.
Dando sinais de alarme com um cenário tão inconveniente, sobretudo num período em que a seguir à debandada militar do Afeganistão os acontecimentos induzidos na Ucrânia não correm como estava previsto, e logo a poucos meses de eleições parciais para o Congresso que são de importância transcendente para o Partido Democrático e a Casa Branca, o regime norte-americano fez uma mobilização geral. O presidente disponibilizou-se para assistir a todas as sessões da cimeira, tal como a vice-presidente Kamala Harris e o governador da Califórnia, além de presenças pontuais da presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi.
Nada demoveu os chefes de Estado que já tinham decidido não se deslocar a Los Angeles, entre eles o presidente mexicano Lopez Obrador, um peso pesado no continente. «Não vou à cimeira porque não foram convidados todos os países da América», explicou.
«Outra das características notáveis e absolutamente novas nesta edição da Cimeira das Américas foi o facto de a contestação da lista de convidados e da ordem de trabalhos ter partido tanto de países com enorme peso continental como de nações de menor dimensão, influência e peso geoestratégico»
Luis Arce, presidente da Bolívia, e Xiomara Castro, presidente das Honduras, fizeram declarações no mesmo sentido ao confirmarem as respectivas ausências.
Feitas as contas, compareceram 23 chefes de Estado, alguns deles numa situação que pode qualificar-se como «de protesto» – os da Argentina e do Chile, por exemplo - tendo em conta as declarações que proferiram durante os trabalhos.
As edições da Cimeira das Américas mais frequentadas foram as de 1994 em Miami e de 2019 em Lima, juntando 34 chefes de Estado. De notar que há três anos até Cuba esteve presente no Peru.
Desta feita registou-se a maior onda de boicotes à reunião. Além de Cuba, Nicarágua e Venezuela não terem sido convidados também o Uruguai, Guatemala e El Salvador não se fizeram representar. A ausência destes dois últimos países (o presidente uruguaio alegou Covid) representa um corajoso desafio frontal à administração Biden porque as suas histórias políticas, militares e sociais pelo menos nos últimos 70 anos têm estado totalmente dependentes de Washington através de episódios frequentes de golpes de Estado, mudanças de regime e repressão sangrenta, muitas vezes a cargo de esquadrões da morte financiados, treinados e operados pelos Estados Unidos.
Outra das características notáveis e absolutamente novas nesta edição da Cimeira das Américas foi o facto de a contestação da lista de convidados e da ordem de trabalhos ter partido tanto de países com enorme peso continental como de nações de menor dimensão, influência e peso geoestratégico como Belize e Antígua e Barbuda, que ousaram dizer na face de Biden, contra todos os «protocolos», aquilo que ele merecia ouvir.
A maioria dos participantes da Cimeira de Los Angeles questionou a decisão de excluir a participação de Cuba, Venezuela e Nicarágua e expressou a rejeição ao bloqueio imposto a Cuba há mais de 60 anos. A IX Cimeira das Américas, acolhida pelos EUA em Los Angeles, nos dias 6-10 de Junho, ficou marcada por várias ausências de peso e a contestação às imposições dos EUA e ao papel vassalo da Organização de Estados Americanos (OEA) e do seu secretário-geral, Almagro. Prosseguindo a política de exclusão e a escalada de sanções contra Cuba, Venezuela e a Nicarágua seguidas por Trump, a administração Biden resolveu não convidar para a Cimeira os três países, todos membros da ALBA-TCP, recorrendo à estafada alegação de violação dos direitos humanos. Decisão que motivaria o protesto e a ausência do presidente do México, López Obrador, acompanhado pela decisão de não comparência dos presidentes da Bolívia, Luis Arce, e Honduras, Xiomara Castro, e do primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves. Outros três chefes de estado – de El Salvador, Guatemala e Uruguai – invocaram diferentes motivos para não asssistir à reunião de Los Angeles, que registou a menor participação de sempre em quase 30 anos de história do fórum regional (apenas 23 chefes de estado). O presidente da Argentina, Alberto Fernández, esteve presente em representação da CELAC (Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos), país que detém actualmente a presidência rotativa da organização fundada em Caracas em 2011. Num claro revés para a Casa Branca e as aspirações de vigência perpétua da doutrina Monroe, a maioria dos participantes da cimeira de Los Angeles questionou a decisão de excluir a participação de Cuba, Venezuela e Nicarágua e expressou a rejeição ao bloqueio imposto a Cuba há