A Navigator registou em 2022 lucros de 392,5 milhões de euros, o que significa uma subida de 129% face a 2021. Se só olharmos para os números ficamos chocados com os milhões arrecadados, mas também com a subida astronómica de um ano para o outro. A Navigator representa aproximadamente 1% do PIB nacional, 2,4% das exportações de bens nacionais e é o maior exportador de carga contentorizada em Portugal, com 6% do total.
Importa frisar que a empresa que se dedica à produção de papel foi em tempos chamada Portucel - Empresa de Celulose e Papel de Portugal, tendo sido criada em 1976 após a nacionalização da CPC - Companhia Portuguesa de Celulose, S. A. R. L.; Socel - Sociedade Industrial de Celulose, S. A. R. L.; Celtejo - Celulose do Tejo, S. A. R. L.; Celnorte - Celulose do Norte, S. A. R. L.; Celuloses do Guadiana, S. A. R. L; e as acções da Celbi - Celulose da Beira Industrial, S. A.
No decreto-lei que define a criação da Portucel, pode-se a justificação para a fusão de todas as empresas numa única: «Considerou-se assim como solução mais adequada a criação de uma empresa única, e porque os seus estatutos explicitam suficientemente as regras de funcionamento que a norteiam, bastará confirmar que esta solução é reputada a melhor, tanto para servir os objectivos nacionais como para responder às necessidades de gestão, planeamento e articulação do sector nacionalizado».
Em 1984 foi criada a Soporcel – Sociedade Portuguesa de Papel S.A, uma empresa privada que visava disputar o sector da produção de papel. Em 1990, já com o governo PSD de Cavaco Silva, a Portucel é transformada em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos e em 1993 é decretada a reestruturação da empresa «no sentido de se proceder à sua reprivatização».
Desta forma, em 1995 é privatizada 44,3% dos capitais da empresa e em 2001 a Portucel adquire a totalidade do capital da Soporcel e torna-se líder destacada do mercado. A empresa, já estava em parte privatizada, e em 2004 o grupo Semapa adquire 67,1% do capital da Portucel, S.A. e o Estado aliana assim um importante sector estratégico.
É esta a história da empresa que faz «papel» com o papel, mas esta mesma história pode ser ainda mais aprofundada e dada a direcção que tomou, identifica-se uma inversão de papéis. Se inicialmente a empresa estava submetida ao Estado, ou seja, a economia e o poder económico estiveram durante algum tempo submetidos ao poder político, agora verifica-se o inverso e é o poder económico que visa submeter o poder político.
Isto tem os seus impactos directos nas decisões tomadas por quem detém o poder, que define políticas que vão ao encontro dos interesses dos grandes grupos económicos em detrimento dos interesses nacionais. Com isto em mente podemos analisar a política florestal levada a cabo pelos sucessivos Governos.
Segundo dados de 2020, o eucalipto representa mais de um quarto (25,7%) do total dos povoamentos florestais em Portugal e corresponde a uma cobertura de cerca de um milhão de hectares. Portugal detém a maior área relativa com esta plantação a nível mundial e é o maior detentor da maior área absoluta a nível europeu e a quinto a nível global.
Isto interessa bastante às empresas que fazem papel já que a celulose de eucalipto das espécies eucalyptus globulus (da Península Ibérica) e eucalyptus grandis (do Brasil) começou a substituir a pasta de bétula (da Escandinávia) como a principal matéria prima nesse tipo de indústria. Devido às condições de clima e solo, Portugal tem uma vantagem competitiva na produção de eucalyptus globulus.
É neste sentido que a 19 de Julho de 2013, Assunção Cristas, que à data era ministra da Agricultura e das Florestas, assinou o decreto-lei que permitiu a liberalização dos eucaliptos de modo a facilitar «acções de arborização ou rearborização». Segundo os dados de 2018 do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o eucalipto foi a espécie utilizada em mais de 81% das acções de arborização ou rearborização autorizadas.
A par desta liberalização, a plantação de eucaliptos foi ainda intensificada. Num artigo no Jornal de Leiria da autoria de Mário Lopes, docente do Politécnico de Leiria, publicado em 2022, «floresta portuguesa é 98% privada, composta maioritariamente por minifúndios e cerca de 2/3 do eucaliptal está ao abandono ou sob má gestão». Em 2017 o governo, através do ministério da Agricultura, anunciou a abertura de um concurso de financiamento de mais de 18 milhões de euros «exclusivamente dedicados» a investimentos que permitissem a melhoria da produtividade do eucalipto.
Ou seja, foi criado ainda mais condições para oferecer ainda mais matéria-prima à Navigator e empresas similares. Mas isto tem uma contrapartida ambiental já que o eucaliptal cria um ambiente mais seco do que o de outras espécies arbóreas, o que propicia uma maior propagação e projeção do fogo, para além de reduzir a biodiversidade e afetar o equilíbrio ecológico. Uma das grandes características do eucalipto é arder muito rápido e ser muito resistente ao fogo.
Mas com isso está a Navigator bem, e mesmo sabendo, sob representação da Associação da Indústria Papeleira faz questão de incentivar a uma cada vez maior plantação de eucaliptos de forma a defender os seus interesses económicos. É por isso que o gestor da Navigator, na cerimónia de aniversário da empresa realizada no passado mês de Julho, disse o seguinte: «Para continuarmos a ser sustentáveis precisamos de ter mais floresta plantada de eucalipto». O CEO chama-se António Redondo e sabe bem que para ser rentável precisa de um Governo que mantenha a linha política que tornou a Navigator no que é hoje, mesmo que isso signifique maior área ardida.
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