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O que representa uma inflação fixa em 2% para os salários?

A nova estratégia anunciada pelo Banco Central Europeu (BCE) de manter a inflação a 2% é melhor do que o actual paradigma, mas mantém uma lógica de controlo sobre os aumentos de salários.

Créditos / www.cgd.pt

O BCE anunciou, a aprovação de uma nova estratégia, que passa pela definição da meta de inflação (aumento generalizado dos preços de um determinado cabaz de bens e serviços). Esta deixa de estar abaixo de 2%, para passar a fixar-se neste valor. O objectivo é o de estabelecer uma meta simétrica, ideia que já vinha sendo avançada mesmo antes da pandemia. Assim, o BCE passa a fazer o que a Reserva Federal norte-americana faz há vários anos, cumprindo a tese de que se passam a dissipar incertezas quanto à taxa a aplicar.

No documento aprovado por unanimidade por todos os governadores dos bancos centrais nacionais, concluiu-se ainda que o custo com a casa é incorporado no cálculo da taxa de inflação e que as questões relacionadas com o clima passam a ter mais centralidade.

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, já veio valorizar esta alteração, referindo, numa entrevista ao Público esta segunda-feira, que «este objectivo de 2%, com uma aproximação simétrica», permite «desvios acima e abaixo», naquilo em que considera ser «um mundo bastante diferente daquele que tínhamos até aqui, que permitirá ao BCE, perante cenários como aqueles com que fomos confrontados, transmitir uma função de reacção compatível com essa ancoragem das expectativas».

Não obstante, se de facto esta determinação pode representar uma melhoria face à actual situação (inflação sempre abaixo dos 2%), na realidade apontar para uma fixação do valor da taxa de inflação implica um controlo sobre o aumento dos salários.

A ideia dos que acompanham a teoria dominante é que o aumento dos salários acima da inflação registada no período homólogo anterior, cria pressões inflacionistas, podendo aumentar o custo de vida de forma incontrolada. Todavia, isto implica, na prática, que o salário real não aumente, ao mesmo tempo que o nível de vida das pessoas fica estagnado.

É verdade que viver-se uma realidade em que os preços sobem muitíssimo diariamente, significaria que os nossos salários perdem todos os dias capacidade de comprar o mesmo cabaz de bens ou serviços. Recorde-se o cenário de inflação galopante no pós-II Guerra Mundial, que fez estremecer a economia alemã. No entanto, este factor é utilizado pelos decisores políticos para condicionar e impedir o aumento geral dos salários, reivindicação que em Portugal ganha sentido reforçado porque o nível salarial médio é muito baixo, sobretudo quando comparado com outros países da União Europeia.

O BCE decidiu também a incorporação no cálculo da taxa de inflação dos custos com a habitação e a sua manutenção. Mas é a própria instituição que alerta que esta inclusão demorará anos, e que apenas contará com o custo de compra de uma casa para habitação própria e não para investimento.

A medida da inclusão dos custos com a manutenção da casa é uma medida positiva, porque corresponde a um dos grandes problemas identificados no cabaz. Recorde-se que já tinha sido positiva a incorporação das rendas, e esta medida vem também nesse sentido.

No que respeita à realidade portuguesa, deveria ainda ser considerada a incorporação de despesas relacionadas com a compra da primeira habitação, pois em países como Portugal a compra de primeira habitação não é um investimento, porque se trata de uma necessidade muito condicionada pelas condições reais do mercado de arrendamento.

Quanto à questão das «implicações profundas» das alterações climáticas para a estabilidade de preços, fica ainda por definir o modelo da sua inserção neste quadro.

Mas é o próprio BCE que reconhece que «as alterações climáticas e a transição para uma economia mais sustentável afectam as perspectivas em termos de estabilidade de preços através do seu impacto em indicadores macro-económicos como a inflação, o produto, o emprego, as taxas de juro, o investimento e a produtividade, a estabilidade financeira e a transmissão da política monetária». Este é um alerta a ter em conta, porque é uma situação que pode vir a conduzir a uma «acumulação indesejável de riscos financeiros relacionados com o clima».

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