mais de 60 anos. Não houve acordo para aprovação de uma declaração final, apenas um conjunto de acordos temáticos genéricos e uma declaração sobre migração, patrocinada pelos EUA. As ofertas de Washington nesta matéria, segundo um editorial do jornal mexicano La Jornada, «não poderiam estar mais distantes do que se requere para enfrentar o fenómeno migratório», bastando reter que o montante da ajuda prometida pelos EUA constitui «menos de um por cento do destinado num só pacote de apoio para continuar as acções bélicas na Ucrânia». Ao mesmo tempo, recorda-se, as autoridades dos EUA decidiram manter as disposições aprovadas por Trump de deportação simplificada de migrantes, ao abrigo das quais desde 2020 mais de 1,8 milhões de migrantes foram expulsos do território norte-americano. Em jeito de balanço da cimeira, o jornal El País de 12 de Junho lamenta a «ocasião perdida para a América», reconhecendo a «falta de entusiasmo» e «frieza» como factores que ensombraram a Cimeira. Discursando em Havana numa iniciativa dirigida à sociedade civil cubana excluída da Cimeira das Américas de Los Angeles, o presidente cubano Díaz-Canel realçou que «os tempos mudaram e a nossa América não aceita a imposição dos interesses do imperialismo, como não aceita que nos utilizem para os conflitos dos Estados Unidos contra aqueles que identifica como rivais estratégicos noutras partes do mundo». Utilizando o twitter, o antigo presidente boliviano, Evo Morales, salientou a «derrota (...) em casa» dos EUA e aponta o «fracasso» da cerimónia de encerramento da Cimeira devido à «fuga de assistentes e o protesto» contra a «política arbitrária de exclusão». Morales criticou ainda a OEA, considerando-a um «paradoxo», e defendeu a criação de um novo organismo integrador, «respeitador da soberania e cultura da América Latina», e o desenvolvimento da CELAC e UNASUR. Intervindo na cimeira, o presidente argentino Alberto Fernández marcou o tom crítico dominante, ao defender uma América Latina unida e sem exclusões e aludindo à discriminação de Cuba, Venezuela e Nicarágua, afirmou que o «silêncio dos ausentes interpela-nos». Defendeu que no futuro o facto de um país ser anfitrião não deve conceder a direito de imposição da admissão dos países do continente e denunciou a actuação da OEA como gendarme que apoiou o golpe de Estado na Bolívia de 2019, tal como a apropriação da direcção do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ideias corroboradas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros do México, Marcelo Ebrard, que considerou o papel da OEA «esgotado» – apontando o dedo ao «papel vergonhoso» da organização sob comando do secretário-geral Almagro no golpe de Estado na Bolívia – e advogou a necessidade da sua «refundação» com base em «políticas de não-intervenção e benefício mútuo». Ebrard lembrou os bloqueios e sanções aplicados contra países da região, inclusive no contexto da pandemia de Covid-19, em «contradição» com o direito internacional, criticando a manutenção do bloqueio dos EUA contra Cuba. Numa cimeira que contou com a participação do secretário-geral da ONU, António Guterres, e da OEA, Luis Almagro, o presidente da Colômbia em fim de mandato, Iván Duque, foi um dos poucos chefes de estado a prestar vassalagem ao país anfitrião, com um discurso pleno de hipocrisia, enfatizando a divisão entre «democratas» e «autocratas». Uma intervenção que acabou por carimbar o fiasco da Cimeira de Los Angeles. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Cimeira das Américas em Los Angeles marcada pelas ausências
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John Brieño, primeiro-ministro de Belize, condenou o embargo a Cuba, um verdadeiro tabu que existe para ser obedecido e nada mais, e qualificou como «imperdoável que haja países das Américas que não estejam aqui presentes».
O primeiro-ministro de Antígua e Barbuda, Gaston Browne, tomou posição idêntica lamentado que «os convites para esta nona cimeira não tenham sido extensivos a todos os chefes de Estado». Quanto ao embargo contra Cuba declarou que «se trata de uma barreira à paz e à amizade neste hemisfério».
Philip Davies e Mia Mattley, respectivamente das Bahamas e Barbados, fizeram intervenções no mesmo sentido. Nunca tal se ouvira num fórum continental a este nível, sobretudo partindo de países tão «pequenos». Na realidade, como ficou provado, o exercício de soberania não é uma questão de dimensão mas da vontade e coragem dos governos para colocarem os interesses dos seus cidadãos acima de interesses externos, quase sempre adversos. Uma lição para quem deseje ir ainda a tempo de aprender.
