|corrida armamentista

Salvar a economia, destruir o mundo

Ligamos o televisor e vemo-los falar de como o aumento dos gastos em armamento pode ser uma oportunidade para a nossa economia. Porque não há conforto maior do que saber que proporcionamos trabalho a investigadores e operários dedicados a assegurar que o mundo se destrói com eficiência.

CréditosAreg Balayan / EPA

O debate sobre o aumento do investimento no sector da defesa em Portugal tem sido intensificado por declarações de figuras proeminentes, como José Neves, presidente da Associação de Indústrias de Defesa (AID). Neves argumenta que «a produção com fins militares tem muito potencial em Portugal», destacando investimentos de «400 milhões em execução através do PRR» e enfatizando que o país já está a investir em projectos com alto valor acrescentado, de olhos na guerra 5.0.

Como se não fosse nada, eis que o senhor presidente da AID nos vem dizer, com a solenidade dos que nunca sujaram as mãos, que reforçar o investimento na defesa é bom para a economia, porque cria postos de trabalho. Deveríamos, então, agradecer-lhe, pois não há nada mais generoso do que um canhão apontado ao nosso futuro, não há conforto maior do que saber que proporcionamos trabalho a investigadores e operários dedicados a assegurar que o mundo se destrói com eficiência.

«Quando nos falam de investimento em defesa, falam-nos de uma necessidade dos mais ricos e do seu sistema económico, um capitalismo que já não se sustenta a si mesmo, que necessita sempre da guerra, do conflito, do clima de medo»

Mas vejamos a questão como ela é. A finalidade última do fortalecimento da indústria de defesa, da produção de armamento e tecnologias militares, está intrinsecamente ligada à potencial destruição e à perpetuação de conflitos. Quando nos falam de investimento em defesa, falam-nos de uma necessidade dos mais ricos e do seu sistema económico, um capitalismo que já não se sustenta a si mesmo, que necessita sempre da guerra, do conflito, do clima de medo, para que as suas engrenagens continuem a girar e a acumular o lucro dos que nunca irão pegar numa arma, mas sempre beneficiarão da sua venda.

O dinheiro público, que deveria garantir hospitais, escolas e transportes, é desviado para fábricas de armamento. E no fim, quem ganha com isto? A banca, que financia a guerra. A indústria, que a alimenta. Os governos, que se justificam por ela. E quem perde? Perdem os trabalhadores, que vêem os impostos transformados em carros de combate em vez de investimento na fixação de profissionais no Serviço Nacional de Saúde. E, claro, perdem os mortos, sempre os mortos, que são os filhos dos trabalhadores, de ambos os lados da trincheira.

E depois há os que seguram o microfone, os que sentam esta gente bem vestida diante das câmaras e lhes dão tempo de antena para que falem de postos de trabalho e crescimento económico como se estivéssemos a falar de exportação de vinho ou de azeite, sem nunca lhes perguntar quantos corpos serão necessários para alimentar este crescimento, sem nunca questionar o destino das balas e dos mísseis que agora nos vendem como progresso. São cúmplices, sim, os que fazem as perguntas e que fingem que esta conversa é apenas mais uma conversa de negócios e não a justificação requintada para a perpetuação da guerra e da miséria.

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