Os defensores da privatização da ANA – Aeroportos de Portugal tendem a argumentar em sua defesa com o crescimento da empresa. Acontece que há um crescimento do transporte aéreo a nível global, que não é fruto da privatização da ANA e já era expectável no momento em que esta aconteceu.
Um crescimento que também explica a razão por que o país, quando decidia soberanamente sobre esta questão, decidiu da necessidade de construir um novo aeroporto em Lisboa (NAL) e decidiu fazê-lo nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete.
Uma decisão nacional posta em causa pela privatização, que colocou na multinacional Vinci a decisão sobre o futuro do NAL, tendo esta decidido que era melhor para os seus lucros a solução que está a tentar impor ao Governo e ao País (fazer de Lisboa a única capital europeia com um aeroporto a crescer dentro dela).
«Para alcançar estes resultados, a Vinci está a espremer os utilizadores do Aeroporto de Lisboa, nomeadamente através de aumentos das taxas, que rondam os 40% desde a privatização, mas que atingem os 190% no "valor mínimo pago por aterragem"»
Há ainda quem valorize o facto de a «ANA privatizada» ter pago em impostos directos, em 2018, 135 milhões de euros, por contraste com a «ANA pública», que, por exemplo, entre dividendos e impostos, entregou antes da privatização apenas 48,8 milhões. No entanto, os Relatórios e Contas do Grupo ANA mostram-nos uma outra realidade. Em 2011, último ano em que a ANA foi integralmente pública, o resultado líquido foi de 76,5 milhões e o imposto pago foi de 21,3 milhões de euros, num total de 97,8 milhões.
Mas há que lhe somar um outro dado, o do investimento. E, nesse ano de 2011, a ANA investiu 95,1 milhões de euros nos aeroportos nacionais, enquanto em 2018 o investimento foi de apenas 47,9 milhões. Tudo somado, falamos de 192,9 milhões de euros em 2011 e de 182,9 milhões em 2018. É que, com a privatização, o investimento na infra-estrutura aeroportuária nacional caiu a pique em termos absolutos e colapsou em termos relativos.
A média anual de investimento da ANA sob gestão pública é de 114,4 milhões de euros: 2002 (81,4 milhões de euros); 2003 (69,5); 2004 (154,4); 2005 (134,8); 2006 (103,6); 2007 (86,3); 2008 (137,3); 2009 (153,7); 2010 (127,4) e 2011 (95,1). Sob gestão privada, essa média baixa para 55,5 milhões: 2014 (36,4 milhões de euros); 2015 (61,1); 2016 (69,5); 2017 (62,7) e 2018 (47,9).
Quem beneficiou, e muito, com a privatização foi o Grupo Vinci. Além de fazer repercutir nas contas da própria empresa uma parte dos custos com a sua aquisição, amealhou em seis anos 871,1 milhões de euros de resultados líquidos: 2013 (18,6 milhões de euros); 2014 (50,6); 2015 (101,2); 2016 (168,1); 2017 (248,5) e 2018 (284,1). Estes números espelham a pechincha que foram os quase dois mil milhões que o grupo francês pagou pela ANA e também explicam para onde foram as verbas que o Governo diz faltarem para construir o NAL.
«Em relação aos trabalhadores, a taxa de exploração não pára de crescer.»
Para alcançar estes resultados, a Vinci está a espremer os utilizadores do Aeroporto de Lisboa, nomeadamente através de aumentos das taxas, que rondam os 40% desde a privatização, mas que atingem os 190% no «valor mínimo pago por aterragem», que passou de 106,64 para 308,89 euros. E ainda colocou os aeroportos nacionais nos piores lugares do ranking mundial. De acordo com a empresa OAG, o Aeroporto de Lisboa está em 725.º lugar no ranking da pontualidade, com mais de metade dos voos atrasados, tendo empurrado a TAP e a SATA igualmente para os piores lugares dos rankings das companhias aéreas.
É que, se o turismo tem sido nos últimos anos «a galinha dos ovos de ouro», no quadro de um crescimento nacional pouco sustentado, a privatização da ANA ameaça a saúde dessa galinha e a quantidade de ovos que pode continuar a produzir.
Em relação aos trabalhadores, a taxa de exploração não pára de crescer. O número de trabalhadores da empresa ANA, entre 2012 e 2018, cresceu 18,7% (de 1077 para 1279). Mas o número de movimentos nos aeroportos cresceu 62% no mesmo período, o volume de negócios aumentou 117% e a movimentação de cargas, 32%. O crescimento de trabalhadores desaparece se se tiver em conta que a ANA de 2018 inclui a ANAM (Madeira), que em 2012 tinha 311 trabalhadores.
Ou seja, os trabalhadores da ANA, e os muitos trabalhadores subcontratados sem os quais os aeroportos não funcionariam, estão a ser igualmente espremidos para promover a acumulação na Vinci. E em empresas do Grupo ANA, como a Portway, até já houve tempo para promover um despedimento colectivo no meio de tanto «sucesso».
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