Nayib Bukele, o polémico presidente populista de El Salvador, foi dos que não se deslocou a Los Angeles por discordar do ponto da agenda sobre migrações; mas deixou no Twitter um recado para Biden em que condenou igualmente a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a maneira como tem funcionado: «Está claro que o Ministério das Colónias em Washington, também conhecido por OEA, já não tem qualquer razão de ser». Uma heresia. Simultaneamente Bukele ufanou-se de ter encontrado na Turquia um novo parceiro económico e comercial, uma vez que, depois de uma viagem a Ancara, o comércio entre os dois países aumentou 80% este ano.
«Momento disfuncional»
Os presidentes da Argentina e do Chile, respectivamente Alberto Fernandez e Gabriel Boric, decidiram deslocar-se a Los Angeles mas as intervenções que fizeram não pouparam Biden, a sua administração e o comportamento dos Estados Unidos no continente.
Já o brasileiro Jair Bolsonaro fez depender a sua presença da concessão de uma audiência privada com o presidente norte-americano, certamente para lhe pedir um apoio, que tem sido reticente, nas próximas eleições presidenciais. Os interesses pessoais sobrepuseram-se, mais uma vez, à afirmação dos interesses do Brasil no quadro continental.
Alberto Fernandez não foi brando nas palavras: «O silêncio dos ausentes interpela-nos». O presidente da Argentina fez votos para que «isto não volte a acontecer no futuro e que o país anfitrião não tenha a capacidade de impor o direito de admissão em relação aos países do continente».
Boric, o chefe de Estado chileno, declarou que «estamos aqui para dialogar, para ouvir e tenho a profunda convicção de que para isso funcionar a sério não poderá haver exclusões».
Lopez Obrador, o presidente mexicano, enviou a Los Angeles o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Marcelo Ebrard. «Não se pode criar uma nova agenda, não se pode pensar numa nova relação mantendo as velhas estruturas», disse em plenário. E rejeitou que os Estados Unidos continuem com poder de intervenção para dizer «tu sim, tu não».
«Estou convencido da necessidade de mudar a política que nos foi imposta há séculos, a política de exclusão, a ânsia de poder, o desrespeito pela soberania dos povos e a sua independência […] O que pode ser uma cimeira se nem todos os países foram convidados? É a mesma velha política de intervencionismo e de desrespeito pelos povos»
Lopez Obrador, presidente do México
O presidente mexicano, talvez o dirigente mais representativo no processo que está a abalar a «velha ordem» americana, divulgou uma importante declaração que coincidiu com o início dos trabalhos e traduz todo um espírito regional novo, por sinal perfeitamente inserido nas transformações que estão a decorrer à escala global e abalam o «mundo ocidental» e a ordem unipolar. «Estou convencido da necessidade de mudar a política que nos foi imposta há séculos, a política de exclusão, a ânsia de poder, o desrespeito pela soberania dos povos e a sua independência», disse o chefe de Estado mexicano. «O que pode ser uma cimeira se nem todos os países foram convidados? É a mesma velha política de intervencionismo e de desrespeito pelos povos».
Ao lado de Biden esteve, significativamente e quase isolado, o fiel escudeiro e agente golpista Iván Duque, o fascista que está prestes a terminar a sua comissão de serviço como presidente da Colômbia. «Debatamos as nossas diferenças em democracia mas estas cimeiras nunca serão terrenos férteis para ditadores», sentenciou. Um exemplo do velho discurso numa cimeira marcada por comportamentos novos e demonstrativo do isolamento a que Joseph Biden ficou submetido em Los Angeles encarando os seus «súbditos» em rebelião.
Entretanto a própria situação colombiana sofreu uma reviravolta de 180 graus. Além do fim do mandato de Duque, também as suas correntes fascizantes ditas «democráticas» foram eleitoralmente derrotadas pela esquerda.
