Isto é o pior da notícia, pois estamos perante uma completa falsidade. O Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) custará entre 5 e 8 mil milhões de euros. Olhemos para as duas obras similares construídas recentemente na Europa: o Aeroporto de Berlim, com uma capacidade para 37 milhões de passageiros, custou 7,4 mil milhões de euros, mas nesta verba está incluída a compra dos terrenos, todas as infra-estruturas de acesso e o muito que correu mal nesta obra que se prolongou por quase 20 anos; o Novo Aeroporto de Istambul custou 8 mil milhões de euros para uma capacidade de 90 milhões de passageiros, e está planeado para atingir os 200 milhões de capacidade por mais 4 mil milhões de euros – e também aqui estes valores incluem terrenos e infraestruturas de acesso.
É por isto que quando nos falam de 30 mil milhões para o custo do NAL (capacidade de 45 milhões), onde os terrenos já são públicos e com as infra-estruturas de acesso fora desta conta, só podemos dizer: estão a brincar com coisas sérias!
Diz-nos a CNN: «O futuro aeroporto Luís de Camões implica um prejuízo direto, para o Orçamento do Estado, entre 25 mil milhões e 35 mil milhões de euros. Para financiar a construção, o Governo terá de prescindir de lançar o concurso público internacional para uma nova concessão do negócio aeroportuário, previsto para 2062, e de receber o valor astronómico dessa receita. O economista Rui Trindade estima esses valores de prejuízo público, em função do valor de mercado previsível dos aeroportos portugueses, a preços atuais, em 2062.»
Só que o raciocínio da CNN inclui aquele «terá», apresentando como uma inevitabilidade o que é de facto uma opção do governo. E é essa opção que deve ser questionada. A notícia tem um mérito importante: alertar que a opção de prolongar a concessão à Vinci tem um custo, e que esse custo deve ser tido em conta. Mas nunca questiona o que deve ser questionado: porque quer o governo prolongar mais 10, 20 ou 50 anos a concessão aeroportuária à Vinci para pagar o NAL?
A ANA teve de lucros em 2023 uns espantosos 417 milhões de euros. Esse valor cresceu em 2024, apesar de não se conhecer quanto, mas sabe-se que as receitas cresceram 16%. Tem a concessão dos Aeroportos até 2062 onde vai arrecadar um lucro mínimo de 20 mil milhões de euros (usando as contas conservadoras do Tribunal de Contas). A ANA está em perfeitas condições de suportar o investimento no NAL como suportou o investimento nos restantes aeroportos nacionais quando era pública. Já que o Estado, de uma forma ou de outra, já vai contribuir com o custo das infraestruturas de acesso (ferrovia e rodovia) e os terrenos a usar são públicos. Se a ANA se recusar a construir o NAL o que o Governo tem que fazer é renacionalizar a empresa (e o próprio Ministro já admitiu que essa possibilidade existe). Ora, a ANA foi vendida por 1,1 mil milhões, já deu um lucro à Vinci de mais do dobro desse valor, a indemnização a ser paga pela renacionalização não pode ser muito superior ao valor de venda.
Portanto, da importante e verdadeira informação de que prolongar a concessão é o mesmo que entregar dinheiro público à multinacional, o que se deve retirar não é um valor idiota para o custo do NAL, mas a necessidade de rejeitar a opção do governo de prolongar o contrato de concessão. O custo de 30 mil milhões não nasce da decisão de construir ou não construir o NAL, nasce da opção de privatizar a ANA e da opção de prolongar o contrato de concessão para «pagar» o NAL.
É essa opção, profundamente errada e lesiva do interesse nacional que deve ser questionada, que precisa de ser alterada.
Por fim, recordar o início
A CNN – e o economista Rui Trindade – dizem que a futura concessão da ANA a preços actuais vale 30 mil milhões (de facto, dizem que vale entre 25 e 35 mil milhões, mas fazem a média para colocar no título).
Sublinho, a preços actuais. Então, como explicam que a actual concessão por 50 anos tenha sido vendida por 1,2 mil milhões? Ou que a ANA tenha sido vendida por 1,1 mil milhões? Dizem-nos que está tudo certo, pois em 2012 a multinacional pagou 15 vezes o EBITDA da ANA, «em linha com outros negócios internacionais». Sendo o EBITDA, grosso modo, o resultado operacional de uma empresa, e em termos formais o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações, querem fazer-nos passar a ideia que se pode calcular o valor «justo» a pagar por uma empresa através de uma fórmula tipo EBITDA vezes 15.
Só à laia de ilustração, para tentar ajudar a perceber o quanto esta fórmula está errada no cálculo do «valor» da ANA em 2012:
– A possibilidade de aumentar as taxas aeroportuárias muito significativamente tem um impacto evidente na capacidade de uma empresa gerar receitas. Para mais uma empresa que opera em monopólio. Ora a ANA recebeu esse direito com a privatização, o que levou a que pudesse aumentar as taxas aeroportuárias em mais de 50%, e nalguns casos mais de 200%. Sendo as taxas aeroportuárias a receita central da ANA, essa possibilidade tem um valor muito significativo, que evidentemente não se reflecte na fórmula EBITDA x 15, que usa o resultado operacional de quando a empresa não podia aumentar tanto as taxas.
– O investimento, não tem nenhuma relevância? O facto de a ANA ser obrigada ou não ser obrigada a pagar integralmente o NAL, por exemplo, não altera o valor da concessão e da empresa? Claro que altera, mas a fórmula EBITDA x 15 não o reflecte.
– O número de anos da concessão não altera o valor da concessão? É igual a concessão ser por 10, 15, 40 ou 50 anos? E como é que isso se mede numa fórmula EBITDA x 15?
– O facto de nos sete anos anteriores à privatização o resultado operacional da ANA SA ter mais que duplicado (o EBITDA passou de 86 para 186 milhões de euros) é indiferente ao cálculo? Não era previsível que esse resultado continuasse a aumentar face às projecções de crescimento muito significativo do número de passageiros?
Enfim, estas fórmulas não são mais que desculpas de mau pagador. É completamente evidente que a ANA valia muito mais (mesmo numa pura óptica capitalista, mesmo só medindo a capacidade de gerar lucros e dividendos) que o preço que a Vinci pagou por ela. Basta ter noção que em 12 anos já teve lucros superiores ao dobro do preço pago por ela!
Mas registe-se a coincidência: por caminhos e com objectivos completamente diferentes, quer o Tribunal de Contas, na Auditoria à Privatização, quer agora Rui Trindade e a CNN apontam um valor similar para o valor actual de uma concessão por 50 anos dos aeroportos nacionais: entre 25 e 35 mil milhões de euros. E que tal, se em vez de os entregarmos a uma multinacional, os retivéssemos no País, não privatizando a ANA? Dava para pagar o NAL, modernizar o Aeroporto do Porto, que também está a ficar prejudicado pela falta de investimento da Vinci, e ainda sobrava para contratar e pagar todos os profissionais em falta no SNS durante esses 50 anos. That is the question!
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