A candidatura do Pacto Histórico, coligação de forças progressistas e de esquerda, venceu as eleições presidenciais na Colômbia. Petro definiu o triunfo como «histórico» e defendeu a aposta na paz. Com a totalidade dos votos escrutinados, a candidatura do Pacto Histórico, integrada por Gustavo Petro e Francia Márquez, obteve 11 281 013 votos (50,44%) na segunda volta das eleições presidenciais, celebradas este domingo. Já a candidatura apoiada pelas forças de direita, composta por Rodolfo Hernández e Marelen Castillo, alcançou 10 580 412 votos (47,31% dos votos válidos), informaram as autoridades eleitorais colombianas. Conhecidos os resultados, Petro e Francia Márquez dirigiram-se para o coliseu Movistar Arena, em Bogotá, onde se juntaram a milhares de apoiantes que ali festejavam o triunfo do Pacto Histórico, num país onde os governos, por norma, são conservadores de direita e extrema-direita. «É história aquilo que estamos a escrever neste momento, uma história nova para a Colômbia, para a América Latina, para o mundo», disse o novo presidente eleito, sublinhando que aquilo que aí vem é «uma mudança real» e que não irá trair o eleitorado que «gritou ao país, à história, que a partir de hoje a Colômbia muda». Num discurso conciliador, Gustavo Petro afirmou que não se trata de uma «mudança para nos vingarmos, uma mudança para construir mais ódios, uma mudança para aprofundar o sectarismo na sociedade colombiana». O chefe do novo governo, que tomará posse a 7 de Agosto, destacou ainda que a força expressa pelo povo nas urnas vem de longe, de gerações que já não estão, porque as forças que contribuíram para o triunfo do Pacto são um acumulado de cinco séculos de resistência e rebeldia contra a injustiça, a discriminação e a desigualdade. Num coliseu em festa, Gustavo Petro sublinhou que o objectivo primordial do seu mandato é a paz. «Significa que não vamos, a partir deste governo, utilizar o poder em função de destruir o oponente. Significa que nos perdoamos. Significa que a oposição que teremos […] será sempre bem-vinda ao Palácio de Nariño para dialogar sobre os problemas da Colômbia», afirmou, citado pela Prensa Latina. Falando para milhares de pessoas, Petro disse que «não pode continuar o clima político que acompanha os colombianos neste século de ódios, de confrontos, literalmente de morte, de perseguições, de isolamento». Com o governo que irá liderar, acaba-se a perseguição política, a perseguição jurídica, «haverá apenas respeito e diálogo», disse, insistindo na criação de um grande pacto, que deve abranger toda a sociedade. Francia Márquez, vice-presidente eleita da Colômbia, saudou todos os sectores que tornaram possível o triunfo do Pacto Histórico, tendo afirmado que, ao cabo de 214 anos, se deu um passo muito importante: «alcançámos um governo do povo.» «Vamos reconciliar este país, pela paz, sem medo, pela vida, pelas mulheres, pelos direitos da comunidade diversa LGTBQI+, pelos direitos da Mãe Terra, para erradicar o racismo estrutural», afirmou. Lembrando todos aqueles que sofrem a violência e desigualdade no país, teve ainda palavras de reconhecimento para quem perdeu a vida nas lutas da Colômbia. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Gustavo Petro quer escrever uma «história nova» para a Colômbia
A paz como aposta central
«Alcançámos um governo do povo»
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E agora, Mr. Biden? Como vai ser a atitude da sua administração depois da eleição histórica de Gustavo Petro e Francia Marquez à frente da esquerda e dos grupos progressistas agregados no Bloco Histórico da Colômbia? Como fica a sua Colômbia, base golpista tutelada pela NATO e o Comando Sul dos Estados Unidos, a «pedra angular do Hemisfério Ocidental», usando a sua terminologia habitual? Pouco depois da Cimeira das Américas a revolta continua e as derrotas imperiais sucedem-se. Haverá golpe em Bogotá para «restaurar a democracia», como só na última década aconteceu no Brasil, no Paraguai, no Peru, nas Honduras, na Bolívia, sem contar as tentativas permanentes na Nicarágua e na Venezuela e ainda os episódios de «revoluções coloridas» em Cuba? O Pentágono exportará o que resta de Juan Guaidó para a Colômbia, sob novos aplausos da maioria dos países da União Europeia?
Um indício de como a renovada situação continental está a inquietar Washington é a cobertura da cimeira pela Voz da América, o canal oficial de propaganda do regime actuando sob controlo dos serviços de segurança. «Analistas» citados pela emissora testemunham que «o continente está num momento disfuncional, ideologizado e ressentido». O mesmo órgão de propaganda cita um «politólogo» mexicano, Leonardo Curzio, segundo o qual a administração Biden tornou mais visíveis as fracturas «de uma região incapaz de articular esforços hemisféricos». Talvez a «fractura» mais visível deixada pela cimeira, mas não enunciada por Curzio, seja a de grande parte do continente ter encontrado maneira de afirmar posições próprias em relação a Washington, uma realidade completamente nova. O «politólogo» mexicano identifica também «um encerramento dos países nas suas dinâmicas internas» – um artifício semântico para reconhecer, contrariado, o esforço de numerosos países americanos, do Norte ao Sul, para restaurarem as suas soberanias.
Horizontes que se abrem
Soberania é uma das palavras-chave dos tempos que correm. Essa pode ser também a marca desta histórica e fracassada Cimeira das Américas.
As mudanças que estão a acontecer no mundo com maior clareza relacionam-se muito mais com assinaláveis convergências de interesses nacionais e soberanos do que com supostos alinhamentos «ideológicos» ou com o conceito propagandístico de enfrentamento entre as «democracias liberais» e as «autocracias». Esta é uma forma cobarde e negacionista de encarar as inevitáveis transformações à escala mundial que opõem sim o globalismo de intenções neoliberais, oligárquicas e totalitárias – o Great Reset, «grande reinício» do Fórum Económico Mundial – à tendência crescente para a cooperação entre Estados independentes e soberanos. No fundo a desesperada ordem unipolar frente-a-frente com um arranjo ou arranjos multipolares. O conflito de que, para sua surpresa e dos que lhe manipulam o teleponto, Joseph Biden foi vítima em Los Angeles.
«As mudanças que estão a acontecer no mundo com maior clareza relacionam-se muito mais com assinaláveis convergências de interesses nacionais e soberanos do que com supostos alinhamentos “ideológicos” ou com o conceito propagandístico de enfrentamento entre as “democracias liberais” e as “autocracias”»
O sucedido na Cimeira das Américas pode ser reflexo dos primeiros resultados de novas formas de cooperação intercontinental que se afirmam também na América Latina.
Cresce igualmente nesta região com um potencial pujante de desenvolvimento e progresso o número de nações que alargam horizontes para lá das relações de tipo colonial a que têm estado submetidas, moldando as suas sociedades na injustiça, desigualdades e com imensas bolsas de miséria. Esses novos modelos de cooperação privilegiam a soberania e as independências nacionais, são exercidos em termos igualitários com base em interesses complementares das economias dos países envolvidos e dos seus recursos naturais e manufacturados. Os acordos não são estabelecidos em troca de exigências políticas, em função de regimes políticos, mas de vantagens mútuas, o que no caso específico da América Latina pode significar, a termo, uma existência e uma governação que não estejam reféns de uma potência única e seus satélites sob ameaças de invasões militares, golpes de Estado, chantagens, mudanças de regime, «reformas estruturais», terrorismo e incentivos a guerras civis.
Trata-se de uma perspectiva de vida continental totalmente nova, só possível porque à escala internacional se afirmam tendências multipolares que minam os efeitos condicionadores e retrógrados do «excepcionalismo» ocidental, uma minoria de países que enriqueceram à custa do saque e da exploração do resto do mundo considerando-se «imprescindíveis» até para que o planeta continue a girar.
Quase todos os dias se tornam públicos, mas raramente noticiados, acordos de cooperação e desenvolvimento inovadores na América que envolvem países como a Rússia, a China, a Índia, nações africanas, asiáticas e até membros da NATO como a Turquia.
A China, por exemplo, desenvolve amplos e importantíssimos projectos de infraestruturas em El Salvador, Cuba, Panamá e na Nicarágua, onde a possível construção de um novo canal entre o Atlântico e o Pacífico, alternativo ao Canal do Panamá gerido pelos Estados Unidos, é matéria para provocar insónias em Washington; a Rússia tem estabelecido relações económicas e comerciais, inclusivamente de índole militar, com o Peru, Venezuela e Brasil, entre outros.
O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é um embrião de convergência económica e comercial que pode vir a reforçar-se na próxima cimeira, na qual participará outra grande potência americana, a Argentina, além de serem possíveis presenças surpreendentes de mais países, também sob a chancela de «observadores».
Há realmente uma nova dinâmica internacional na qual as crescentes (e muito corajosas) afirmações de soberania e independência afrontam o monolitismo globalista e que também é espelhada, num estado mais avançado do que seria de prever, na maneira como decorreu a recente edição da Cimeira das Américas.
A rebelião no «quintal das traseiras» dos Estados Unidos, abrindo portas a saudáveis e rejuvenescidas manifestações de soberania e independência, contrasta com a submissão cada vez mais humilhante dos países da União Europeia aos interesses, vontades e ordens de Washington; uma abdicação de identidades e valores históricos, um sintoma de esclerose contra a corrente emergente de transformação internacional, conjuntura que não promete nada de bom para os governos e países que se arrastam, desprezando os seus povos, na decadência colonial e imperial.
José Goulão, Exclusivo AbrilAbril
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